quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Piratas de Berlim


O Partido Pirata da Alemanha conseguiu pela primeira vez representação num parlamento estadual no país - com 8,9% dos votos, elegeu representantes no Parlamento da cidade-Estado de Berlim. Seus membros conquistaram apoio dos jovens após uma campanha que abandonou a posição monotemática, em prol de maior direito à privacidade na internet, e incorporou bandeiras da esquerda. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.

De repente “Piratas do Caribe” voltou a entrar em cartaz em Berlim.
Mas não era bem o filme estrelado por Johnny Depp. Nem os piratas eram propriamente do Caribe. Eram, na verdade, de Berlim. Mais precisamente, eram 15. Não só sobreviveram, como ganharam a parada. Todos, sem exceção.

Eram os 15 candidatos do Partido Pirata.

Saíram do zero. O partido não tinha um único deputado na Câmara de Representantes de Berlim. Nas primeiras pesquisas, apareciam com um, dois por cento das intenções de voto. Como não tinham dinheiro, não contrataram uma empresa de marketing para fazer a propaganda do partido. Fizeram eles mesmos os cartazes, as fotos, as palavras de ordem. E passaram a pendurar seus cartazes nos postes, tímidos em meio à euforia e ao ar de certeza profissional dos grandes partidos e de seus marqueteiros.

Mas a coisa veio vindo. Os números foram subindo. Na saída de agosto já estavam com 4,5% nas intenções de voto. Na entrada de setembro dobraram o Cabo da Boa Esperança, e para frente, a caminho das Índias, quer dizer, a caminho da Alexanderplatz, onde fica a Rothaus, sede do parlamento de Berlim. Chegaram a 5,5% das intenções de voto.

O sistema de votação na Alemanha e em Berlim é complicado. O eleitor tem três votos: um para o Conselho Distrital (que elege o Prefeito Regional), outro para o Representante do Distrito na Câmera de Representantes (Berlim é uma cidade-estado, assim como Hamburgo e Bremen) e ainda um voto num partido, que define um quociente eleitoral a partir do qual os partidos podem indicar novos representantes, além dos eleitos nos distritos para a Câmara Maior.

Essa Câmara de Representantes vota o prefeito, e depois aceita a indicação de senadores, que formam um colegiado para governar a cidade com o prefeito. Mas para ter direito a colocar representantes na Câmara, cada partido deve obter no mínimo 5% dos votos válidos.

Como o voto é facultativo, nunca se sabe como será o quociente, nem o número exato de deputados até o final da apuração. Mas com 5,5% era certo que o Partido Pirata teria representantes na Câmara. Talvez três, talvez quatro deputados, num oceano de mais de 150 cadeiras. Mas já seria o suficiente para fazer uma marolinha.

Porém... enquanto o Partido Pirata enfunava suas velas, todos os outros faziam água. Um deles, o FDP, naufragava fragorosamente. O FDP – Freie Demokratische Partei – que a Deutsche Welle traduz por Partido Liberal Democrático – é o DEM daqui, sem ter sido PFL, isto é, sem ter sido coronelista: é o partido dos profissionais liberais, dos novos empresários que não querem pagar impostos, dos patricinhos (os patriciões votam na CDU, União Democrata Cristã, da chanceler Ângela Merkel), dos escovadinhos. E é o partido colega da CDU (sigla em alemão) e da CSU (União Social Cristã, da Baviera) no governo federal.

Pois o FDP seguia por água abaixo, passando a cláusula de barreira dos 5%, mas na outra direção, rumo ao Cabo das Tormentas, perdendo as cadeiras que tinha antes. A CDU da chanceler ensaiava uma recuperação, mas subia pouquinho, não captando nem os votos que abandonavam o navio do FDP. Acabaria subindo de 21,3% dos votos para 23,4%, acrescentando magras duas cadeiras à sua representação, chegando a 39 deputados em 152 (número final).

Entrementes, havia uma verdadeira regata disputadíssima entre o Partido Social Democrata (SPD), o Partido Verde (PV) e a Linke (A Esquerda). O SPD seria o mais votado, certamente, mas longe da maioria absoluta. Antes da votação, governava em coligação com a Linke. Mas SPD e Linke vinham perdendo intenções de voto. O PV, por sua vez, crescera muito, em Berlim e na Alemanha, depois do desastre de Fukushima, a tal ponto que sua líder, Renate Künste, era descrita como uma rival potencial de Klaus Wowereit, o popularíssimo prefeito de Berlim (do SPD), homossexual declarado desde sempre, que concorria ao terceiro mandato (acabou conseguindo).

Porém, à medida que as pesquisas deixavam o oceano pacífico, ainda distante do dia da eleição (18 de setembro), e entravam nas agitadas águas de setembro, o PV também entrou a fazer água. Tendo chegado a ter 25% de intenções de voto, caiu abaixo dos 20%, terminou com 17,6%. Assim mesmo, com 30 cadeiras, é o mais forte candidato a ser o próximo parceiro do SPD no Senado, isto é, no executivo da cidade.

SPD e Linke acabaram em quedas suaves: o SPD, de 53 cadeiras para 48, e a Linke, de 23 para 20. Assim mesmo, a Linke caiu na cachoeira, porque com a diminuição deixou de ser parceira conveniente para garantir uma maioria na Câmara, e deve ceder o lugar para o PV. Assim mesmo, Gregor Gysi, seu líder no Bundestag (Parlamento Federal), reagiu com bom humor: “somos um bom partido na situação, também somos na oposição”.

Já com os Piratas, a situação foi inteiramente outra. Seu barquinho virou uma caravela, sua propaganda amadora ganhou a simpatia até de quem não votava neles, descrita como bem humorada, inteligente e autêntica. Acabaram com 8,9% dos votos, e quase criaram um problema legal e inédito na eleição: tivessem mais votos, não teriam candidatos suficientes para preencher as cadeiras a que teriam direito. Piratearam votos de todos os partidos, sem exceção, até da CDU e do FDP, segundo as pesquisas. Têm agora 15 cadeiras em 152, praticamente 10%, o suficiente para provocar algumas marés.

Na verdade, os Piratas acabaram navegando de uma posição monotemática, a liberdade de expressão e o maior direito à privacidade na internet, em direção à incorporação de bandeiras à esquerda: acabar o imposto eclesiástico (“privatizemos as religiões”, dizia um cartaz), adoção de um salário mínimo (que não existe na Alemanha, e até o momento só a Linke abraçava essa causa do movimento sindical, inclusive o que apóia tradicionalmente o SPD), tornar gratuito o transporte público, causas ambientais e, para alegria do senador Suplicy, a adoção de uma renda mínima para os berlinenses.

Essas bandeiras foram simpáticas sobretudo para os jovens, setor que mais padece com o desemprego, mesmo na próspera Alemanha, e, também segundo as pesquisas, eles atraíram para as urnas 21 mil navegantes, quer dizer, votantes que antes desprezavam o voto. Além disso, forçaram o discurso dos Verdes, de quem tiraram o maior contingente de votos, a ir mais para a esquerda.

Bons ventos acolham esse novo partido.



Fotos: http://www.piratenpartei.de/

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