sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Enquanto isso, na "Rua Muro"

Protestos vem sendo realizados há dias na frente de Wall Street... e a imprensa comercial continua olhando para o outro lado.

Paz
Alexei


Os 99% que ocuparam Wall Street

Duas mil pessoas ocuparam Wall Street no dia 17 de setembro. A sua mensagem era clara: “Somos os 99% da população que não toleram mais a ganância e a corrupção do 1% restante”. Se dois mil ativistas do movimento conservador Tea party se manifestassem em Wall Street, provavelmente haveria a mesma quantidade de jornalistas cobrindo o acontecimento. Mas o interesse da mídia em divulgar protestos contra Wall Street parece ser bem menor. O artigo é de Amy Goodman.

Se dois mil ativistas do movimento conservador Tea party se manifestassem em Wall Street, provavelmente haveria a mesma quantidade de jornalistas a cobrir o acontecimento. Duas mil pessoas ocuparam de fato Wall Street no dia 17 de setembro. Não levavam cartazes do Tea party, nem a bandeira de Gadsden com a serpente em espiral juntamente com a ameaça “Não te metas comigo”. Mas a sua mensagem era clara: “Somos os 99% da população que não toleram mais a ganância e a corrupção do 1% restante”, diziam. Ali estava uma maioria de jovens a protestar contra a especulação praticamente incontrolável de Wall Street, que provocou a crise financeira mundial.

Um dos multimilionários mais conhecidos de Nova York, o presidente da Câmara, Michael Bloomberg, comentou sobre o momento que vivemos: “Muitos jovens saem da universidade e não encontram trabalho. Foi isso que aconteceu no Cairo e em Madri. Não queremos este tipo de distúrbios aqui”. Distúrbios? A Primavera Árabe e os protestos na Europa trataram-se disso?

É provável que, para desilusão do presidente da Câmara Bloomberg, o que aconteceu no Egito e na Europa seja justamente o que inspirou muitas pessoas a ocupar Wall Street. Em comunicado recente, a coligação de organizações que protestam em Nova York informou: “No sábado, realizámos uma assembleia geral com duas mil pessoas. Na segunda-feira, às 20h, ainda estávamos ocupando a praça, apesar da constante presença policial. Estamos construindo o mundo que queremos, tomando por base as necessidades humanas e a sustentabilidade, no lugar da ganância das empresas”.

Falando de Tea Party, o governador do Texas, Rick Perry, tem provocado polêmica durante os debates presidenciais republicanos com a sua declaração de que o elogiado sistema de segurança social dos Estados Unidos é “um esquema do tipo Ponzi”. Charles Ponzi dedicou-se a fraudar milhares de pessoas em 1920 com a promessa enganosa de que receberiam enormes ganhos a partir de investimentos. Um típico esquema Ponzi consiste em tomar o dinheiro de vários investidores e pagá-los com o dinheiro de novos investidores, em vez de pagar a partir de ganhos reais. O sistema de segurança social dos Estados Unidos é de fato sério: tem um fundo confiável de mais de 2,6 mil milhões de dólares. O verdadeiro esquema que ameaça o povo norte-americano é a insaciável ganância dos bancos de Wall Street.

Entrevistei um dos organizadores do protesto “Ocupemos Wall Street”. David Graeber é professor em Goldsmiths, Universidade de Londres, e é autor de vários livros. A sua obra mais recente é "Dívida: os primeiros 5.000 anos". Graeber assinala que, no meio da crise financeira de 2008, renegociaram-se dívidas enormes de bancos. No entanto, pouquíssimas hipotecas receberam o mesmo tratamento. Graeber disse: “As dívidas entre os mais ricos ou entre governos podem sempre ser renegociadas e, de fato, sempre foi assim na história mundial. Não estão gravadas em pedras. Em termos gerais, quando os pobres têm dívidas com os ricos, automaticamente as dívidas convertem-se numa obrigação sagrada, mais importante do que qualquer outra coisa. A ideia de renegociá-las é impensável”.

O presidente Barack Obama propôs recentemente um plano de criação de emprego e maiores esforços para reduzir o défice público. Uma das propostas é o chamado “imposto sobre os milionários”, que conta com o apoio do multimilionário e partidário de Obama Warren Buffet. Os republicanos denominaram o imposto de “guerra de classes”.

Graeber explica: “Durante os últimos 30 anos vimos os mais ricos da nossa sociedade liderarem uma guerra política contra todos os demais, e esta é considerada a mais recente disputa, uma medida totalmente disfuncional do ponto de vista político e económico. Esse é o motivo pelo qual os jovens simplesmente abandonaram qualquer ideia de recorrer aos políticos. Todos sabemos o que acontecerá. Os impostos de Obama são uma espécie de simulação com carácter populista, que todos sabem que será rechaçado. Na realidade, o que provavelmente vai acontecer é que haverá mais cortes nos serviços sociais”.

Lá fora, na manhã fria de quarta-feira, os manifestantes iniciaram o quarto dia de protestos com uma marcha no meio de forte presença policial. Fizeram soar a campainha de abertura da “bolsa do povo” às 9h30, exactamente na mesma hora em que soa a campainha da Bolsa de Nova York. Enquanto os banqueiros continuam seguros dentro dos seus bancos resgatados, lá fora, a polícia prende manifestantes. Num mundo justo, com uma economia justa, caberia perguntar: quem deveria estar passando frio lá fora? Quem deveria ser preso?

(*) Artigo publicado em "Democracy Now" em 22 de Setembro de 2011. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisto por Bruno Lima Rocha para Estratégia & Análise


Ocupar Wall Street: o que todos querem saber sobre o movimento

É um coletivo de ativistas, sindicalistas, artistas, estudantes, que se reunira antes na campanha “New Yorkers Against Budget Cuts” [Novaiorquinos contra os cortes no orçamento]. Para muitos norte-americanos, essa ação direta não violenta é a única oportunidade que resta para que tenha alguma voz política. E isso tem de ser levado a sério pelos que ganham a vida na imprensa-empresa. Em artigo sob a forma de uma entrevista, ativista do movimento diz a que ele veio.

PERGUNTA: Ouvi dizer que o grupo Adbusters organizou o movimento Occupy Wall Street? Ou os Anonymous? Ou US Day of Rage? Afinal, quem juntou todo mundo lá?

RESPOSTA: Todos esses grupos participaram. Adbusters fez a convocação inicial em meados de julho, e produziu um cartaz muito sexy, com uma bailarina fazendo uma pirueta no lombo da estátua do Grande Touro [ing. Charging Bull], com a polícia antitumultos no fundo. O grupo US Day of Rage, criação da estrategista de Tecnologias da Informação, TI [ing. Information Technologies, IT] Alexa O'Brien, que existe quase exclusivamente na Internet, também se envolveu e fez quase todo o trabalho inicial de encontros e pelo Tweeter. O grupo Anonymous – com suas múltiplas, incontáveis e multiformes máscaras – agregou-se no final de agosto. Mas em campo, em New York, quase todo o planejamento foi feito pelo pessoal envolvido na Assembleia Geral de NYC.

É um coletivo de ativistas, artistas, estudantes, que se reunira antes na campanha “New Yorkers Against Budget Cuts” [Novaiorquinos contra os cortes no orçamento]. Essa coalizão de estudantes e sindicalistas acabou de levantar a ocupação de três semanas perto do City Hall, que recebeu o nome de Bloombergville, na qual protestaram contra os planos do prefeito, de demissões e cortes no orçamento da cidade. Aprenderam muito naquela experiência e estavam ansiosos para repetir a dose, dessa vez em movimento mais ambicioso, aspirando a ter mais impacto. Mas, de fato, não há ninguém, nem grupo nem pessoa, comandando toda a ocupação de Wall Street.

PERGUNTA: Ninguém manda? Ninguém é responsável? Como se tomam as decisões?

RESPOSTA: A própria Assembleia Geral tomou as decisões para a ocupação na Liberty Plaza, apenas alguns quarteirões ao norte de Wall Street. (Ali ficava o Parque Zuccotti, antes de 2006, quando o espaço foi reconstruído pelos proprietários da área, Brookfield Properties, que lhe deram o nome do presidente da empresa, John Zuccotti.) Agora, lá vai; vai soar como jargão. A Assembleia Geral é um coletivo horizontal, anônimo, sem chefia, sistema de consenso autogerido com raízes no pensamento anarquista,muito semelhante às assembleias que têm conduzido vários movimentos sociais em todo o mundo (na Argentina, na Praça Tahrir no Cairo, na Puerta Del Sol em Madrid e em outros pontos). Não é simples trabalhar para gerar consensos novos. É difícil, frustrante e lento. Mas os ocupantes estão usando o tempo e trabalhando sem parar. Quando chegam a algum consenso, o que muitas vezes exige dias e dias de discussões e de tentativas, a sensação de alegria é quase indescritível e inacreditável. Ouvem-se os gritos de alegria por toda a praça. É experiência difícil de descrever, ver-se ali, cercado de centenas de pessoas apaixonadas, empenhadas, rebeladas, criativas e todos em perfeito acordo sobre alguma coisa.

Por sorte, não é preciso discutir tudo nem é indispensável haver perfeito consenso sobre tudo. Há vários (e o número deles aumenta sempre) comissões e grupos de trabalho que assessoram a Assembleia Geral – de comissão de Comida e Imprensa, a grupos de ação direta, segurança e limpeza. Todos são bem-vindos e cada um faz seu trabalho, sempre em tácita coordenação com a Assembleia Geral como um todo. A expectativa e a esperança é que, em resumo, cada indivíduo é capaz de fazer o que sabe e deseja fazer e de tomar decisões e agir como lhe parecer mais certo, com vistas ao bem de todo o grupo.

PERGUNTA: E o que esses manifestantes querem obter?

RESPOSTA: Ugh – eis a pergunta de um zilhão de dólares. A convocação inicial, disparada pelo grupo Adbusters pedia que cada um apresentasse uma única demanda: “O que é que você quer?” Tecnicamente, essa pergunta ainda não foi respondida. Nas semanas antes do dia 17/9, a Assembleia Geral de NYC parecia distanciada da linguagem das “exigências” e “demandas”. Isso, para começar. E em boa parte porque as instituições do estado, nos EUA, já estão tão infiltradas pelo dinheiro das grandes empresas, que apresentar demandas pontuais não faria sentido algum, pelo menos antes que o movimento crescesse um pouco e ficasse politicamente mais forte. Em vez de apresentar uma lista de demandas, optaram por fazer da própria ocupação sua principal demanda – com a democracia direta em ação, acontecendo na praça –, e daí pode ou não sair alguma demanda específica. Se se pensa um pouco, o ato de ocupar já é uma potente declaração contra a corrupção que Wall Street passou a representar. Mas, uma vez que pedir que pense é quase sempre pedir demais à imprensa-empresa de massa nos EUA, a questão das demandas acabou por converter-se em considerável problema de Relações Públicas, para o movimento.

Nesse momento, a Assembleia Geral está no processo de decidir como poderá resolver a questão de unificar as demandas do movimento. É discussão realmente difícil e interessantíssima. Mas não espere demais.

Todos, na praça têm seu próprio modo de pensar sobre o que querem ver acontecer, é claro. Na parte norte da praça há centenas de cartazes de papelão colados, nas quais as pessoas escreveram seus slogans e demandas. Quem passa para e lê, com máxima atenção, ao longo de todo o dia. As mensagens estão por todos os lados, sim, mas também há uma certa coerência entre todas elas. Uma já é, pode-se dizer, unânime: “As pessoas, antes dos lucros”. Mas também estão sendo discutidas várias outras questões, que vão do fim da pena de morte, ao desmonte do complexo militar industrial; de saúde a preço acessível, a políticas de imigração mais benignas. E muitas outras coisas. Pode ser difícil e confuso, mas, repito, essas questões estão conectadas, todas elas, num determinado plano, num nível que ainda não se pode ver com clareza.

PERGUNTA: Alguns jornais e televisões estão pintando os manifestantes como sem foco, ou, pior, desinformados e completamente confusos. Que verdade há nisso?

RESPOSTA: É claro. Num mundo tão complexo como o mundo em que vivemos, todos somos desinformados sobre inúmeras questões, mesmo que saibamos muitas coisas sobre algumas poucas questões. Lembro de um policial que disse dos manifestantes, no primeiro ou segundo dia: “Eles acham que sabem tudo!” Os jovens são quase sempre assim. Mas, nesse caso, ver a superconcentração de riqueza em torno de Wall Street e a descomunal influência que tem na política, não exige conhecimento detalhado sobre o que faz e como opera um “fundo hedge” ou a cotação de venda das ações da Apple. Um detalhe que distingue esses manifestantes é, precisamente, a esperança de que seja possível viver num mundo melhor. Devo dizer que, para muitos norte-americanos, essa ação direta não violenta é a única oportunidade que resta para que tenha alguma voz política. E isso tem de ser levado a sério pelos que ganham a vida na imprensa-empresa.

PERGUNTA: Quantos responderam à convocação dos Adbusters? Que tamanho tem esse grupo? Que tamanho tem hoje e que tamanho algum dia teve?

RESPOSTA: A convocação inicial dos Adbusters previa atrair cerca de 20 mil pessoas para o Distrito Financeiro da cidade no dia 17/9. Apareceram 2 mil, um décimo do previsto, no primeiro dia. Apesar da verdadeira blitz que o grupo dos Anonymous disparou pelas mídias sociais, a maioria das pessoas simplesmente não ficou sabendo da convocação. Para piorar, organizações progressivas tradicionais, como sindicatos e grupos do movimento pacifista em geral, sentiram-se desconfortáveis com a convocação para uma ação tão amorfa, tão sem ‘demandas’. A primeira semana foi difícil, a polícia apareceu, muita gente foi presa e muita gente também deixou a praça para descansar e respirar. A imprensa de massa acabou por cobrir as prisões do fim de semana e a brutalidade policial atraiu a atenção de outros jornais e jornalistas. Agora, seja dia seja noite, nunca há menos de 500 pessoas na praça, e pelo menos metade dessas pessoas estão vivendo na praça, dormindo aqui. A qualquer momento do dia ou da noite, muitos milhares de pessoas em todo o mundo assistem a cenas filmadas aqui, em transmissões online que não se interrompem nunca, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Diferente de outros movimentos de massa, essa ocupação acabou por depender muito de um pequeno grupo de ativistas determinados e corajosos, quase todos muito jovens, que não se incomodam com dormir ao relento e enfrentar a polícia. Mas isso já começou a mudar. As notícias se espalham, a multidão já não é composta exclusivamente de muito jovens, há maior diversidade. E a ideia de ocupar território, de não arredar pé, já mostra que gera efeitos mais consistentes do que se poderia esperar de uma marcha tradicional. Afinal de contas, houve uma marcha de 20 mil pessoas por Wall Street dia 12 de maio – protestaram contra o resgate aos bancos e os cortes no orçamento para o funcionalismo público – e quem se lembra daquela marcha?

PERGUNTA: O que seria um cenário de “vitória” para a ocupação?
RESPOSTA: Outra vez, a resposta dependerá de quem tiver de responder essa pergunta. Quando se aproximava o dia 17 de setembro, a Assembleia Geral de NYC realmente viu seu objetivo, outra vez, não como fazer aprovar alguma lei ou iniciar uma revolução, mas como começar a construir uma nova espécie de movimento. Eles queriam fomentar o surgimento de assembleias desse tipo que se vê aqui, em vários bairros da cidade, por todo o mundo, que pudessem ser uma nova base para outro tipo de organização política nos EUA – e contra a inadmissível influência do dinheiro das grandes empresas. Isso, agora, está começando a acontecer, quando ocupações semelhantes a essa começam a brotar em dúzias de outras cidades. Outra grande ocupação está sendo preparada há meses , planejada para começar dia 6/10 na Freedom Plaza em Washington, D.C. Os organizadores dessa segunda ocupação estão visitando a ocupação aqui em NY, na Liberty Plaza. Andam por aí, vão e vem, aprendendo o que podem dos erros e acertos.

Já ouvi gente dizer, quando a Liberty Plaza estava cheia de câmeras de TV “Já ganhamos! Vencemos!” Outros dizem que a coisa está só começando. Os dois, em certo sentido, têm razão.

PERGUNTA: E a polícia? Estão também ocupando a praça? Atacaram mesmo com brutalidade? Se eu for à praça, há riscos? O que pode acontecer?

RESPOSTA: A polícia não sai da praça e, sim, houve alguns confrontos muito violentos, assustadores. Também se viram atos de extrema coragem física e moral de gente comum. O pior momento aconteceu no sábado passado, sim, mas, depois daquilo, praticamente não houve mais problemas. Ninguém tem qualquer intenção de ser preso, e praticamente ninguém tem interesse em correr riscos desnecessários ou em instigar a violência contra pessoas ou propriedades. Quanto mais pessoas comuns vierem para cá juntar-se ao movimento – aliando-se a gente famosa e celebridades como Susan Sarandon, Cornel West e Michael Moore – menos provável será que a polícia reprima a ocupação. Como se lê num cartaz na Broadway: “A segurança vem dos grandes números! Junte-se a nós!"

De qualquer modo, desafiar os poderes que se encastelam nessa rua – e fazê-lo sem pedir licença e fazendo barulho – não é ação que possa ser 100% segura. Quanto mais o movimento conseguir se impor e falar, mais riscos haverá. Se você quiser vir, boa providência será anotar o telefone da National Lawyers Guild [alguma coisa como a OAB] no próprio braço, por via das dúvidas.

PERGUNTA: Se eu não puder ir à Wall Street, o que mais poderia fazer?

RESPOSTA: Muita gente está trabalhando muito lá mesmo, onde está – é a magia da descentralização. Você pode assistir às transmissões online, distribuir notícias, doar dinheiro, retuitar informes e estimular seus amigos a participar. Pessoas que entendem de máquinas e programas já estão trabalhando como voluntários, para manter no ar as páginas e blogs do movimento e editar vídeos – em coordenação com salas-de-bate-papo IRC e outras mídias sociais. Em breve, as discussões sobre ‘demandas’ do movimento serão feitas também online, além de presencialmente, aqui na praça. Offline, você pode juntar-se a ocupações semelhantes que estão começando pelo país ou, se preferir, pode começar sua própria ocupação, onde estiver.

Em todos os casos, você sempre deve lembrar um conselho de uma mulher, na Assembleia Geral na noite de 3ª-feira, que já é um dos vários mantras que circulam: “Ocupe o seu próprio coração”, disse ela. “Com amor, não com medo”.

(*)Nathan Schneider é editor senior de "Killing the Buddha", uma revista online de religião e cultura.

Fonte:
http://www.thenation.com/article/163719/occupy-wall-street-faq

Tradução: Coletivo Vila Vudu

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Sinceridade inesperada

Quando o fato de alguém estar dizendo a verdade surpreende tanto, é sinal de que todos já sabiam que o que estava sendo dito antes era a mais pura mentira. Eles só não sabiam que já sabiam.

O artigo abaixo saiu na BBC. O melhor momento, para mim é quando o repórter diz ao entrevistado "nós agradecemos pela sinceridade, mas ela não nos ajuda muito não?". A frase escapada revela que o desejo do repórter era ouvir uma "mentira útil" e não uma "verdade inútil". Pobre mundo, tem que se informar com essa gente.

Paz
Alexei

'Nosso trabalho é ganhar dinheiro com crise', diz operador de mercados

Atualizado em 27 de setembro, 2011 - 09:35 (Brasília) 12:35 GMT

Alessio Rastani, durante entrevista à BBC

Para operador, bancos como Goldman Sachs, e não governos, 'controlam o mundo'

O mercado financeiro não liga para o novo plano de resgate preparado para tentar salvar a economia da zona do euro e se interessa apenas em faturar com uma eventual nova recessão, revelou um operador de mercado independente entrevistado pela BBC.

"Sonho com esse momento (de declínio econômico) há três anos. Vou confessar: sonho diariamente com uma nova recessão. Se você tem o plano certo, pode fazer muito dinheiro com isso", declarou Alessio Rastani, em entrevista na última segunda-feira.

Questionado a respeito de o que faria o mercado confiar nos planos orquestrados para salvar economias em perigo, como a da Grécia, Rastani disse que, como operador, não se importa.

"Não ligamos muito para como vão consertar a economia. Nosso trabalho é ganhar dinheiro com isso", afirmou.

"Os governos não controlam o mundo. O (banco) Goldman Sachs controla o mundo. O Goldman Sachs não liga para esse resgate, nem os grandes fundos."

A entrevista, ainda que revele apenas a opinião individual de um operador, mostra que nem sempre o funcionamento dos mercados financeiros está em sintonia com o crescimento econômico.

Segundo Rastani, os grandes fundos e investidores não acreditam nas novas propostas – as quais, segundo informações preliminares, preveem a injeção de recursos em um fundo europeu de resgate e um possível calote parcial da Grécia – e estão tirando seu dinheiro da economia do euro e investindo-o em ativos mais seguros, como dólar e títulos de Tesouro.

"Essa crise é como um câncer. Se esperarmos, vai ser tarde demais. O que digo para as pessoas é: preparem-se. Não pensem que o governo vai consertar. Quero ajudar as pessoas, elas precisam aprender a fazer dinheiro com isso. Primeiro, protegendo seus ativos. Em menos de 12 meses, ativos de milhões de pessoas vão desaparecer"

Alessio Rastani, operador independente do mercado financeiro, em entrevista à BBC

Na opinião do operador, "qualquer um pode fazer dinheiro" com a crise, agindo no mercado de hedge e investindo em títulos de Tesouro.

'Governados pelo medo'

"Estou confiante que esse plano não vai funcionar, independentemente de quanto dinheiro (os governos) puserem. O euro vai desabar", afirmou ele. "Os mercados estão sendo governados pelo medo."

A âncora da BBC Martine Croxall disse que todos no estúdio estavam surpresos com as declarações. "Agradecemos sua sinceridade, mas (a atitude dos mercados) não nos ajuda muito, não?"

Rastani respondeu: "Essa crise é como um câncer. Se esperarmos, vai ser tarde demais. O que digo para as pessoas é: preparem-se. Não pensem que o governo vai consertar. Quero ajudar as pessoas, elas precisam aprender a fazer dinheiro com isso. Primeiro, protegendo seus ativos. Em menos de 12 meses, ativos de milhões de pessoas vão desaparecer".

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Piratas de Berlim


O Partido Pirata da Alemanha conseguiu pela primeira vez representação num parlamento estadual no país - com 8,9% dos votos, elegeu representantes no Parlamento da cidade-Estado de Berlim. Seus membros conquistaram apoio dos jovens após uma campanha que abandonou a posição monotemática, em prol de maior direito à privacidade na internet, e incorporou bandeiras da esquerda. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.

De repente “Piratas do Caribe” voltou a entrar em cartaz em Berlim.
Mas não era bem o filme estrelado por Johnny Depp. Nem os piratas eram propriamente do Caribe. Eram, na verdade, de Berlim. Mais precisamente, eram 15. Não só sobreviveram, como ganharam a parada. Todos, sem exceção.

Eram os 15 candidatos do Partido Pirata.

Saíram do zero. O partido não tinha um único deputado na Câmara de Representantes de Berlim. Nas primeiras pesquisas, apareciam com um, dois por cento das intenções de voto. Como não tinham dinheiro, não contrataram uma empresa de marketing para fazer a propaganda do partido. Fizeram eles mesmos os cartazes, as fotos, as palavras de ordem. E passaram a pendurar seus cartazes nos postes, tímidos em meio à euforia e ao ar de certeza profissional dos grandes partidos e de seus marqueteiros.

Mas a coisa veio vindo. Os números foram subindo. Na saída de agosto já estavam com 4,5% nas intenções de voto. Na entrada de setembro dobraram o Cabo da Boa Esperança, e para frente, a caminho das Índias, quer dizer, a caminho da Alexanderplatz, onde fica a Rothaus, sede do parlamento de Berlim. Chegaram a 5,5% das intenções de voto.

O sistema de votação na Alemanha e em Berlim é complicado. O eleitor tem três votos: um para o Conselho Distrital (que elege o Prefeito Regional), outro para o Representante do Distrito na Câmera de Representantes (Berlim é uma cidade-estado, assim como Hamburgo e Bremen) e ainda um voto num partido, que define um quociente eleitoral a partir do qual os partidos podem indicar novos representantes, além dos eleitos nos distritos para a Câmara Maior.

Essa Câmara de Representantes vota o prefeito, e depois aceita a indicação de senadores, que formam um colegiado para governar a cidade com o prefeito. Mas para ter direito a colocar representantes na Câmara, cada partido deve obter no mínimo 5% dos votos válidos.

Como o voto é facultativo, nunca se sabe como será o quociente, nem o número exato de deputados até o final da apuração. Mas com 5,5% era certo que o Partido Pirata teria representantes na Câmara. Talvez três, talvez quatro deputados, num oceano de mais de 150 cadeiras. Mas já seria o suficiente para fazer uma marolinha.

Porém... enquanto o Partido Pirata enfunava suas velas, todos os outros faziam água. Um deles, o FDP, naufragava fragorosamente. O FDP – Freie Demokratische Partei – que a Deutsche Welle traduz por Partido Liberal Democrático – é o DEM daqui, sem ter sido PFL, isto é, sem ter sido coronelista: é o partido dos profissionais liberais, dos novos empresários que não querem pagar impostos, dos patricinhos (os patriciões votam na CDU, União Democrata Cristã, da chanceler Ângela Merkel), dos escovadinhos. E é o partido colega da CDU (sigla em alemão) e da CSU (União Social Cristã, da Baviera) no governo federal.

Pois o FDP seguia por água abaixo, passando a cláusula de barreira dos 5%, mas na outra direção, rumo ao Cabo das Tormentas, perdendo as cadeiras que tinha antes. A CDU da chanceler ensaiava uma recuperação, mas subia pouquinho, não captando nem os votos que abandonavam o navio do FDP. Acabaria subindo de 21,3% dos votos para 23,4%, acrescentando magras duas cadeiras à sua representação, chegando a 39 deputados em 152 (número final).

Entrementes, havia uma verdadeira regata disputadíssima entre o Partido Social Democrata (SPD), o Partido Verde (PV) e a Linke (A Esquerda). O SPD seria o mais votado, certamente, mas longe da maioria absoluta. Antes da votação, governava em coligação com a Linke. Mas SPD e Linke vinham perdendo intenções de voto. O PV, por sua vez, crescera muito, em Berlim e na Alemanha, depois do desastre de Fukushima, a tal ponto que sua líder, Renate Künste, era descrita como uma rival potencial de Klaus Wowereit, o popularíssimo prefeito de Berlim (do SPD), homossexual declarado desde sempre, que concorria ao terceiro mandato (acabou conseguindo).

Porém, à medida que as pesquisas deixavam o oceano pacífico, ainda distante do dia da eleição (18 de setembro), e entravam nas agitadas águas de setembro, o PV também entrou a fazer água. Tendo chegado a ter 25% de intenções de voto, caiu abaixo dos 20%, terminou com 17,6%. Assim mesmo, com 30 cadeiras, é o mais forte candidato a ser o próximo parceiro do SPD no Senado, isto é, no executivo da cidade.

SPD e Linke acabaram em quedas suaves: o SPD, de 53 cadeiras para 48, e a Linke, de 23 para 20. Assim mesmo, a Linke caiu na cachoeira, porque com a diminuição deixou de ser parceira conveniente para garantir uma maioria na Câmara, e deve ceder o lugar para o PV. Assim mesmo, Gregor Gysi, seu líder no Bundestag (Parlamento Federal), reagiu com bom humor: “somos um bom partido na situação, também somos na oposição”.

Já com os Piratas, a situação foi inteiramente outra. Seu barquinho virou uma caravela, sua propaganda amadora ganhou a simpatia até de quem não votava neles, descrita como bem humorada, inteligente e autêntica. Acabaram com 8,9% dos votos, e quase criaram um problema legal e inédito na eleição: tivessem mais votos, não teriam candidatos suficientes para preencher as cadeiras a que teriam direito. Piratearam votos de todos os partidos, sem exceção, até da CDU e do FDP, segundo as pesquisas. Têm agora 15 cadeiras em 152, praticamente 10%, o suficiente para provocar algumas marés.

Na verdade, os Piratas acabaram navegando de uma posição monotemática, a liberdade de expressão e o maior direito à privacidade na internet, em direção à incorporação de bandeiras à esquerda: acabar o imposto eclesiástico (“privatizemos as religiões”, dizia um cartaz), adoção de um salário mínimo (que não existe na Alemanha, e até o momento só a Linke abraçava essa causa do movimento sindical, inclusive o que apóia tradicionalmente o SPD), tornar gratuito o transporte público, causas ambientais e, para alegria do senador Suplicy, a adoção de uma renda mínima para os berlinenses.

Essas bandeiras foram simpáticas sobretudo para os jovens, setor que mais padece com o desemprego, mesmo na próspera Alemanha, e, também segundo as pesquisas, eles atraíram para as urnas 21 mil navegantes, quer dizer, votantes que antes desprezavam o voto. Além disso, forçaram o discurso dos Verdes, de quem tiraram o maior contingente de votos, a ir mais para a esquerda.

Bons ventos acolham esse novo partido.



Fotos: http://www.piratenpartei.de/

domingo, 4 de setembro de 2011

Assange continua em prisão domiciliar

Julian Assange não matou nem torturou ninguém. Ele não roubou os recursos naturais de outros povos. Ele não mentiu para iniciar uma guerra que resultou em mais de cem mil mortes. Nada disso. As bizarras acusações usadas contra o líder do Wikileaks já foram negadas até pelas próprias acusadoras, mesmo assim ele permanece em prisão domiciliar e sob vigilância na Inglaterra (O uso de pretextos absurdos só incrimina mais ainda as autoridades britânicas). Apesar da vigilância das autoridades, Assange recentemente abriu para o público um novo bloco de mensagens secretas, que estavam sendo retidas pelos jornais que tinham com ele um tipo estranho de parceria. Grandes pedaços dos documentos originalmente vazadas por Bradley Manning vinham sendo ocultados, mas em meio a ondas de indignação de certos setores, isso mudou.

Manning também não torturou nem matou, mas expôs centenas de milhares de crimes de estado. Casos de tortura, de abuso, de mentiras, de assassinatos em massa cometidos pelas pessoas que comandam países. Todos os criminosos de guerra (e toda guerra é criminosa) envolvidos continuam soltos, muitos deles seguem cometendo estes mesmo crimes, enquanto isso, por exporem a verdade, Manning está preso, em isolamento, sem julgamento e sem defesa, e Assange tem os movimentos monitorados pela polícia e a CIA.

Como esperam que acreditemos nos noticiários? Como esperam que acreditemos nos governos?

A reportagem abaixo relata uma web-conferência de Assange com ativistas brasileiros ocorrido recentemente. Vale a pena


Paz
Alexei

Julian Assange: A grande verdade é a verdade sobre mentiras


O criador e porta-voz do WikiLeaks, Julian Assange, se apresentou em teleconferência a uma plateia completamente atenta durante a abertura do Info@trends, nesta quinta-feira, 1º, em São Paulo (SP). O WikiLeaks é uma organização transnacional, sem fins lucrativos, sediado na Suécia, que publica documentos, informações confidenciais (hackeadas de governos e empresas) e fotos.





Lançado em 2006, o WikiLeaks já divulgou mais de 2 milhões de documentos e se tornou fornecedor de informação bruta para veículos mundiais como os jornais The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos) e revistas como a Der Spiegel (Alemanha).

No Brasil, o WikiLeaks mantém parceria com a agência de jornalismo investigativo Pública, dirigida por Natália Viana e citada por Assange como a representante do WikiLeaks no País.
A seguir, os principais pontos abordados por Assange durante sua apresentação no evento:

Prisão domiciliar

Julian Assange é mantido em prisão domiciliar em Diss, cidade a 146 km de Londres, e é constantemente monitorado - por meio de uma tornozeleira eletrônica, pela CIA, dos Estados Unidos, e pelo serviço secreto britânico. Isso não o impede de manter a comunicação com o mundo e com os seus seguidores - pelo menos 23 organizações semelhantes ao WikiLeaks foram criadas ao redor do globo inspiradas pelo projeto do sueco. “É triste não poder estar com vocês. Queria muito ir ao Brasil”, disse o ativista ao iniciar a transmissão da teleconferência para a plateia brasileira.

Assange fez questão de fazer uma correção: ao abrir o evento, o porta-voz da Info@trends fizera um ligeiro resumo sobre o criador do WikiLeaks, inclusive sobre a acusação pela qual o ativista é mantido em prisão domiciliar: “Não fui acusado de nada, nunca!”, afirmou Assange. “E essa contradição (de estar detido sem acusação) é uma das razões pela qual estamos (ele e as demais pessoas envolvidas com o WikiLeaks) nessa situação (sob pressão)”.

Estado de Direito

“O Estado de Direito tem fracassado no Ocidente e em todos os lugares. Há uma violação sistemática do Estado de Direito”, afirma Assange. Em 2008, o WikiLeaks começou a publicar uma série de documentos, inclusive sobre contas secretas (off-shore) mantidas nas Ilhas Cayman, no Banco Julius Baer que, segundo o ativista, é um banco especial usado para esconder ativos de pessoas e empresas com depósitos mínimos a partir de US$ 1 milhão.

“O banco tentou acabar com o WikiLeaks e perdeu. O jornal The New York Times, a rede CBS e mais 23 empresas de mídia e universidades nos ajudaram”, conta o ativista. O Banco Julius Baer, diz Assange, está baseado em pequenas ilhas cujas legislações são incompatíveis com os princípios democráticos. “São contas off-shore, de dinheiro lavado”, diz.

Em Guantánamo (Cuba), o governo norte-americano mantém centenas de presos sem a menor observância do Estado de Direito - sem direito a processos judiciais, sem direito a visitas, sem direito à defesa. “É a forma usada pelos Estados Unidos para esconder as pessoas e afastá-las do Estado de Direito”, afirma Assange. Dessa forma, diz, o poder (governo, empresas e pessoas) esconde dinheiro numa ilha (Cayman) e pessoas em outra (Guantánamo).

“Muitas pessoas entram no governo para montar redes de informação e de vigilância fora do Estado de Direito. É o ‘Estado das Sombras’, sistema que coloca ativos, justiça, interesses e poder fora das vistas (das pessoas e da sociedade civil)”, diz Assange.

Mídia

No início deste ano, o WikiLeaks publicou milhares de telegramas. Entre o material publicado, havia uma série de telegramas da embaixada dos Estados Unidos na Bulgária sobre aquele país. A embaixada norte-americana de Sofia detalhava o quanto a corrupção estava entranhada no governo búlgaro. “Mas, de um telegrama de 1 mil palavras, a matéria do jornal The Guardian cortou 2/3 e retirou toda a informação sobre os corruptos da Bulgária. O Guardian cortou as informações para tentar controlar e esconder do povo búlgaro as informações do governo daquele país”.

O que aconteceu?, se pergunta Assange. Ele mesmo responde: “Os grupos de mídia do Ocidente, do The New York Times ao The Guardian editam e veiculam as informações que passamos que encobrem criminosos sem nos dar feedback”, afirma. “Por que isso acontece?”, pergunta.

“Quando falei com o editor do The Guardian, ele admitiu que o jornal não poderia dar os nomes de empresas e de pessoas (da Bulgária) que poderiam processar o jornal. Ou seja, as atividades das pessoas ricas e corruptas não são relatadas e detalhadas e das pessoas pobres e sem poder são”.

Assange diz que caso equivalente ocorreu com o jornal The New York Times: sobre a informação de um carregamento de componentes de mísseis da Coréia do Norte para o Irã, de um documento de 62 páginas, o jornal deu apenas dois parágrafos, relata. Outra informação, sobre a força tarefa 373 (forças especiais dos Estados Unidos), que detalha a morte de mais de 2 mil pessoas no Afeganistão, uma verdadeira lista de assassinatos, também foi derrubada pelo The New York Times. “Enquanto a revista (alemã) Der Spiegel transformou a informação em matéria de capa, no New York Times os editores derrubaram a reportagem”, diz Assange. “A visão dos marxistas das décadas de 60 e de 70 da América Latina, com descrições caricaturais (sobre a manipulação) do New York Times e da Secretaria de Estado dos Estados Unidos, portanto, estava correta”, avalia.

Corrupção e perda de moeda

Em 2007, Assange divulgou documentos sobre o Quênia (país no qual também viveu). Esses documentos comprovavam que Moi (Daniel Arap Moi, que governou o país por 18 anos) roubou US$ 3 bilhões do Tesouro queniano para investir em bancos suíços, de Londres e de Nova York, afirma o ativista. “Esse tipo de corrupção é pior do que a corrupção doméstica (quando o dinheiro passa de uma empresa para outra dentro do país) porque significa que as divisas saem de um país para outro. O dinheiro que é roubado de um país pobre é transferido para outro país rico e é uma perda de divisas para o país pobre (Quênia)”.

Assange diz que esse tipo de transação no Quênia aumentou ainda mais a pobreza do país porque a moeda queniana foi desvalorizada porque foi convertida em dólar norte-americano, francos suíços e libra esterlina. “Ingleses, suíços e americanos ficaram mais ricos”, afirma. O criador do WikiLeaks assegura que entre US$ 140 milhões e US$ 900 milhões são enviados dos países pobres para a Europa e Estados Unidos todo ano para bancos na Suíça, Londres e Nova York.

Preservação de fontes

Sobre as acusações de revelar nomes de fontes que dão acesso aos documentos confidenciais, Assange garante que jamais o WikiLeaks procedeu dessa forma. “Manter nossas fontes no anonimato é o nosso maior valor. Mas, as fontes são apenas metade da equação. Ao longo dos últimos anos, a oferta de informações e de fontes não tem sido um problema, e sim a forma como a informação é publicada. “Jamais revelamos o nome de uma fonte e não há informação oficial de que tenhamos feito isso”. Temos que dar os nomes de criminosos, de espiões, de acionistas e de políticos. Quem faz o que a quem”, diz.

No ano passado, divulgamos o nome de mais de 150 mil pessoas que foram mortas pela atividade dos Estados Unidos por meio da CIA, das forças especiais e do Exército americano. “Não existe acusação de qualquer fonte oficial de que tenhamos causado a morte de uma única pessoa em qualquer país”, afirma.

Crowdsourcing

Cerca de 134 mil despachos diplomáticos dos Estados Unidos foram divulgados via crowdsourcing e, para Assange, as pessoas já entenderam a importância do material obtido e compartilhado pelo WikiLeaks. “O WikiLeaks se tornou importante e atrai a comunidade digital. As pessoas tuitam e compartilham nossas informações. Dezenas de milhares de histórias são descobertas e compartilhadas.

O ativista diz que parte das informações é divulgada pela grande imprensa, mas uma grande parte é disseminada pelas redes sociais. E recorda um dos casos mais eloquentes do WikiLeaks: as fotos de um helicóptero Apache, dos Estados Unidos, que assassinaram dois jornalistas da Reuters. Isso foi divulgado em abril do ano passado e foi a partir daí que o WikiLeaks atingiu a dimensão global e importância mencionada por Assange.

Mais recentemente, a divulgação de informações do Oriente Médio pelo WikiLeaks deu origem, segundo Assange, à Primavera Árabe, que derrubou o governo egípcio e tunisiano e ainda continua a repercutir na Líbia e na Síria.

A verdade

O porta-voz do WikiLeaks recorre à Física Teórica (sob a qual é formado) para, por meio da epistemologia, definir o que é a verdade: “Como você sabe o que você sabe? Como garantir que você não está se enganando? Podemos jamais saber a verdade a não ser que consigamos derrubar as mentiras que estão por detrás da verdade. Você sabe que é mentira quando os lados A e B entram em contradição. A grande verdade é a verdade sobre as mentiras”, filosofa.

Futuro

A previsão de Assange para o futuro pode ser sombria ou não, conforme o ângulo. Um bom paralelo para isso são as recentes manifestações de Londres. O ativista critica a cobertura da BBC “que não ouvir um único manifestante” e diz que o governo do Reino Unido agiu exatamente como o Egito: tentou calar as redes sociais e até mesmo controlar o que era compartilhado pela internet.

O que pode acontecer, diz Assange, é que surjam formas de controle cada vez mais agressivas para tentar controlar as pessoas (nas redes sociais), com o Estado que monitora completamente os passos de cada pessoa.

Ou ainda o controle econômico, como o feito por empresas como Visa, Mastercard, Bank of America e PayPal que, a pedido de Washington (governo norte-americano), não aceitam receber doações para o WikiLeaks. “Você, que mora em São Paulo, não pode usar seu cartão Visa para contribuir com o WikiLeaks. Ou seja, Washington determina o que você pode fazer com o seu dinheiro”, diz o ativista.

A previsão não sombria para o futuro antevista por Assange é um sistema de direito que permita às pessoas se comunicarem com a garantia de privacidade, sem controle ou vigilância do Estado. “Todo avanço da civilização se baseia no desenvolvimento de nossos registros intelectuais que são, além de registrados, compartilhados. Se pudermos capturar isso e seguir em frente, teremos a civilização mais humana e civil que a Terra já viu”, afirma.

Redação com Meio & Mensagem