terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Será que oferecerão o Nobel da paz para ele?


Suécia recorre e Assange deve ficar mais 48 horas sob custódia

Um tribunal de Londres autorizou nesta terça-feira (14) a libertação de Julian Assange, criador do WikiLeaks, sob o pagamento de fiança de 200 mil libras (R$ 541 mil). Assange continuará sob custódia por pelo menos mais 48 horas, já que a Justiça sueca apelou da decisão. A Suécia pede a extradição do australiano de 39 anos, acusado por suposto abuso sexual. O WikiLeaks, tornou-se a vedete atual do noticiário, após ter publicado mais de 250 mil documentos considerados confidenciais dos EUA.

A próxima audiência do caso no Reino Unido deverá acontecer em 11 de janeiro. Assange foi preso na capital britânica na semana passada e desmentiu ter praticado qualquer delito. O juiz Howard Riddle disse que caso Assange seja solto ele precisará respeitar regras rígidas: terá que usar um rastreador eletrônico, permanecer em um endereço registrado, reportar-se à polícia toda noite e respeitar dois turnos de toque de recolher de quatro horas a cada dia.

O advogado Geoffrey Robertson, que representou Assange no tribunal, afirmou que celebridades já garantiram com doações a quantia necessária para a fiança. Ex-juiz do tribunal da ONU para Serra Leoa, Robertson é especialista em casos relacionados à liberdade de expressão e tem clientes como o escritor Salman Rushdie, ameaçado de morte por fundamentalistas muçulmanos. Mark Stephens, outro advogado de Assange, ironizou a cobrança da fiança.

"É uma pena que ele não possa usar o Mastercard ou o Visa para ajudá-lo a conseguir" o valor necessário, segundo Stephens, se referindo ao bloqueio que as administradoras de cartão de crédito submeteram às contas dos responsáveis pelo WikiLeaks.

Nesta terça-feira, a advogada que representa a Suécia pediu que o fundador do WikiLeaks continuasse sem direito à fiança, alegando que as acusações "são sérias, que ele não possui vínculos fortes com o Reino Unido e tem dinheiro suficiente para escapar".

Da redação, com agências


Errata:
Depois se descobriu que a Suécia não teve nada a ver com a prisão de Assange do Wikileaks, como noticiado no artigo acima. A reportagem usada aqui foi copiada aqui na época de sua detenção. Todo o incidente foi causado pela própria justiça inglesa. Como se não bastasse a hipocrisia, ainda tentaram por a culpa nos estrangeiros.
Enfim..... Agora ele já pagou fiança e vive em liberdade vigiada, com um rastreador no corpo, tendo que visitar a delegacia diariamente, e estando proibido de deixar o país.

Paz
Alexei



domingo, 12 de dezembro de 2010

Ecologia hoje

COP-16 termina em acordo modesto com único voto contra da Bolívia

11/12/2010 13:50, Por Redação, com agências internacionais - de Cancún, México

Representantes de países insulares protestam contra aquecimento global

Representantes de países insulares protestam contra aquecimento global

A conferência da ONU para o clima, a COP-16, terminou em Cancún, no México, na madrugada deste sábado de uma forma inesperada. Contra a expectativa de que não haveria anúncios relevantes ao final do encontro, foram firmadas duas decisões: a criação do Fundo Verde e a extensão do Protocolo de Kyoto para além de 2012, quando expira o tratado.

Perto do final de duas semanas de conversas envolvendo quase 200 países, muitos ministros do Meio Ambiente elogiaram uma proposta do México para quebrar um impasse entre as nações ricas e as pobres sobre corte nas emissões da gases causadores do efeito estufa pelos países desenvolvidos, previsto no Protocolo de Kyoto. O acordo proposto não inclui um compromisso para estender o protocolo além de 2012, quando ele vai expirar, mas evita o fracasso das negociações sobre mudanças climáticas e proporciona alguns pequenos avanços na proteção ao meio ambiente.

Embora os acordos sejam limitados e já vinham sendo discutidos, eles restauraram um pouco da credibilidade perdida em Copenhague. No “trabalho em duplas”, coube ao Brasil e ao Reino Unido buscar o consenso sobre Kyoto e lidar principalmente com a resistência japonesa quanto ao tratado – na sexta-feira, o Japão, a Rússia e o Canadá haviam dito que não participariam da segunda fase de Kyoto.

Renovar ou não o Protocolo de Kyoto foi o grande debate na conferência. Os países opositores a Kyoto exigiam que fossem incluídas reduções das emissões para economias emergentes como Índia e China – esta é um dos maiores poluentes do planeta. Já os grandes países emergentes dizem que não aceitariam um ônus tão grande quanto das nações ricas. Há, ainda, a questão dos Estados Unidos, que até agora não ratificaram Kyoto e a questão segue sem definição. Apesar do consenso, não houve fixação de datas e prazos. Xie Zhenhua, chefe da delegação chinesa em Cancún, afirmou que Pequim apoiava a proposta:

– Embora ainda haja algumas falhas, expressamos nossa satisfação com o acordo – disse.

A China e os Estados Unidos são os dois maiores emissores de gases causadores do efeito estufa. Outros países que emitem larga escala de poluentes são os da União Europeia, a Índia, o Japão e muitas nações desenvolvidas, sendo que todos apoiaram a proposta que definitivamente encerraria uma disputa entre países ricos e pobres sobre o futuro do Protocolo de Kyoto, no próximo ano.

A Bolívia foi o único a se posicionar contra as decisões da COP-16, argumentando que o plano não é suficiente para combater as mudanças climáticas. Segundo a delegação boliviana, elas são tão fracas, que poderiam colocar o planeta em risco. O país vai recorrer à Corte Internacional de Justiça de Haia para contestar o resultado da COP-16. Às 4h no horário local, o presidente mexicano, Felipe Calderon, declarou em discurso que a COP-16 foi um “sucesso”. Ele acrescentou que a “inércia da desconfiança” foi superada finalmente.

– O que temos agora é um texto. Se não é perfeito, é certamente uma boa base para ir em frente – disse o chefe das negociações da ONU, Todd Stern.

A criação do Fundo Verde, que ajudará as nações em desenvolvimento na luta contra as mudanças climáticas, também foi anunciada. A União Europeia (UE), Japão e Estados Unidos prometeram doações de até US$ 100 bilhões até 2020. A curto prazo, os países se comprometeram também com uma ajuda imediata de US$ 30 bilhões. O pacote de medidas inclui ainda um mecanismo de proteção das florestas tropicais do planeta, cujo maciço desmatamento provoca 20% das emissões de gás do efeito estufa no mundo, e novos meios de dividir tecnologias de energia limpa.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Olhem nos olhos de uma vítima inocente

Por paulo toledo

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(Foto: Khaled el-Masri com sua família na Alemanha, 2005. Dieter Mayr em The New York Times).

Quando o Wikileaks lançou milhares de telegramas classificados da diplomacia dos EUA esta semana, uma crítica familiar foi repetida pelos adversários do projeto: esses vazamentos podem prejudicar pessoas inocentes. Não há nenhuma evidência disto ainda, mas nos documentos há provas que o governo americano tem prejudicado pessoas inocentes.

Um deles é Khaled El-Masri, um cidadão alemão de origem libanesa, e uma vítima da chamada "rendição extraordinária". Ele era um vendedor de carros na Alemanha, pai de seis filhos. A CIA o sequestrou por engano (o seu nome soa e parece idêntico ao de um suspeito de terrorismo real), e enviou para receber meses de tortura no Afeganistão.

Quando a CIA percebeu que ele era inocente, ele foi levado à Albânia e despejado em uma estrada sem sequer um pedido de desculpas.

El-Masri é inútil esforço em se fazer justiça nos EUA, o que é bem conhecido, mas os telegramas publicados esta semana pelo Wikileaks incluem revelações de que os EUA também alertou as autoridades alemãs que não permitissem uma investigação local de seu seqüestro e abuso.

O mais próximo que ele chegou da justiça é um mandado de prisão contra 13 agentes da CIA, emitido pelo Ministério Público, da Espanha, onde entraram com passaportes falsificados.

Neste vídeo, originalmente parte do documentário Witness.org OUTLAWED, El-Masri conta suas experiências. Boing Boing apresentou uma parte deste documentário no nosso canal de vídeo em 2008, os documentos trazidos à luz pelo Wikileaks proporcionam uma oportunidade para revisitar a história com o novo contexto.

Links relacionados: PDF da / processo El-Masri ACLU contra os EUA; artigo do Washington Post.

http://www.boingboing.net/2010/12/01/wikileaks-and-the-el.html

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mensagem do Wikileaks sobre Honduras (traduzida)#

Diplomacia dos EUA e o golpe em Honduras

Reproduzo o telegrama da Embaixada dos EUA em Tegucigalpa datado de 24 de julho de 2009. O documento "confidencial" foi revelado pela ONG Wikileaks e desmascara os defensores do golpe, inclusive na mídia brasileira:

ID:217920

Date:2009-07-24 00:23:00

Origin:09TEGUCIGALPA645

Source:Embassy Tegucigalpa

Classification:CONFIDENTIAL

Dunno:09TEGUCIGALPA578

Destination:VZCZCXYZ0000

OO RUEHWEB

DE RUEHTG #0645/01 2050023

ZNY CCCCC ZZH

O 240023Z JUL 09

FM AMEMBASSY TEGUCIGALPA

TO RUEHC/SECSTATE WASHDC IMMEDIATE 0237

INFO RUEHZA/WHA CENTRAL AMERICAN COLLECTIVE IMMEDIATE

RUEHCV/AMEMBASSY CARACAS IMMEDIATE 0735

RHEHAAA/THE WHITE HOUSE WASHDC IMMEDIATE

RUEAIIA/CIA WASHDC IMMEDIATE

RHEFDIA/DIA WASHINGTON DC IMMEDIATE

RUEIDN/DNI WASHINGTON DC IMMEDIATE

RHEHAAA/NATIONAL SECURITY COUNCIL WASHINGTON DC IMMEDIATE

RUMIAAA/USSOUTHCOM MIAMI FL IMMEDIATE

C O N F I D E N T I A L TEGUCIGALPA 000645

SIPDIS

WHA FOR A/S TOM SHANNON

L FOR HAROLD KOH AND JOAN DONOGHUE

NSC FOR DAN RESTREPO

E.O. 12958: DECL: 07/23/2019

TAGS: PGOV, KDEM, KJUS, TFH01, HO

SUBJECT: TFHO1: OPEN AND SHUT: THE CASE OF THE HONDURAN COUP

REF: TEGUCIGALPA 578

INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL

De: Embaixador Hugo Llorens, razões 1.4 (b e d)

1. (C) RESUMO: Mensagem tentou esclarecer algumas questões legais e constitucionais que cercam a remoção forçada do presidente Manuel “Mel” Zelaya dia 28/6. A perspectiva da embaixada é de que não há dúvidas de que os militares, a Corte Suprema e o Congresso Nacional conspiraram dia 28/6, conspiração que resultou em golpe ilegal e inconstitucional contra o Executivo, ao mesmo tempo en que aceitaram sem qualquer investigação que Zelaya teria cometido ilegalidades inclusive de violação da constituição. Tampouco há qualquer dúvida, de nosso ponto de vista, de que a ascensão ao poder, de Roberto Micheletti foi ilegítima. Contudo, é também evidente que a própria constituição talvez seja deficiente, na medida em que não determina com clareza os procedimentos para lidar com atos ilegais cometidos pelo presidente nem para resolver conflitos entre os vários ramos do governo. FIM DO RESUMO.

2. (U) Desde a remoção e a expulsão do presidente Zelaya dia 28/6 pelas forças armadas, a Embaixada tem consultado advogados especialistas em Direito hondurenho (não se encontra em Honduras nenhuma opinião legal profissional que não seja enviesada, na atual atmosfera politicamente carregada) e temos revisto o texto da Constituição de Honduras e outras leis, para alcançar melhor compreensão dos argumentos apresentandos pelos apoiadores e opositores do golpe.

Argumentos dos Defensores do Golpe

3. (SBU) Os defensores do golpe de 28/6 apresentam argumentos em que se combinam alguns dos seguintes argumentos, sempre ambíguos, para comprovar a legalidade do golpe:

– Zelaya desrespeitou a lei (alegado, mas não provado);

– Zelaya renunciou (completa invenção);

– Zelaya planejava estender o próprio mandato (suposição);

– Se lhe fosse permitido continuar com o projeto de plebiscito do dia 28/6 para reformar a constituição, Zelaya teria dissolvido o Congresso no dia seguinte e convocado uma assembleia constituinte (suposição);

– Foi necessário remover Zelaya do país, para evitar um banho de sangue;

– O Congresso depôs Zelaya “por unanimidade” (umas versões falam de 123-5 votos); (depois da deposição ter sido feita clandestinamente); e

– Zelaya teria cessado “automaticamente” de ser presidente, no momento em que sugeriu modificações na proibição constitucional de reeleição do presidente.

4. (C) Do nosso ponto de vista, nenhum dos argumentos acima tem qualquer validade substantiva nos termos da Constituição de Honduras. Alguns são absolutamente mentirosos. Outros são meras suposições ou racionalização ex-post de ato patentemente ilegal. Essencialmente:

– os militares não tinham qualquer autoridade para tirar Zelaya do país;

– o Congresso não tinha autoridade constitucional para destituir presidente hondurenho;

– O Congresso e o Judiciário depuseram Zelaya em processo que durou 48 horas, por ato de agressão, ad-hoc, extralegal e secreto;

– a carta “de renúncia” é falsa e sequer foi apresentada como documento que justificasse a ação do Congresso dia 28/6; e

– A prisão e sequestro de Zelaya, levado para fora do país, viola múltiplas garantias constitucionais, inclusive a proibição de expatriação, a presunção de inocência e o direito a devido processo legal perfeito.

O tema do Impeachment, na Constituição de Honduras

5. (U) Nos termos da atual constituição escrita de Honduras, o presidente só pode ser destituído por morte, renúncia ou incapacidade. Só a Suprema Corte pode determinar que um presidente seja destituído “por incapacidade”, ou por prática de crime.

6. (U) Na Constituição de Honduras de 1982, não há qualquer previsão explícita para o procedimento de impeachment. Originalmente, o artigo 205-15 determinava que o Congresso tinha competência para determinar se havia “caso” contra o presidente, mas não estipulava qualquer regra ou mediante quais procedimentos. O artigo 319-2 determinava que a Suprema Corte “ouviria” os casos de acusação de prática de crimes comuns ou oficiais cometidos pelos servidores da alta hierarquia, depois de investigação conduzida pelo Congresso.

Isso implicava um vago processo de impeachment do Executivo envolvendo os dois outros poderes do governo, mas sem especificar critérios ou procedimentos.

Mas o artigo 205 foi suprimido em 2003, e a correspondente provisão do artigo 319 (renumerado para 313) foi revista, passando a dizer apenas que a Suprema Corte ouviria “processos abertos” conta altos funcionários. Assim sendo, parece que nos termos da atual Constituição escrita, a remoção de presidente ou de alto funcionário do governo é questão completamente judicial.

7. (U) Pareceres de respeitados especialistas confirmaram que a remoção de presidente é questão judicial. Segundo livro publicado em 2006 por respeitado professor de Direito, Enrique Flores Valeriano – pai, já falecido, do ministro Enrique Flores Lanza do governo Zelaya –, o artigo 112 da Lei da Justiça Constitucional dispõe que, se funcionário do governo for preso por violação da Constituição, o acusado deve ser imediatamente removido do cargo pela mais alta autoridade Constitucional: a Suprema Corte.

8. (U) Vários especialistas em Direito Constitucional também confirmaram para nós que o processo hondurenho para impedir um presidente ou outros altos governantes é procedimento judicial. Afirmaram que, pela lei de Honduras, o processo é iniciado por acusação formalizada pelo Advogado Geral contra o acusado, apresentada à Suprema Corte. A Suprema Corte pode aceitar ou rejeitar as acusações. Se a Corte indiciar o acusado, nomeará um magistrado ou corte de magistrados para investigar o assunto e acompanhar o julgamento.

O processo é aberto e transparente e o acusado tem pleno direito de autodefesa. Se condenado pelo Tribunal de impeachment, os magristrados têm competência para destituir o Presidente ou outro alto funcionário. Removido o presidente, segue-se o processo constitucional de seleção. Nesse caso, se o presidente é formalmente acusado e condenado, e destituído, deve ser substituído no cargo pelo vice-presidente, que será Presidente Designado. Na atual situação, em Honduras, dado que o vice-presidente Elvin Santos renunciou em dezembro passado, para poder candidatar-se à presidência pelo Partido Liberal, o sucessor do presidente Zelaya seria o presidente do Congresso Roberto Micheletti.

Infelizmente, o presidente não chegou jamais a ser processado ou condenado e não foi destituído da presidência por vias legais, que permitiriam a sucessão também em termos legais.

As acusações feitas a Zelaya

9. (C) Os opositores de Zelaya alegam que ele teria cometido várias violações da Constituição, algumas aparentemente válidas, outras não:

– Recusou-se a submeter o Orçamento ao Congresso: A Constituição ordena claramente que o Executivo submeta o Orçamento ao Congresso até 15 de setembro de cada ano

(Art. 367), que o Congresso aprove o Orçamento (Art. 366) e proíbe pagamentos e recebimentos que não sejam previstos no Orçamento aprovado (Art. 364);

– Recusou-se a prever fundos para o Congresso: O Art. 212 determina que o Terouro aporte semestralmente os fundos necessários para o funcionamento do Congresso;

– Propôs referendum constitucional ilegal: A Constituição só pode ser modificada por maioria de 2/3 dos votos, em duas sessões concecutivas (Art. 373 e 375); por nova Assembleia Constituinte, como Zelaya pretendia, seria, assim, inconstitucional. Mas ninguém afirmou com clareza que a simples proposição de Assembleia Constituinte seria, só a proposição, algum tipo de violação da Constituição, só que as mudanças resultantes dessa Assembleia não seriam válidas;

– Resistiu ao cumprimento de decisão de corte competente: Zelaya insistiu em manter a proposta de referendum para reforma constitucional, mesmo depois de uma corte de primeira instância e uma corte de apelação ordenaram-lhe que suspendesse todos os esforços naquela direção. Contudo, apesar de Zelaya ter manifestado clara intenção de realizar o referendum, de fato não o fez;

– Propôs reformas em artigos não-reformáveis: Dado que a Assembleia Constituinte que Zelaya propôs teria poderes ilimitados para reformar a Constituição, a proposta violaria o Artigo 374 (das cláusulas pétreas, não reformáveis). Também aqui, outra vez, Zelaya jamais propôs qualquer mudança nas cláusulas pétreas. De fato, apenas se pressupõe que ele teria planos de alterá-las;

– Demitiu o Chefe das Forças Armadas: Dia 25/6, a Suprema Corte decidiu que Zelaya teria violado a Constituição ao demitir o Chefe da Defesa Vasquez Velasquez. Mas a Constituição (Art. 280) diz claramente que o presidente pode livremente nomear e demitir o Chefe das Forças Armadas. Apesar disso, a Corte decidiu que, dado que Zelaya demitiu-o porque se recusou a organizar um referendo que a Corte declarara ilegal, a demissão também seria ilegal.

10. (C) Apesar de ser possível instaurar processo contra Zelaya por algumas das alegadas violações da Constituição acima listadas, jamais houve qualquer investigação nem qualquer avaliação pública de provas, nem, em nenhum caso, qualquer processo que se possa considerar como “devido processo legal”.

O ‘golpe’ do artigo 239 [orig: art. 239 Cannard]

11. (U) O artigo 239, que os apoiadores do golpe começaram a citar depois do golpe para justificar a remoção de Zelaya (mas que não aparece mencionado nenhuma vez no volumoso dossiê do processo judicial contra Zelaya), declara que qualquer funcionário que proponha reforma da Constituição no item que proíbe a reeleição do presidente deve ser imediatamente destituído de suas funções e torna-se inelegível para qualquer cargo por 10 anos. Os defensores do golpe declararam que Zelaya teria deixado automaticamente de ser presidente quando propôs a ideia de uma Assembleia Constituinte para reformar a Constituição.

12. (C) Várias análises indicam que o argumento do artigo 239 é vicioso sob vários aspectos:

– Embora muitos assumissem que o motivo pelo qual Zelaya tentava convocar uma Assembleia Constituinte seria o desejo de emendar a Constituição para que permitisse a reeleição do presidente, Zelaya jamais o declarou publicamente;

– O artigo 239 não diz quem ou como determina se houve ou não violação da Constituição, mas é razoável supor que não suspenda outras garantias de devido processo legal nem a presunção de inocência;

– O artigo 94 declara que não se aplica pena sem que o acusado seja ouvido e condenado por corte competente;

– Muitos outros funcionários de Honduras, inclusive presidentes, desde o primeiro governo eleito sob a Constituição de 1982, propuseram a legalização da reeleição do presidente, e nem por isso foram declarados automaticamente derrubados da presidência.

13. (C) Acusações posteriores mencionam que o próprio Micheletti também deveria ser forçado a renunciar, pela lógica do mesmo argumento do artigo 239, porque, como Presidente do Congresso, Micheletti encaminhava projeto de lei para que se criasse uma “quarta urna” nas eleições de novembro, na qual os eleitores se manifestariam sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte. E todos os deputados que discutiram a proposta de Micheletti, pelo mesmo argumento, também deveriam ser forçados a renunciar, e o candidato Pepe Lobo, do Partido Nacional, que aprovava a ideia, também se tornaria inelegível por dez anos.

A deposição do presidente pelos militares foi claramente ilegal

14. (C) Independente de determinar se Zelaya violou ou não a constituição, é evidentemente claro. Qualquer leitura, por superficial que seja, comprova que a deposição do presidente por militares foi ilegal. Nem os mais aplicados defensores do golpe conseguiram construir argumentos convincentes que ultrapassassem o fosso intelectual que há, sem sombra de dúvida, entre “Zelaya descumpriu a lei” até “portanto os militares o despacharam para a Costa Rica, sem qualquer tipo de processo ou julgamento legal”.

– Por mais que os apoiadores do golpe aleguem que a Corte Suprema emitiu mandato de prisão contra Zelaya por desobediência a ordens da CS sobre o referendum, o mandato, emitido vários dias depois, autorizava a prendê-lo e apresentá-lo à autoridade competente. Nenhum mandato da Corte Suprema jamais autorizou que o presidente fosse sequestrado e enviado a país estrangeiro.

– Ainda que a CS tivesse ordenado que Zelaya fosse enviado a país estrangeiro, a ordem seria inconstitucional; o artigo 81 determina que todos os cidadãos hondurenhos têm direito de viver em território naciona, exceto em alguns poucos casos, bem claros expostos no art. 187, que podem ser invocados pelo presidente da República, com aprovação do Conselho de Ministros. E o art. 102 proíbe a expatriação de cidadão hondurenho.

– As forças armadas são absolutamente incompetentes para executar ordens judiciais. Originalmente, o art. 272 determinava que as forças amadas eram responsáveis por “manter a paz e a ordem pública e o ‘domínio’ da Constituição”, mas essa terminologia foi alterada em 1998; conforme o texto atual, só a polícia é competente pela execução de ordens judiciais (Art. 293);

– Relatos do sequestro de Zelaya pelos militares indicam que nenhum “mandato” lhe foi exibido, como a lei exige; os soldados invadiram o local onde ele estava, rebentaram cadeados e fechaduras e, de fato, sequestraram o presidente.

15. (U) O Conselheiro Jurídico das Forças Armadas Coronel Herberth Bayardo Inestroza, reconheceu em entrevista publicada na imprensa de Honduras dia 5/7, que as Forças Armadas violaram a lei ao conduzir Zelaya contra sua vontade, para fora do país. Na mesma data, houve notícias de que o Ministéri Público abrira inqueérito para investigar as ações das Forças Armadas na prisão e deportação de Zelaya dia 28/6 e que a Suprema Corte convocara as Forças Armadas para que esclarecessem as circunstâncias sob as quais se dera seu exílio forçado.

16. (C) Como reportado reftel [noutro telegrama], o conselheiro legal da Suprema Corte contou a Poloff que pelo menos alguns magistrados da Corte entendiam que a prisão e deportação de Zelaya pelos militares fora ato ilegal.

O Congresso não tinha autoridade para remover Zelaya

17. (C) Como já se explicou acima, a Constituição, depois da emenda de 2003, aparentemente daria autoridade ao Judiciário para remover presidentes. A ação do Congresso, dia 28/6, foi noticiada em alguns jornais e televisões como gesto de aceitação da renúncia de Zelaya, baseada em carta falsificada, datada de 25/6, que só apareceu depois do golpe. Contudo, a decisão do Congresso, do dia 28/6, não declara que o Congresso aceitaria a renúncia de Zelaya. Diz que o Congresso “desaprova” a conduta de Zelaya e “separa” Zelaya e o gabinete da Presidência – decisão que o autoridade o Congresso não tem. Além disso, fonte na liderança do Congresso contou-nos que não havia quórum na sessão que aprovou aquela resolução – o que invalida a Resolução. Não há votação registrada, nem gravada, nem a chamada oficial para que os deputados votem “sim” ou “não”.

18. (C) Em resumo, para que a substituição de Zelaya por Micheletti acontecesse, teria de acontecer alguma de várias exigências:

Zelaya renuncia, ou morre ou sofre incapacitação médica permanente (a ser determinada por autoridades médicas e judiciaia), ou, como já discutimos, é formalmente julgado, condenado e destituído da presidência. Não se dando nenhum desses casos, e dado que o Congresso não tinha autoridade legal para remover o presidente, as ações de 28/6 têm de ser descritas como golpe de Estado pelos deputados, com apoio das autoridades do Poder Judiciário e dos militares, contra o Executivo.

Vale mencionar que, apesar de a Resolução aprovada pelo Congresso dia 28/6 aplicar-se só a Zelaya, foi utilizada para derrubar todo o poder Executivo. São ações que claramente extrapolam a autoridade legal do Congresso.

Comentário

19. (C) A análise da Constituição lança interessante luz sobre os eventos de 28/6. O establishment hondurenho enfrentava um dilema: praticamente todos, a unanimidade de todas as instituições do Estado e os políticos entendiam que Zelaya extrapolara seus poderes e violara a Constituição. Mas não tinham opinião formada sobre como proceder. Ante a dificulgade, os militares e/ou quem tenha ordenado o golpe, a partir das informações que tinha, – o modo tradicional como se derrubam presidentes em Honduras: falsa carta de renúncia e passagem de ida sem volta para algum país vizinho.

De qualquer modo, sejam quais forem os argumentos que haja contra Zelaya, a remoção do presidente pelos militares foi claramente ilegal e a posse de Micheletti como “presidente interino” foi totalmente ilegítima.

20. (C) Tudo isso considerado, vê-se que a própria incerteza constitucional que pôs a classe política ante aquele dilema ofereceu a via para solucioná-lo. Os mais ardentes defensores do golpe não conseguiram produzir argumentos sólidos nem qualquer tipo de prova dos supostos crimes de Zelaya e que justificassem arrancá-lo da cama à noite e enviá-lo por avião para a Costa Rica.

É estimulante que, hoje, o Gabinete do Procurador Geral e a Corte Suprema estejam questionando a legalidade desse passo final. Daí pode advir alguma ideia que salve a imagem dos dois lados, que ainda estão presos no mesmo impasse. Fim do Comentário. LLORENS

Tradução: Coletivo de Tradutores Vila Vudu

domingo, 28 de novembro de 2010

A bola da vez é.....

Paul Krugman: Comendo os irlandeses

Estamos precisando de um novo Jonathan Swift. A maioria das pessoas conhece Swift como o autor de As viagens de Gulliver. Mas os acontecimentos recentes me fizeram pensar em seu ensaio de 1729, “Uma proposta modesta”, no qual ele observou a pobreza estarrecedora dos irlandeses e ofereceu uma solução: vender as crianças como alimento.

Por Paul Krugman

“Asseguro que essa comida será um pouco cara”, ele admitiu, mas isso a tornaria muito apropriada para proprietários de terras , que, como já haviam devorado a maioria dos pais, pareciam ser os mais indicados para os filhos. Tudo bem que desta vez não são os proprietários de terras, mas os banqueiros – e eles estão apenas empobrecendo o população, não a comendo. Mas somente um satírico para fazer jus ao que está se passando hoje na Irlanda.

A história irlandesa começou com um verdadeiro milagre econômico.

Esse, porém, acabou dando lugar a uma orgia especulativa provocada por bancos e incorporadoras imobiliárias fora de controle, numa relação promíscua com políticos de peso. A orgia foi financiada com empréstimos enormes captados por bancos irlandeses, em geral de bancos de outros países europeus.

Aí a bolha estourou, e esses bancos enfrentaram prejuízos imensos.

Seria de esperar que os que emprestaram dinheiro aos bancos dividiriam os prejuízos. Afinal, eles eram adultos responsáveis por seus atos, e se não conseguiram compreender os riscos que estavam assumindo isso não foi por culpa de ninguém além deles. Mas, não, o governo entrou em cena para garantir a dívida dos bancos, transformando prejuízos privados em obrigações públicas.

Antes do estouro da bolha, a Irlanda tinha uma pequena dívida pública.

Mas, com os contribuintes subitamente ameaçados por prejuízos imensos dos bancos, enquanto a arrecadação despencava, a credibilidade do país foi colocada em xeque. Assim, a Irlanda tentou tranquilizar os mercados com um programa austero de corte de gastos.

Parem por um minuto e pensem nisso. Essas dívidas foram contraídas, não para pagar programas públicos, mas por espertalhões privados que buscavam apenas seu lucro pessoal. Agora, cidadãos comuns irlandeses pagam a conta.

Ou, para ser mais preciso, eles estão arcando com um ônus muito maior que a dívida – porque aqueles cortes de gastos causaram uma severa recessão, de modo que além de assumir as dívidas dos bancos, os irlandeses sofrem com a queda das rendas e o alto desemprego.

Agora o quê? Na semana passada, a Irlanda e seus vizinhos montaram o que foi amplamente descrito como um “salvamento”. O que realmente se passou, porém, foi que o governo irlandês prometeu impor sofrimentos ainda maiores à população em troca de uma linha de crédito que, presumivelmente, daria mais tempo para a Irlanda, bem, recuperar a confiança. Os mercados, compreensivelmente, não se impressionaram quando as taxas de juros dos bônus irlandeses subiram ainda mais.

As coisas precisariam mesmo ser dessa maneira? No início de 2009, circulava uma piada: “Qual a diferença entre a Islândia (em inglês, Iceland) e a Irlanda (em inglês, Ireland)? Resposta: “Uma letra e cerca de seis meses.” Isso era para ser uma piada de humor negro. Por pior que fosse a situação da Irlanda, ela não poderia se comparar ao completo desastre que era a Islândia.

Neste ponto, porém, a Islândia parece estar se saindo melhor que sua quase homônima. Sua recessão econômica não foi mais profunda que a da Irlanda, suas perdas de empregos foram menos graves e ela parece melhor posicionada para a recuperação. Os investidores, aliás, agora parecem estar considerando a dívida islandesa mais segura que a irlandesa. Como isso é possível? Parte da resposta é que a Islândia deixou que os emprestadores estrangeiros a seus bancos descontrolados pagassem o prelo de seu mau julgamento, em vez de colocar seus próprios contribuintes na linha para garantir as dívidas privadas ruins. Enquanto isso, a Islândia ajudou a evitar um pânico financeiro em parte impondo controles temporários ao capital – isto é, limitando a capacidade de os locais tirarem fundos do país.

A Islândia também se beneficiou do fato de que, diferentemente da Irlanda, ela ainda tem sua própria moeda: a desvalorização da coroa, que deixou as exportações islandesas mais competitivas, foi um importante fator para limitar a recessão na Islândia, Para os sabichões, nenhuma dessas opções heterodoxas está à disposição da Irlanda. A Irlanda, dizem eles, precisa continuar infligindo sofrimento a seus cidadãos – porque fazer qualquer outra coisa fatalmente solaparia a confiança.

Mas, a Irlanda já está em seu terceiro ano de austeridade, e a confiança continua se exaurindo. É o caso se perguntar o que será preciso para as pessoas sérias perceberem que punir a população pelos pecados dos banqueiros é pior que um crime; é um erro.

*Economista norte-americano, Prêmio Nobel em 2008. Tradução de Celso M. Paciornik

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Todo apoio aos estudantes europeus!!!!

Estudantes europeus saem às ruas contra cortes

Em Roma e em Londres, milhares de estudantes saíram às ruas semanas para protestar contra as políticas de cortes dos governos conservadores de seus países. Em Roma, Pisa, Palermo, Turim e Perugia, os estudantes que lutam contra o decreto lei da ministra da Educação, Maristella Gelmini, demonstraram ter aprendido a lição dos trabalhadores e imigrantes: subiram nos telhados, ocuparam edifícios e foram notícia. O governo quer cortar os fundos para a Universidade pública para aumentar os destinados à Universidade privada. Na Inglaterra, estudantes de 13 e 14 anos foram para às ruas contra as políticas do governo.

Na foto acima estamos em Roma. “Perigosos ativistas” armados com escudos de cortiça carregando títulos da literatura clássica universal caminham rumo ao Senado para “assediá-lo”, segundo os principais meios de comunicação do país. A manifestação de 3 mil estudantes das universidades romanas e sua marcha ao Senado, contra o qual lançaram ovos, foi qualificado pelo presidente da Casa como uma “vil agressão” ou como um “ato de violência”. Como se vê, três minutos de “assédio” causam muito medo nas altas esferas.

Os estudantes compreenderam que para que alguém os escute, é preciso dar espetáculo, ou dar espetáculo. Se não fizerem isso, a trágica situação vivida pela Universidade italiana não é notícia. Gennaro Carotenuto, que ensina na Universidade pública, explica que o trabalho de formação das universidades italianas se sustentou em todos estes anos em grande parte (mais de um terço) graças à dedicação de uma massa de pesquisadores contratados (24 mil) ou não (ao menos 40 mil pessoas entre 30 e 40 anos). Sobre seus ombros se apoiou a atividade didática. Gratuitamente ou com pagamentos simbólicos. Cerca de 10 mil professores se negaram este ano a seguir desempenhando suas tarefas didáticas para acabar com a hipocrisia mantida por um sistema que pretende acabar com as esperanças não apenas de uma, mas de várias gerações.

Em Roma, Pisa, Palermo, Turim e Perugia, os estudantes que lutam contra o decreto lei da ministra da Educação, Maristella Gelmini, demonstraram ter aprendido a lição dos trabalhadores e imigrantes: subiram nos telhados, ocuparam edifícios e foram notícia. O governo quer cortar os fundos para a Universidade pública para aumentar os destinados à Universidade privada. Esta semana, o Parlamento não aprovou o decreto lei: uma prova mais da fratura da esmagadora maioria parlamentar de que gozava Berlusconi. Um dos slogans dos estudantes retratava bem essa realidade: “Não seremos precários: o governo o é mais”. A propaganda do Palácio diz a uma geração com futuro obscuro que temos vivido acima de nossas possibilidades, retirando direitos que as gerações anteriores desfrutaram.

No dia 17 de novembro, o mundo dos institutos e das escolas protestou. Cerca de 200 mil pessoas saíram às ruas. Irromperam no território do poder intocável: o Senado, Palácio Grazioli (residência de Berlusconi) e Praça Montecitorio (do Parlamento).

Enquanto isso, em Londres, alguns outros milhares de estudantes voltaram às ruas para protestar contra os cortes de investimentos e aumento das taxas universitárias para até 9 mil libras esterlinas (mais de 10 mil euros). A polícia os esperava. Não devia permitir outro assalto espetacular a outro centro do poder, como ocorreu quando outro protesto tocou fisicamente a sede do Partido Conservador. Acabou encurralando uma manifestação pacífica. Grupos especiais de inteligência das forças de segurança detiveram alguns “extremistas domésticos”. O governo criminalizou o protesto e aconselhou os meios de comunicação a não alimentá-lo com o “oxigênio da publicidade”. No entanto, os ativistas reagiram.

O site Fitwatch deu conselhos sobre como agir durante o protesto: leve uma máscara, não tire fotos que possam ser usadas contra você, não leve documentos nem agendas que possam identificá-lo. Em Sheffield, Bristol, Liverpool ou Manchester, estudantes de 13, 14 anos saíram às ruas para apropriar-se do presente e arrancar o futuro das mãos do Estado. Um Estado depredador que na Letônia, na Irlanda, França, Islândia, Romênia, Portugal ou Espanha diz a seus cidadãos que o Estado social acabou. Os cidadãos pouco poderão fazer contra uma decisão que cai em cima de suas cabeças e hipoteca seu futuro se demonstrarem sua inconformidade de modo fragmentado. Mas os estudantes europeus estão demonstrando ter compreendido muito claramente que o futuro está aqui no presente e se decide agora: por isso nestes protestos em Roma e em Londres liberam a política sequestrada, a tiram para fora dos palácios e seguem lutando.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Dólar é papel pintado.

O mundo diz NÃO aos dólares “fake” dos EUA

15/11/2010

por Eric Margolis, Huffington Post
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Em bofetada que se ouviu em todo o planeta, a agência estatal chinesa de avaliação de créditos acaba de reduzir a avaliação do crédito dos EUA e questionou os EUA como economia líder do mundo.

Em movimento sem precedentes, a China denunciou “a deterioração da capacidade de pagamento” de Washington e previu que a emissão de bilhões em papel-moeda (operação chamada de “flexibilização quantitativa” [ing. quantitative easing] no jargão financeiro) resultará “fundamentalmente em redução da solvência nacional”.

Ah, como os tempos mudaram! Quando eu era menino, meu pai, financista em New York, chamava os títulos duvidosos de “papel chinês”. Seis décadas depois, é a vez da China zombar dos instrumentos financeiros norte-americanos. A China detém hoje a maior fatia da dívida externa dos EUA.

As monarquias sempre sofreram muito para pagar por suas guerras e conquistas. Os impérios espanhol, francês, holandês e britânico ruíram sob o peso financeiro das guerra e das colônias gigantes. Os EUA hoje padecem da mesma doença imperial.

Desde o Egito antigo, o recurso ao qual tradicionalmente recorrem os impérios com problemas de caixa tem sido reduzir a proporção de ouro na cunhagem das moedas, prática conhecida como “clipping”.

Fast forward até Washington, 2010. Hoje, se fala em “flexibilização quantitativa” [ing. "quantitative easing" (QE2)], mas é ainda o mesmo truque tão prestigiado pelos governantes de antigamente.

Washington inundará os mercados financeiros com $600 bilhões de dólares fake, na esperança de que essa maré montante de dinheiro de “Monopólio”, o jogo, consiga arrancar os EUA da recessão. É a segunda rodada de “flexibilização quantitativa”, chamada hoje de “QE2“. E nada tem a ver com transatlântico “Queen Elizabeth 2a“.

Os EUA exportam inflação para o mundo inteiro, para reduzir sua gigantesca dívida, pagando os credores com dólares desvalorizados.

Todo o mundo está furioso com Washington, como se viu claramente na reunião do G-20, semana passada na Coreia do Sul e em Yokohama, Japão.

A União Europeia, o Japão, China, Brasil e Rússia uniram-se na oposição à segunda “flexibilização quantitativa” de Washington, vendo nela uma ameaça à estabilidade financeira e ao comércio global. Também muito significativamente, reagiram contra a tentativa, pelos EUA, de culpar a moeda chinesa desvalorizada, pela instabilidade atual. Não se chegou a nenhum acordo na candente questão do câmbio.

Washington acusou a China de manipular sua moeda para mantê-la subvalorizada. Alemanha e Brasil, para grande embaraço dos EUA, acusaram os EUA de também manipular a própria moeda – o que é plenamente verdade.

O dólar depreciado faz crescer as exportações norte-americanas e prejudica as nações que exportam para os EUA. Os economistas chamam isso de “matar de fome o vizinho” – prática comercial destrutiva e predatória que teve papel importante na depressão mundial dos anos 1930.

A onda de dinheiro fake de Washington está provocando erosão no valor do dólar, principal moeda de troca mundial. Nos dois últimos meses, o dólar norte-americano caiu mais de 6% em relação às principais moedas. Investidores assustados estão correndo para o ouro, que já valorizou 17% em 60 dias.

O governo Obama, que acaba de levar “uma surra braba” [ing. "shellacked", palavra que Obama usou em sua primeira fala depois das eleições (NT)] dos eleitores nas eleições de meio de mandato, e precisa desesperadamente reduzir o desemprego, aposta que mais terapia de choque trará a economia de volta à vida. Mas a dívida interna, gigantesca, já levou ao colapso financeiro de 2008, nos EUA.

A dívida interna dos EUA atinge a cifra estratosférica de 14 trilhões de dólares. Ninguém trata vítima de envenenamento com mais veneno. É quimera imaginar que conquistaremos a prosperidade gastando dinheiro emprestado.

Mas políticos em pânico estão dispostos a tentar qualquer remédio econômico à base de mais veneno de cobra, para salvar a própria pele. Antes de 2007, os EUA viveram à larga, crendo em créditos inexistentes. Esse tempo acabou, mas ninguém se atreveu, até agora, a contar aos eleitores.

Além de desestabilizar o câmbio e o comércio, o maremoto de moeda norte-americana jorra sobre os mercados emergentes, onde os investidores norte-americanos vão em busca de melhores taxas de juro que os miseráveis 0,03% que encontram em casa.

Nos anos 1980, frágeis economias asiáticas foram devastadas, quando ondas de investimento norte-americano avançaram sobre elas e rapidamente saíram de lá. Esse processo volta a acontecer agora, devastando a moeda de outros países, cujas exportações perdem competitividade. Barreiras já se erguem contra esse tipo de investimento predatório em todo o mundo, da China ao Brasil.

O presidente Barack Obama recebeu herança muito maldita do governo Bush. Apesar disso, a resposta que dá hoje nada fica a dever aos desmando bushianos: o projeto econômico de Obama ameaça hoje toda a ordem econômica mundial. A moeda é símbolo nacional mais potente que a bandeira.

De fato, é bem possível que os fóruns econômicos da semana passa na Coreia do Sul e no Japão tenham sido o começo do fim da era do dólar norte-americano, que comandou as finanças e o comércio planetário desde 1945. A fonte primária do poder dos EUA é a economia e a força financeira. O dinheiro tem mais poder que aviões bombardeiros e divisões aerotransportadas.

O dólar continua rei, mas a era de sua supremacia internacional parece estar terminando. À medida que o dólar enfraquece, enfraquece o poder dos EUA no mundo. A culpa por tudo isso é, integralmente, dos políticos norte-americanos e dos oligarcas de Wall Street.

Semana passada, Washington foi varrida por rara onda de bom-senso. Painel presidencial bipartidário sobre redução da dívida pública propôs corte de $4 trilhões nos gastos federais.

No alvo dos cortes propostos, todas as vacas sagradas políticas. O corte proposto na carne da mais sagrada delas – o orçamento militar – é da ordem de $700 bilhões. Um terço das bases militares dos EUA pelo mundo terão de ser fechadas. E terá de haver cortes na seguridade social e nos subsídios para hipotecas; aumento na idade mínima para aposentadorias; e congelamento total de vários dos projetos locais dos quais muitos políticos fazem meio de vida. Além de previsível aumento de impostos.

O ranger de dentes já começou. Infelizmente, cortes de gastos drásticos e impopulares são altamente improváveis, sobretudo num Congresso no qual Republicanos e Democratas estarão em eterno empate. Os EUA precisariam de um ditador econômico, para conseguir implementar todo o Plano de salvação proposto pelo Painel.

A China já tem o seu ditador econômico – por ironia, é o Partido Comunista. Os EUA, mortalmente viciados em guerras e dívidas, só têm paralisia política e fiscal.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O debate necessário

Regulação garante pluralidade e estimula competição

Em seminário realizado pelo governo federal, especialistas internacionais afirmam: num cenário de convergência de mídias, a regulação dos agentes que detêm o controle da infraestrutura é fundamental para a garantia da pluralidade e para o estímulo à competição e à inovação. A desconcentração dos mercados também foi apontada como um mecanismo estratégico para o estímulo à competição e à inovação tecnológica. Na União Européia, após a diretiva aprovada para o bloco que regulou o cenário de convergência, o preço dos serviços de telecomunicações caiu 14% e o número de canais se multiplicou exponencialmente.

Um processo que está em curso e que ninguém vai deter. Assim o ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, definiu a convergência tecnológica de mídias no país, durante um seminário internacional realizado esta semana em Brasília. “O futuro é a convergência. Em pouco tempo, para o cidadão será indiferente se o sinal vem da radiodifusão ou das empresas de telecomunicações. E regular o setor neste cenário é um desafio necessário. Sem isso não há segurança jurídica, nem como a sociedade produzir um ambiente onde o interesse público prevaleça sobre os demais”, afirmou.

Em busca de respostas e alternativas para enfrentar tamanho desafio, o governo brasileiro convidou uma série de especialistas e representantes de órgãos reguladores de outros países para apresentar ao público brasileiro como cada uma dessas nações tem lidado com essas questões. A idéia, como afirmou Martins, não é copiar modelos, mas, considerando a realidade brasileira, beber da experiência internacional.

“Com tantos novos atores provendo conteúdo para o mercado, a regulação da infra-estrutura é algo importante para a convergência”, afirmou Dimitri Ypsilanti, Chefe da Divisão de Informação, Comunicação e Política do Consumidor da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que conta com 33 países membros. “Nossas pesquisas mostram que as pessoas estão migrando da televisão para a busca de conteúdo na internet. Da perspectiva de uma organização econômica, as novas tecnologias de informação e comunicação tem um impacto significativo na geração de empregos e oportunidades”, acrescentou.

Na França, por exemplo, o rápido desenvolvimento da economia digital foi facilitado pela vontade dos organismos de regulação e pela existência de um marco regulatório atualizado. "A harmonização da política da União Européia para o setor é muito avançada, o que facilita o desenvolvimento interno de cada país", explicou Emmanuel Gabla, diretor adjunto do Conselho Superior de Audiovisual francês.

O marco legal europeu separa a regulação por camadas: conteúdo, serviços de comunicação eletrônica (telefonia, dados e vídeo) e infraestrutura (redes fixas, móveis, cabo, etc). "A partir disso, aprovamos uma lei francesa específica sobre economia digital, para garantir a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento econômico na internet. A legislação hoje determina o que é regulado ou não neste universo; e nos permitiu fazer a ponte entre os diferentes setores", acrescentou Gabla.

O mesmo aconteceu na Espanha, que no ano passado aprovou medidas urgentes em matéria de telecomunicações para garantir a universalização da TV digital. Atualmente, as operadoras não operam um único serviço, mas recebem uma banda do Estado e podem, através dela, oferecer canais digitais de TV, transmissão de dados e comércio eletrônico. No entanto, quem produz conteúdo não pode deter o controle também da estrutura de transmissão. No caso espanhol, o programador de um canal de TV contrata o serviço de um operador de rede para distribuir seu conteúdo. A mesma idéia de separação funcional e estrutural é adotada por diversos países da OCDE.

Limites à propriedade
O mesmo princípio que determina a separação entre empresas produtoras de conteúdo e empresas operadoras de rede, que fazem a gestão da infraestrutura, é o que está por trás de regulações de impõem limites à propriedade dos meios de comunicação em diversos países. Trata-se da garantia da pluralidade e da promoção à competição e à inovação.

"Regular o setor como um todo é importante para evitar a concentração da propriedade e evitar a dominância de mercado", disse Wijayananda Jayaweera, Diretor da Divisão de Desenvolvimento da Comunicação da Unesco. "As democracias colocam regras contra a concentração da propriedade porque o Estado não pode simplesmente deixar o mercado agir. No Brasil, por exemplo, seria importante regular o controle dos meios, introduzindo limites para a propriedade cruzada", avaliou Toby Mendel, consultor da Unesco.

O mecanismo já é empregado há muito tempo em países como Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e França, onde um mesmo grupo econômico, por exemplo, se detém 3 concessões de TV aberta, não pode ter concessões de rádio que alcancem mais de um milhão de ouvintes, tampouco publicar um jornal.

"Nenhum grupo pode ter a maioria do mercado de TV, de rádio e da imprensa escrita, porque isso certamente geraria um problema de pluralismo", explicou Gabla. "Num cenário de convergência, a atuação de um órgão regulador é necessária justamente por isso. Em 2009, a TF1 [principal canal de TV aberta] comprou dois canais de TV digital, reduzindo a diversidade. Por isso temos a prerrogativa de regular economicamente o mercado, para fazer com que o pluralismo esteja sempre presente", alertou.

Foi este o principal objetivo da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, aprovada recentemente na Argentina, e que recebeu tantas críticas dos grandes meios de comunicação do país. Antes da nova lei, vigorava no país uma legislação do período da ditadura militar que propiciou um cenário de alta concentração da propriedade da mídia.

"Chegamos a um nível em que o problema não era apenas econômico; criou-se um oligopólio totalmente incompatível com uma sociedade democrática", relatou Gustavo Bulla, diretor nacional de supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA), órgão regulador argentino. "Apesar do custo político, a presidenta Cristina Kirchner decidiu revogar a lei da ditadura porque concluiu que seria impossível modificar a ordem social injusta que existe no país com o sistema de comunicações concentrado como ele é hoje", disse.

A aposta de redigir um pré-projeto de lei foi feita em 2008. O documento elaborado pelo governo teve como esqueleto um manifesto com 21 pontos elaborado pela Coalização por uma Comunicação Democrática", que reúne mais de 300 organizações sociais e acadêmicas de toda a Argentina. O pré-projeto foi colocado em discussão em 24 fóruns populares e contou com a contribuição direta de mais de 10 mil pessoas. Recebeu 1300 sugestões, foi aprimorado e então enviado ao congresso em agosto de 2009. Depois de muito embate, inclusive na Justiça, a lei está em vigor.

Entre as regras previstas para propriedade estão o limite de 10 outorgas de rádio ou TV aberta (antes eram 24). Na TV a cabo, nenhuma empresa pode deter o controle de mais de 35% dos assinantes. O cabo, na Argentina, tem uma penetração de 65% dos lares. Criou-se também uma reserva de um terço do espectro da TV aberta para as emissoras privadas sem fins lucrativos (comunitárias, universitárias, etc)

O órgão responsável por regular o mercado hoje é a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, uma autarquia independente do Poder Executivo. Seu corpo diretor conta com 7 pessoas: 3 indicadas pelo Parlamento, 2 pelo Executivo e 2 por um conselho de 38 membros representantes da sociedade civil.

"Tacharam o governo de autoritário, mas historicamente na Argentina todas as decisões sobre os meios de comunicação sempre foram tomadas apenas pelo Poder Executivo. Agora é que existem colorações partidárias e representações sociais diferentes", lembra Gustavo Bulla. "Os movimentos sociais tomaram a questão da comunicação como uma de suas bandeiras centrais porque perceberam que, pela primeira vez, se está discutindo poder na Argentina".

Estímulo à competição e à inovação
A desconcentração dos mercados também é tida por países democráticos como um mecanismo estratégico para o estímulo à competição e à inovação tecnológica. Na União Européia, após a diretiva aprovada para o bloco que regulou o cenário de convergência, o preço dos serviços de telecomunicações caiu 14% e o número de canais se multiplicou exponencialmente.

"A agenda digital para a Europa tem como meta criar um círculo virtuoso para a economia digital, aumentando a demanda por serviços, multiplicando a produção de conteúdo, garantindo segurança, inovação, inclusão digital e acesso rápido", afirmou Harald E. Trettenbrein, Chefe Adjunto da Unidade de Políticas de Audiovisual e de Mídias para a Sociedade de Informação e Mídia da Comissão Europeia.

O tema também está entre as prioridades do Ofcom, o órgão regulador inglês, para o biênio 2010/11: regular para promover a efetiva competição na banda larga e na TV por assinatura, estimular o consumidor a usar cada vez mais a internet e levar a rede sem fio para as regiões das Olimpíadas de 2012.

Nos Estados Unidos, berço do capitalismo, a FCC (Comissão Federal de Comunicações) tem adotado medidas anti-dumping para promover a competição e aumentar a possibilidade de escolha dos usuários. "No processo de digitalização da TV, temos feito ações de incentivo para que o espectro seja devolvido pelas empresas, para abrir espaço para novos canais. Pelo menos 500 MHz serão realocados pelo governo Obama para a banda larga e uso por pequenos negócios que não dependem de outorgas", relatou Susan Ness, ex-executiva da FCC.

"O espectro é um bem público, escasso. A passagem do sistema analógico para o digital tem como conseqüência uma liberação grande de espectro. Deveria ser natural que quem tinha as outorgas analógicas entendesse que, com a liberação do espectro, novas frequências seriam outorgadas. Mas muitas vezes as empresas tem a impressão de que a licença pública é sua propriedade", analisou José Amado da Silva, presidente do Conselho de Administração da Anacom, a agência reguladora da infraestrutura em Portugal.

Na França, a digitalização da TV, cujo processo estará totalmente concluído até o final de 2011, trouxe consequencias positivas para o aquecimento do mercado e a promoção da pluralidade. "Tínhamos seis canais abertos e agora temos 19 digitais e uma centena de canais regionais. Aumentou muito o apoio à pluralidade e à identidade cultural dos franceses, com novas oportunidades para a produção cinematográfica e audiovisual. Ficou claro que os aspectos técnicos e a regulação da estrutura devem estar a serviço dessa dimensão cultural", concluiu Emmanuel Gabla.



Fotos: O diretor internacional da Ofcom, Vicent Edward Affleck, participa do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias. (Antônio Cruz/ABr)





Noam Chomsky: EUA, indignação mal orientada

por Noam Chomsky, Esquerda.net

As eleições intercalares nos EUA registaram um nível de raiva, medo e desilusão no país como não me lembro em toda a minha vida. Desde que estão no poder, os democratas carregam o peso da revolta contra a nossa actual situação socioeconómica e política.

Numa sondagem da Rasmussen, no mês passado, mais de metade dos americanos da corrente dominante disseram que encaram positivamente o movimento Tea Party, um reflexo do espírito de desencanto.

Os ressentimentos são legítimos. Há mais de 30 anos que os rendimentos reais da maioria da população estagnaram ou baixaram, enquanto que as horas de trabalho e a insegurança aumentaram, juntamente com a dívida. Foi acumulada riqueza, mas em muito poucos bolsos, conduzindo a uma desigualdade sem precedentes.

Estas consequências surgiram principalmente da financeirização da economia a partir dos anos 1970 e do correspondente esvaziamento da produção nacional. A impulsionar o processo está a obsessão pela desregulamentação apadrinhada por Wall Street e apoiada por economistas fascinados pelos mitos do mercado eficiente.

As pessoas assistem ao regozijo dos banqueiros, que foram em grande parte responsáveis pela crise financeira e que foram salvos da bancarrota pela comunidade, com os lucros recorde e os enormes bónus. Entretanto, o desemprego oficial permanece em cerca de 10 por cento. A indústria transformadora está nos níveis da Depressão: um em cada seis estão desempregados, os bons empregos têm poucas hipóteses de voltarem.

Os cidadãos querem justamente respostas e não as estão a obter, excepto de vozes que contam histórias com alguma coerência interna para quem suspenda o cepticismo e entre no mundo deles, de irracionalidade e mentira.

Contudo, ridicularizar o Tea Party é um erro grave. É muito mais útil perceber o que está por trás da atracção popular pelo movimento e perguntarmo-nos por que é que são precisamente as pessoas enraivecidas que estão a ser mobilizadas pela extrema-direita e não pelo tipo de activismo construtivo que cresceu durante a Depressão, como o CIO (Congresso das Organizações Industriais).

Agora, os simpatizantes do Tea Party estão a ouvir dizer que todas as instituições, o governo, as empresas e os sectores profissionais, estão podres e que nada funciona.

No meio do desemprego e das execuções de hipotecas, os democratas não se podem queixar das políticas que conduziram ao desastre. O presidente Ronald Reagan e os seus sucessores republicanos podem ter sido os maiores responsáveis, mas essas políticas começaram com o presidente Jimmy Carter e prosperaram sob a presidência de Bill Clinton. Durante a eleição presidencial, a base de apoio eleitoral de Barack Obama eram as instituições financeiras, que adquiriram notável supremacia sobre a economia na geração anterior.

O incorrigível radical do século XVIII Adam Smith, falando da Inglaterra, observou que os principais arquitectos do poder eram os donos da sociedade; na sua época, os comerciantes e os fabricantes, que se certificaram de que a política do governo atenderia escrupulosamente aos seus interesses, por mais “doloroso” que fosse o impacto sobre o povo de Inglaterra, e pior, sobre as vítimas da “injustiça selvagem dos europeus” no exterior.

Uma versão moderna e mais sofisticada da máxima de Smith é a “teoria do investimento na política” do economista político Thomas Ferguson, que encara as eleições como ocasiões em que grupos de investidores se juntam para controlar o estado, seleccionando os arquitectos das políticas que irão servir os seus interesses.

A teoria de Ferguson acaba por ser um indicador muito eficaz da política durante longos períodos. Dificilmente isto surpreende. As concentrações de poder económico procurarão naturalmente alargar a sua influência a todo o processo político. Acontece que a dinâmica é extrema nos EUA.

Pode ainda dizer-se que os grandes especuladores das empresas têm uma defesa válida contra as acusações de “ganância” e desrespeito pelo bem-estar da sociedade. A sua missão é maximizar o lucro e a quota de mercado; na verdade, é a sua obrigação legítima. Se não cumprirem essa função, serão substituídos por alguém que o faça. Eles ignoram também o risco sistémico: a probabilidade das suas operações prejudicarem a economia em geral. Essas “externalidades” não os preocupam, não por serem más pessoas, mas por razões institucionais.

Quando a bolha estoura, os que arriscaram podem fugir para o abrigo do Estado protector. Os resgates financeiros, uma espécie de apólice de seguro governamental, estão entre os muitos incentivos perversos que aumentam as ineficiências do mercado.

“Há um reconhecimento crescente de que o nosso sistema financeiro está a aproximar-se do dia do Juízo Final”, escreveram os economistas Peter Boone e Simon Johnson, no Financial Times, em Janeiro. “Sempre que ele falha, contamos com o dinheiro e as políticas fiscais negligentes para o resgatar. Esta resposta aconselha o sector financeiro: aposta em grande para seres pago regiamente, não te preocupes com os custos, que serão pagos pelos contribuintes” através de resgates e outros mecanismos, e o sistema financeiro “é, assim, ressuscitado para voltar a jogar e voltar a falhar”.

A metáfora do Juízo Final também se aplica fora do mundo financeiro. O Instituto Americano do Petróleo, apoiado pela Câmara de Comércio e outros lobbies empresariais, tem intensificado os seus esforços para persuadir o público a descartar as preocupações sobre o aquecimento global antropogénico, com considerável sucesso, como as sondagens indicam. Entre os candidatos republicanos ao Congresso nas eleições de 2010, praticamente todos rejeitam o aquecimento global.

Os executivos por trás da propaganda sabem que o aquecimento global é real e que as nossas perspectivas são sombrias. Mas o destino da espécie é uma externalidade que os executivos têm de ignorar, na medida em que prevalecem os sistemas de mercado. E o público não conseguirá caminhar para a salvação, quando se desenrola o pior cenário.

Tenho idade suficiente para me lembrar daqueles dias deprimentes e ameaçadores do declínio da Alemanha, da decência para a barbárie nazi, para usar as palavras de Fritz Stern, o ilustre estudioso da história alemã. Num artigo de 2005, Stern refere que tinha o futuro dos Estados Unidos em mente quando reviu “um processo histórico em que o ressentimento contra um mundo secular desencantado encontra alívio no escape extático da irracionalidade.”

O mundo é demasiado complexo para que a história se repita, mas há, todavia, lições a reter à medida que notamos as consequências de mais um ciclo eleitoral. Não faltam tarefas aos que tentam apresentar uma alternativa à raiva e indignação mal orientadas, ajudando a organizar os inúmeros descontentamentos e a mostrar o caminho para um futuro melhor.

Tradução de Paula Coelho para o Esquerda.net

sábado, 13 de novembro de 2010

Entrevista sobre o papel dos movimentos sociais no governo de hoje

A elite chama de populismo a democratização das decisões



A liderança pública do presidente Lula é sempre denunciada pelos liberais como de tipo populista, ou de tipo carismático personalista. Essa caracterização contrasta com o ethos participativo estimulado pelo governo. Quais são, depois de oito anos, as principais conquistas democráticas nessa área?


Luiz Dulci -- Lula não tem nada de populista. Ele sempre defendeu uma sociedade civil forte e independente, o contrário do que faz o populismo. Sempre apoiou os movimentos populares autônomos e críticos. Ajudou a construir muitos deles, nos últimos 35 anos. Aliás, seu carisma, que é essencialmente vinculado a um projeto coletivo de emancipação social, e não personalista, afirmou-se justamente nesse trabalho árduo, cotidiano de conscientização e organização das classes populares. E o governo Lula empenhou-se, desde o início, em construir uma nova relação do Estado com a sociedade. Uma relação de diálogo permanente e de respeito pela autonomia dos movimentos. E, principalmente, de democratização das decisões. O próprio Lula tem dito que a democracia participativa é uma das maiores conquistas, uma das marcas do seu governo, a ser preservada e ampliada. De fato, houve uma mudança completa no modo de elaborar as políticas públicas. Mudou também, estruturalmente, a forma de implementá-las e avaliá-las. Antes, as políticas eram decididas exclusivamente pelos técnicos e dirigentes dos ministérios. Só os gestores públicos participavam. A partir de 2003, a população invadiu o processo (e foi convidada a invadilo). As políticas passaram a ser formuladas junto com os movimentos sociais nas conferências, conselhos e mesas de diálogo. O maior exemplo disso são as conferências de políticas públicas. Já foram realizadas 73 conferências nacionais, sobre os mais diversos temas. Desenvolvimento, geração de emprego e renda, inclusão social, saúde, educação, meio ambiente, direitos das mulheres, igualdade racial, reforma agrária, juventude, direitos humanos, ciência e tecnologia, comunicação, diversidade sexual, democratização da cultura, reforma urbana, segurança pública, entre muitos outros. Até os brasileiros que vivem no exterior já puderam participar de duas conferências, com delegados de dezenas de países. Elas têm, como se sabe, um formato congressual. Começam nos municípios, depois há os encontros estaduais, que finalmente convergem para o evento-síntese em Brasília. Mais de 5 milhões de pessoas participaram dessas conferências, nas suas várias etapas. Também os conselhos de políticas públicas, que hoje existem em todas as áreas, com efetiva presença da sociedade civil, cumprem papel fundamental. Diversos deles foram inteiramente reformulados e democratizados; outros, que haviam sido extintos no período neoliberal, foram recriados. É o caso do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). E outros foram implantados por Lula, como os conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social, da Juventude, das Cidades, de Participação Social no Mercosul etc. Sem falar nas mesas permanentes de diálogo: a mesa com as centrais sindicais sobre a valorização do salário mínimo; a mesa tripartite canavieiros usineiros governo; e as mesas da agricultura familiar, das mulheres camponesas, do funcionalismo, dos atingidos por barragens, da moradia popular... Todos os grandes projetos do governo Lula, inclusive o PAC e o Minha Casa, Minha Vida, foram previamente debatidos com a sociedade civil.



As conferências nacionais temáticas não são em geral deliberativas, mas participam do sistema decisório do governo, desde a construção de agenda, de prioridades, até a viabilização de compromissos assumidos com os delegados. Quais são as funções das conferências nacionais na experiência de construção de políticas públicas do governo Lula?


Luiz Dulci --As conferências são deliberativas, sim, pois discutem e aprovam propostas a serem encaminhadas ao Executivo e ao Legislativo. O que elas não são é impositivas, pois isso seria descabido no regime democrático. Trata-se, justamente, de superar essa falsa dicotomia entre representação e participação. Na democracia contemporânea, as instituições representativas são imprescindíveis, ainda que, no caso brasileiro, careçam de reformas profundas. Mas elas não excluem o que Boaventura Santos chamou de uma escuta forte à sociedade. O governo não pode e não deve transferir suas responsabilidades às conferências. Ele as compartilha. Delegados dos ministérios participam ativamente dos grupos de trabalho e das plenárias. Opinam, divergem, concordam, interagem o tempo todo com os cidadãos e os militantes sociais. O próprio presidente Lula compareceu a dezenas de conferências. Isso significa que o governo é parte integrante do processo e compromete-se a levar em conta seus resultados. As deliberações das conferências incidiram fortemente nas políticas públicas implementadas pelo nosso governo. Muitas se tornaram projetos de lei, já aprovados, ou estão em tramitação no Congresso Nacional. Outras, por meio de decretos ou portarias, foram imediatamente postas em prática. E, mesmo quando não era possível concretizá-las de imediato, incorporaram-se à agenda de debates do governo e do país.



Em que medida a discussão e a definição do orçamento nacional podem ser democratizadas? O âmbito nacional impõe obstáculo diverso ao da experiência consagrada do orçamento participativo municipal?

Luiz Dulci -- Em princípio, acho que a democracia participativa pode ser adotada com proveito em todas as esferas de governo. A escuta forte que mencionei será sempre valiosa, por mais complexas e especializadas que sejam algumas políticas. Nas 73 conferências, sem exceção, foram debatidas questões orçamentárias e aprovadas demandas de inversão de prioridades na alocação de recursos. Os conselhos também discutem intensamente temas orçamentários e monitoram de perto a execução dos investimentos públicos. E é claro que as reivindicações negociadas nas mesas permanentes têm impacto direto no orçamento, em benefício dos setores populares. O governo Lula sempre acolheu essas preocupações. No entanto, penso que o chamado ciclo orçamentário isto é, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Orçamento propriamente dito (Loas) também pode ser, de alguma maneira, objeto de interlocução específica com a sociedade civil. Já acumulamos uma boa experiência nesse sentido. Mas é preciso encontrar a forma adequada
para fazê-lo. Não acredito, sinceramente, na transposição mecânica do orçamento participativo municipal para o âmbito federal. O OP local tem um caráter de participação direta, inclusive do cidadão individual, que é impossível manter num universo potencial de quase 200 milhões de pessoas. Além disso, a escala territorial é outra, os condicionamentos institucionais são completamente diferentes, o próprio Congresso Nacional tem atribuições na matéria que as Câmaras de Vereadores não possuem. Mas nessa área também é importante a participação social. Será preciso bolar um formato ao mesmo tempo legítimo e eficaz. Talvez ela possa ser feita por meio de entidades populares representativas. A Secretaria-Geral da Presidência chegou a propor aos movimentos sociais um conselho de acompanhamento do ciclo orçamentário. No próximo governo, quem vier a coordenar o diálogo com a sociedade civil poderia, quem sabe, retomar essa ideia.



Em que grau se pode falar na projeção de um sistema federal de participação? Como esse sistema se relacionaria com as funções e a representação do Congresso Nacional?

Luiz Dulci -- Os canais de participação criados e/ou recriados pelo governo Lula conferências, conselhos, mesas de diálogo, ouvidorias etc. já constituem, na prática, um embrião desse sistema. O desafio agora é consolidá-lo, garantindo maior integração entre seus vários instrumentos (das conferências com os conselhos, por exemplo). Além disso, será importante ampliar a qualificação específica para os processos participativos, tanto no governo quanto nos movimentos sociais. Foi o que procuramos fazer com o Programa de Formação de Conselheiros, promovido pela Secretaria-Geral em parceria com a UFMG. Além de quadros do governo, 4.372 lideranças e militantes sociais frequentaram os cursos, gerando uma boa massa crítica. Entre as monografias aprovadas, há algumas que abrem novas perspectivas teóricas e práticas para a democracia participativa. Criar no governo federal a figura do gestor de participação social seria um grande avanço. E é claro que será necessário institucionalizar, mantendo sua flexibilidade política e organizativa, todos os canais que ainda não estão garantidos em lei. Quanto ao Congresso Nacional, como já disse, acho que participação e representação podem e devem ser complementares. Não se trata de substituir uma pela outra, mas de criar entre elas uma saudável dialética política, na qual as duas têm muito a ganhar. Aliás, a Constituição Federal prevê a participação social tanto no Executivo como no Legislativo, com as audiências públicas e os projetos de lei de iniciativa popular.



Na história brasileira, consagrouse, com a herança do período varguista, o formato corporativo de representação de interesses. Em que medida o ethos participativo estimulado pelo governo Lula se relaciona com essa tradição e em que sentido procura ultrapassar seus limites?

Luiz Dulci --Acho que é preciso fazer uma distinção. Nem tudo o que é setorial é corporativo . Há interesses setoriais que não são puramente particulares nem exclusivistas, ou seja, eles não se chocam com os interesses gerais da população. Pelo contrário: servem a eles. É o caso da luta da área da saúde em defesa do SUS, por exemplo, ou da mobilização dos trabalhadores pelo salário mínimo, que é um poderoso fator de desenvolvimento. Mas é importante que os movimentos sociais não sejam setorialistas, que eles dêem conta de inserir suas causas específicas num projeto global de sociedade, capaz de universalizar direitos. Acho que isso está ocorrendo. A luta da agricultura familiar tornou-se também a luta pela segurança alimentar. As centrais sindicais, além dos temas trabalhistas, discutem com o governo aspectos estruturais da política econômica, como a redução dos juros, a ampliação do crédito, os incentivos ao mercado interno, a descentralização industrial. Na verdade, negociam cada vez mais uma estratégia nacional de desenvolvimento. Na crise financeira internacional, isso ficou muito evidente. De imediato, governo e centrais pactuaram um conjunto de medidas para evitar a recessão, sustentar a atividade produtiva e garantir o nível de emprego.



Como a experiência de participação do governo Lula se vincula às tradições dos movimentos sociais? Como fugir aos dilemas da cooptação e do conflito?


Luiz Dulci -- Muitos dos movimentos sociais brasileiros se constituíram na luta contra a ditadura. Com uma cultura, por isso mesmo, fortemente defensiva, autoprotetora, de enorme desconfiança em relação ao Estado. E não podia ser diferente, pois naquela época reagíamos ao Estado-repressor, ao Estado-tecnocrata, ao Estado-cooptador (não raro, essas dimensões se mesclavam). Essa desconfiança se acentuou durante o período neoliberal, com a privatização avassaladora e o empenho sistemático para desconstituir a sociedade civil, desagregá-la, pulverizá-la. No governo Lula, o maior desafio foi inverter essa equação. Fazer com que as classes populares, e suas organizações, assumissem uma atitude criativa perante o Estado. Fazer com que pensassem o Estado como potencialmente a serviço das maiorias sociais. E se dispusessem a interferir nas decisões do Estado, disputando democraticamente as suas escolhas. O que implicava, necessariamente, aproximar-se dele, apropriar-se de um saber sobre as políticas públicas, sem abrir mão da independência nem do direito à crítica. Exercendo a autonomia numa relação politizada com o Estado e não por virar as costas a ele ou por manter-se longe dele, numa atitude de negação absoluta, que acaba por ser paralisante. Estou convencido de que a maioria dos movimentos sociais soube renovar-se culturalmente e assumir um novo protagonismo, sem o qual não haveria sustentação popular para as reformas sociais promovidas pelo governo Lula. É preciso dizer que, nesses oito anos, a imprensa conservadora fez campanha permanente para desqualificar os movimentos sociais e sua relação com o governo. Usou para isso três armas poderosas: a invisibilidade, a desmoralização e a aberta criminalização. Ela simplesmente escondeu, cancelou do noticiário, as principais mobilizações populares do período e as conquistas obtidas, no afã de carimbar as entidades civis como omissas, cooptadas. A julgar pelas TVs, rádios, revistas e jornais, com raríssimas exceções, é como se não tivessem existido as três grandes marchas da classe trabalhadora pelo emprego e pelo salário, cada uma delas levando a Brasília 40 mil, 50 mil participantes; ou os Gritos da Terra, realizados anualmente em todo o país; ou as enormes caravanas da agricultura familiar e da reforma agrária; sem falar nas esplêndidas Marchas das Margaridas, que nunca contaram com menos de 30 mil mulheres do campo; ou as diversas e massivas jornadas de luta estudantil em defesa da escola pública; e os dias nacionais da consciência negra e dos direitos das mulheres, entre tantos exemplos que poderíamos citar, nos mais variados setores da vida brasileira. Toda essa vitalidade democrática foi, na verdade, deliberadamente omitida para não desmentir a tese preconcebida da desmobilização completa dos movimentos e de sua suposta estatização . Em alguns casos, tentou-se criminalizá-los, promovendo CPIs (das ONGs e do MST), quebra de sigilos bancários de militantes, processos judiciais etc. Caso contrário, essa mídia teria que admitir que, se não há mais manifestações contra a Alca, é porque derrotamos a proposta da Alca, e hoje avança a integração soberana dos povos do continente; se não há mais atos públicos contra as privatizações, é porque não há mais privatizações, e sepultou-se o dogma destrutivo do Estado mínimo ; se não há protestos contra o desemprego e o arrocho salarial, é porque o país criou, durante o governo Lula, 14 milhões de novos postos de trabalho e a classe trabalhadora teve expressivos ganhos reais, com forte elevação da massa salarial. O que eles não percebem é que, hoje, os movimentos sociais não estão mais na fase de resistência. Junto com o país, passaram à ofensiva. Já não lutam para impedir a supressão de direitos, como acontecia nos governos de Fernando Henrique, e sim para ampliá-los e universalizá-los. Mobilizam-se, a partir de sua autonomia, para aproveitar os espaços de democracia participativa e alargá-los ainda mais. Querem intensificar o atual ciclo de crescimento econômico, distribuindo cada vez melhor os seus frutos. Lutam para que os recursos do pré-sal beneficiem o conjunto da população e sejam de fato destinados à igualdade social e à revolução educacional, cultural e científica a que o país almeja.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Vamos falar de direitos humanos, novamente.

EUA fracassam redondamente em Exame de Direitos Humanos na ONU

Os Estados Unidos saíram maltratados de sua primeira incursão pelo exame periódico universal do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), onde, no dia 5, passou por um escrutínio acurado por parte de muitos dos 47 Estados-membros do organismo e de países observadores.

Por Gustavo Capdevila, na agência IPS

Um especialista, o diretor da Rede de Direitos Humanos dos Estados Unidos (USHRN), Ajamu Baraka, considerou que, se a delegação de Washington "pretendia reclamar a liderança mundial dos direitos humanos, fracassou redondamente".

As perguntas dirigidas à delegação dos Estados Unidos giraram em torno de violações graves dos direitos humanos cometidas em territórios sob jurisdição desse país e sobre os planos de seu governo para erradicá-las. Algumas das preocupações expostas sobre a situação nos Estados Unidos foram a pena de morte, a prisão de Guantânamo na ilha de Cuba, a discriminação racial, a violência contra imigrantes, os abusos na luta contra o terrorismo, a ignorância de direitos econômicos, sociais e culturais nos campos da habitação, saúde, educação, e a demora na ratificação de tratados internacionais sobre a matéria.

A delegação de Washington, liderada pela subsecretária de Estado, Esther Brimmer, respondeu a grande parte das perguntas com explicações sobre as causas que impedem seu país de cumprir as normas internacionais. No caso da pena de morte, o assessor jurídico do departamento de Estado, Harold Koh, alegou que a legislação internacional de direitos humanos não proíbe, em geral, o emprego desse recurso extremo.

Um representante da Bélgica lamentou que a pena de morte ainda vigore nos Estados Unidos em nível federal e em pelo menos 35 Estados. O diretor do departamento legal da União Norte-Americana pelas Liberdades Civis (Aclu), Jamil Dakwar, disse que o governo de Barack Obama poderia, pelo menos, abolir esse castigo na jurisdição federal, que é de sua competência. Por sua vez, a chefe da missão do Uruguai, Laura Dupuy, recomendou a Washington retirar a reserva ao parágrafo do artigo sexto do Pacto Internacional de Direitos Humanos e Políticos, que proíbe impor a pena de morte a quem cometeu crimes quando era menor de 18 anos.

Laura Murphy, diretora da Aclu, disse à IPS que durante a sessão do Conselho numerosos países cobraram de Washington que considere, pelo menos, o estabelecimento de uma moratória à pena de morte, com vistas à sua abolição. A ativista, que acompanhou os debates do exame periódico universal (EPU) junto com representantes de outras organizações não governamentais norte-americanas, chamou a atenção para as solicitações de vários países ao governo dos Estados Unidos para que feche a prisão de Guantânamo, onde mantém detidos acusados de atos terroristas.

Essas demandas foram acompanhadas de pedidos para que sejam estabelecidas as responsabilidades dos funcionários norte-americanos de alto escalão que autorizaram a aplicação de torturas, disse Murphy. A Espanha foi um dos países que perguntou se Washington espera fechar Guantânamo em breve, "tal como declarou o presidente Obama", e também se interessou pela sorte das cerca de 50 pessoas que permanecem nessa prisão submetidas a um regime de detenção indefinida. Koh respondeu que Obama continua comprometido em fechar Guantânamo, mas acrescentou que esse assunto "se converteu em algo muito complexo", porque requer a intervenção do Congresso.

Murphy disse que nos Estados Unidos há graves problemas de direitos humanos. São aplicadas torturas tanto em Guantânamo como nas prisões dentro do próprio país, apesar de Obama ter repudiado a doutrina legal que as autorizava, assegurou. Diante das perguntas sobre o atraso na ratificação pelos Estados Unidos de tratados sobre direitos humanos, Koh expôs a teoria de que alguns países adotam e colocam em vigor esses instrumentos internacionais, para depois fazer apenas o possível para aplicá-los. Por outro lado, Washington começa a cumprir os princípios contidos nessas normas desde as esferas locais, depois nos Estados e finalmente, quando em nível nacional, chega o momento da adesão ao instrumento internacional.

O mesmo delegado defendeu o emprego de aviões não tripulados para operações de espionagem ao lançar ataques contra alvos terroristas, principalmente no Afeganistão. Afirmou que essas missões, que causam vítimas entre a população civil, apenas objetivam eliminar dirigentes terroristas. Acrescentou que esse tipo de operação se ajusta ao direito internacional vigente.

A delegação norte-americana enfrentou perguntas incômodas sobre o trato dispensado aos imigrantes. A representação do México recomendou que os Estados Unidos proíbam o uso de estereótipos ou perfis raciais na aplicação das leis de imigração. Um diplomata mexicano assegurou que são feitas detenções com base em critérios raciais que levaram inclusive, a casos em que cidadãos dos Estados Unidos foram confundidos com imigrantes ilegais e deportados para o México.

Murphy disse que as cobranças por ações específicas contra o uso de estereótipos e de racismo se estendem também ao campo da justiça penal. Os países cobraram de Washington que se ocupe da grave crise humanitária criada pelas "atrozes detenções praticadas na fronteira" contra os imigrantes, disse a diretora da Aclu.

Murphy declarou estar desiludida pelo nível da missão enviada por Washington e em particular pela ausência de legisladores. Porém, estimou que pode melhorar seu comportamento em direitos humanos e comprometeu o apoio da Aclu nessa tarefa. Agora há um clima político mais hostil em relação aos direitos humanos, mas o presidente Obama ainda conserva um grande poder para agir, acrescentou.

Em um resumo dos resultados do EPU dos Estados Unidos, Baraka disse que Washington fracassou no propósito de convencer o mundo de seu histórico positivo quanto aos direitos humanos. O que ouvimos em Genebra foi uma defesa eloquente da visão dos Estados Unidos como um país "excepcional", afirmou o diretor-executivo da USHRN. Essa visão faz crer que se trata de um Estado que goza de "status especial", que o exime de adaptar-se às normas e aos padrões de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, afirmou.

Fonte: Envolverde

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Bomba, bomba, bomba!!!!!

Robert Fisk: Querem nos vender outra vez a Ponte do Brooklyn!

Por Robert Fisk, no The Independent, UK
Tradução de Caia Fittipaldi

Embora sempre me recuse a pagar para ler o Wall Street Journal, vez ou outra dou uma espiada, se encontro um jornal esquecido por aí. Aconteceu mês passado, quando um casal deixou o jornal no banco do trem à minha frente. E bingo! Jornalismo ruim, como sempre. “Funcionários da Defesa preveem longo progresso no Afeganistão”. Fontes, para essa manchete absolutamente previsível, sem novidade? “Militares norte-americanos de alto escalão”, “funcionários do Pentágono”, “veterano militar de alta patente”, “assessores militares do governo Obama”, “funcionários da Defesa”, “os militares”, “inúmeros militares”, “militares norte-americanos de alta patente” (outra vez), “militares” (outra vez), “funcionários do Pentágono” (outra vez) e “militares” (de novo).

Por que, diabos, escrevem esse monte de esterco? Meu velho camarada Alexander Cockburn chama esse jornalismo de “vender a Ponte do Brooklyn” e diz que Michael Gordon, principal correspondente militar do New York Times, sempre compra (a ponte). É verdade.

Em 2002, Mike batia o tambor incansável: repetia e repetia que canos de alumínio, no Iraque, seriam provas de que Saddam tinha “programa nuclear”. Depois, em 2007, “militares norte-americanos” – claro! – disseram a Mike que o Irã estaria abastecendo guerrilheiros iraquianos com “explosivos em dispositivos de penetração (uns tais penetrators)” a serem usados contra soldados dos EUA no Iraque. Mike não se incomodou com o fato de que a maioria dos guerrilheiros que atacam soldados dos EUA são sunitas. Oh Yes! Os iranianos também abasteciam seus aliados do Hizbollah no Líbano, com armas a serem usadas contra Israel. Bom, pelo menos o Hizbollah, partido xiita, está bem armado pelo Irã. Mas será preciso esperar a próxima guerra do Líbano, para saber se os tais misteriosos “penetradores” penetrarão mesmo.

O verdadeiro problema, é claro, é que não fazem outra coisa além de nos vender a Ponte do Brooklyn, outra vez, outra vez. Aqui, um caso claro: “O Irã é o centro do terrorismo, do fundamentalismo e da subversão e, na minha opinião, é mais perigoso que o nazismo, porque Hitler não tinha bomba atômica, e os iranianos estão aperfeiçoando uma opção nuclear.”

Essa predição não saiu da boca de Benjamin Netanyahu mas – e, graças a Deus, Roger Cohen detectou esse especial caso de vendedor querendo nos vender a Ponte do Brooklyn – pelo então primeiro ministro Shimon Peres, hoje presidente de Israel, em 1996. E quatro anos antes, o mesmo Peres previra que o Irã teria uma bomba atômica em 1999.

Em outras palavras, o Irã – se a previsão alucinada de Peres se confirmou – já tem bomba atômica há 11 anos. Em 2007, “militares norte-americanos” disseram que em seis anos o Irã já teria a bomba atômica. E, ano passado, Israel disse que demorará menos de dois anos. Não podemos esquecer: será em 2013. Ou 2011. Ou 1999, e pouco me importa.

O mesmo Peres jurou que o Hizbollah comprara mísseis Scud da Síria – provavelmente adaptados para disparar os tais penetrators de Mike do New York Times – para penetrar em Israel. Acho, isso sim, que o Hizbollah tem armas muito mais sofisticadas que aqueles velhos, antiquados foguetes russos que Saddam usou contra Israel na Guerra do Golfo de 1991. O Hizbollah já brinca com aviões-robôs não tripulados e até despachou um desses, em voo experimental, que sobrevoou Israel – e voltou, são e salvo, para o Líbano. Isso, sim. Mas… Scuds lata velha?!

Claro, claro, esse caso pegou fogo. Os EUA meteram-se na conversa, com ameaças veladas à Síria, apesar de não haver nem um fio de prova de que algum Scud lata velha entrara no Líbano. Mas venderam, outra vez, a Ponte do Brooklyn. Agora, essa semana, foi a vez de Netanyahu. “O problema da segurança”, disse ele, “não está só nos novos (palavras dele!) foguetes que entrarão (estou citando!) na área e ameaçarão centros urbanos. Não sei se estão informados, mas hoje já mal conseguimos sobrevoar áreas próximas de Gaza, porque eles mantêm ali equipamentos antiaéreos.” Calma. Só falta, então, o Hamás ser tão ineficiente e corrupto, a ponto de já ter encontrado meio para trazer “equipamentos antiaéreos” do Egito, pelos túneis. Ou quem sabe, já têm lá os lança-mísseis portáteis que se provaram tão militarmente inúteis quando os palestinos tentaram usá-los contra Beirute em 1982.

Não faz diferença. Já venderam e já compramos, outra vez, a Ponte do Brooklyn. A Associated Press escreveu, da sucursal em Jerusalém, que o ‘pronunciamento’ de Netanyahu teria sido “desenvolvimento com potencial para virar o jogo, que informa sobre o risco real de a força aérea israelense já estar incapacitada de atacar o grupo militante islâmico”. Muito engraçado.

Fosse assim, por que o Hamás não usou essas armas-maravilha em janeiro do ano passado, quando Israel destruiu o que ainda havia, em pé, na Gaza ocupada? Ou por que os israelenses não encontraram as tais armas-maravilha quando ocuparam Gaza? Oh! Ia esquecendo! Por que Israel ainda não localizou, sequer, seu soldado capturado, Gilad Shalit (que o Hamás capturou há mais de quatro anos!), quando Israel tentou entrar em Gaza, abrindo caminho a ferro e fogo?

Claro que não são só norte-americanos e israelenses empenhados em nos vender a Ponte do Brooklyn. Quando o ridículo presidente do Irã, em visita ao sul do Líbano, semana passada, informou aos israelenses que Israel “já era” – há 33 anos, Yasser Arafat costumava vender essa mesma ponte, praticamente no mesmo lugar em que se viu Ahmadinejad, semana passada, no sul do Líbano –, jornais de todo o mundo repercutiram a ‘nova’ ameaça contra Israel, como se Ahmadinejad tivesse trazido, na bagagem, na visita ao Líbano, uma de suas afamadas bombas atômicas.

Imediatamente, BINGO!, Israel decretou que o Líbano seria “um novo centro do terror regional”. Imediatamente, a ‘notícia’ correu o mundo!

Vivo há 34 anos no Líbano, e já ouvi exatamente a mesma frase, vinda de Israel, em 1978, 1981, 1982, 1993, 1996 e 2006. Vai-se ver, os perigosos libaneses não fazem outra coisa na vida além de reconstruir novos centros de terror regional, cada vez que uma extraordinariamente bem-sucedida força de elite do exército de Israel ataca e devasta território libanês.

Novas promoções à vista, para nos vender a Ponte do Brooklyn? Claro que sim! Afinal, faz pouco tempo que aquele grande, emérito vendedor de pontes, Daniel Pipes, aconselhou o governo dos EUA, pelo Jerusalem Post, em manchete: “Única salvação para o governo Obama: bombardear o Irã”. Pode-se supor que, dado o crescimento da oposição interna no Irã, logo se lerá também por lá: “Única salvação para o governo Ahmadinejad: bombardear Israel”. Sempre haverá jornalistas otários que compram ponte.

*Matéria publicada originalmente no site Vi o mundo