quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Vítima de acusação

Finalmente alguém foi para o banco dos réus por causa dos crimes da ditadura de Franco na Espanha:
Quem?
Aquele que tentou as investigar


Paz
Alexei



A Justiça espanhola no banco dos réus
A Justiça Espanhola está duplamente no banco dos réus. No banco propriamente dito estará o juiz Baltasar Garzón Real. Mas o próprio Tribunal estará sob o crivo de um julgamento, porque a motivação política das acusações contra Garzón é inequívoca. Garzón enfrenta três processos simultâneos abertos contra ele. Finalmente, comenta-se na Espanha, alguém vai ao banco dos réus por causa dos assassinatos cometidos durante a ditadura de Franco: o juiz que decidiu investigá-los. O artigo é de Flávio Aguiar

Flávio Aguiar - Correspondente da Carta Maior em Berlim

A partir desta quarta-feira a Justiça Espanhola está duplamente no banco dos réus. No banco propriamente dito estará o juiz Baltasar Garzón Real. Mas o próprio Tribunal estará sob o crivo de um julgamento, porque a motivação política das acusações contra Garzón é inequívoca.

Baltasar Garzón tornou-se mundialmente conhecido ao pedir a extradição do ex-ditador Augusto Pinochet, que fazia tratamento médico em Londres, para ser julgado na Espanha pelo assassinato de cidadãos espanhóis no Chile, durante o período ditatorial. Inicialmente a Inglaterra deteve Pinochet, que foi liberado depois. Mas o fato dele ter sido preso mostrou que não era invulnerável como pensava e se pensava, além de ter sido uma humilhação para ele e para a ex-primeira ministra Margaret Thatcher, sua amiga pessoal, que o apoiou.

Outra ação de Garzón com repercussão mundial foi movida contra personalidades norte-americanas do governo Bush pelo uso da prisão de Guantánamo para torturas e pelo seqüestro, em outros países, de acusados de práticas terroristas. A base para esse processo – depois arquivado por pressão do governo norte-americano – foi o seqüestro do chamado “Talibã Espanhol”, Hamed Abderrahman Ahmed, nascido em Ceuta, enclave da Espanha no norte da África. Assinale-se que ele também abriu investigações sobre a atuação de membros da Al-Qaeda na Espanha, bem como sobre o movimento basco ETA, acusado de terrorismo.

Garzón enfrenta agora três processos simultâneos abertos contra ele. O primeiro, que agora entra em julgamento, o acusa de prevaricação e abuso de poder na investigação sobre o chamado “caso Gürtel”. “Gürtel” é um codinome; quer dizer “cinto” em alemão, e se refere a um dos principais acusados, Francisco Correa. Trata-se de um caso de investigação sobre corrupção e tráfico de influência na obtenção de contratos públicos em Madri e em Valencia.

Os principais acusados – os empresários Correa e Pablo Crespo – estão na prisão. Porém o caso envolve altos membros do conservador PP – Partido Popular – hoje no poder. Um dos acusados era tesoureiro nacional do partido, Luis Bárcenas, braço direito do atual primeiro ministro, Mariano Rajoy. Este, aliás, não poupa críticas a Garzón, e está sob o risco das investigações respingarem nele. Em tempo: Correa era freqüentava a casa de José Maria Aznar, o antigo líder e primeiro ministro do PP, tendo sido convidado para o casamento de sua filha.

A acusação contra Garzón se refere ao fato dele ter pedido escutas e gravações das conversas entre Correa e Crespo com seus advogados. Os acusadores dizem que isso visava obstaculizar a estratégia da defesa. Garzón alega que a autorização visava descobrir o paradeiro de 20 milhões de euros do esquema de corrupção, distribuídos por bancos suíços e de outros paraísos bancários ou fiscais, e deter o esquema de lavagem de dinheiro posto em prática pela quadrilha.

Na audiência de quarta-feira, segundo o jornal El País (aliás, as reportagens desse jornal sobre esse “caso Gürtel” lhe valeram o Prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo Investigativo em 2010, um dos mais prestigiosos da Espanha), Garzón revelou que mandou extirpar das transcrições das conversas tudo o que se referia à estratégia da defesa, só mantendo o que dizia respeito à questão da lavagem e remessa de dinheiro para o exterior.

Também foi citado o fato de que o juiz que o sucedeu no caso (de sobrenome Pedreira) confirmou a autorização das escutas, e que estas foram julgadas legais pelo Superior Tribunal de Justiça de Madri. Também lembrou-se que Garzón agiu a pedido da Polícia Judiciária e da Agência Fiscal Anticorrupção.

Segundo a análise da reportagem do El País sobre a audiência, Garzón portou-se com uma desenvoltura que surpreendeu e desconcertou os advogados da acusação. Num primeiro momento ele negara-se a ser interrogado por eles. Mas seu advogado de defesa o teria convencido a concordar, coisa que ele fez. A partir daí, segundo o El País, os acusadores revelaram-se despreparados para tal enfrentamento, que, pelo visto, não esperavam.

O segundo processo contra Garzón é mais complicado ainda. Trata-se de uma ação movida por uma organização de extrema-direita, chamada de “Manos Limpias”, acusando-o de abuso de poder por ter aberto investigação sobre as circunstâncias da morte ou desaparecimento de 110 mil pessoas durante a ditadura falangista de Franciso Franco, além de ter determinado a abertura de 19 covas coletivas: numa delas, por exemplo, estariam os restos mortais do poeta Federico Garcia Lorca. O que se comenta, ironicamente, é que finalmente alguém vai ao banco dos réus por causa dos assassinatos cometidos durante a ditadura de Franco: o juiz que decidiu investigá-los...

O terceiro é, de todos, o mais ridículo: acusa Garzón de não ter-se retirado de uma investigação contra o Banco Santander, quando teria recebido dinheiro dele enquanto professor convidado, em ano sabático, na New York University, nos E. U. A. Diga-se, de passagem, que, em defesa de Garzón, a própria universidade nega peremptoriamente esse fato.

Se Garzón for condenado em qualquer um deles, terá sua carreira de juiz cortada por 17 anos no mínimo, ou seja, para sempre: nascido em 26/10/1955, ele está com 56 anos, e teria 73 ao término de seu ostracismo.
Uma condenação dessas faria o regozijo de muita gente, além de Aznar e Rajoy. Entre elas, de Francisco Franco e de Augusto Pinochet. Ambos devem estar no sétimo círculo do Inferno de Dante, onde jazem os violentos, assassinos e tiranos. Segundo Neruda, a pena de Franco é a de ficar acorrentado a uma cama, sob a qual passa um rio formado pelos olhos das vítimas de sua ditadura. Podemos imaginar algo semelhante para Pinochet. Ou então ele preso, com alto-falantes colados em seus ouvidos, onde ecoam por toda a eternidade os gritos dos mortos e torturados a seu mando e desmando.

Ah sim, também agradaria a M. Thatcher, que ainda vaga por aqui.


18 de Janeiro de 2012 - 17h31

Patrick Fontaine: O que pensa um banqueiro francês sobre a crise?


O acaso me levou a sentar à mesa com um dos diretores do BNP Paribas, a maior empresa da França e, segundo a revista Forbes, a maior empresa do mundo em valor de ativos, com 2.7 trilhões de dólares em 2011.

Por Patrick Fontaine Reis de Araújo*



Fui até o banco, a pedido de uma amiga, buscar alguns documentos que deveriam ser entregues no Brasil; e como voltaria ao Rio em poucos dias, poderia fazê-lo levando-os em minha bagagem de mão. Não sabia quem iria encontrar, sabia apenas que seria um funcionário do banco, que possuía relações com o Brasil e que falava português.

Um senhor de meia idade, simpático, sorridente e com um português perfeito me recebeu e levou-me até sua sala. Serviu-me um café, abriu as janelas, que davam para o prestigioso Opéra em Paris, e sentou-se à minha frente. Estranhei a localização extremamente privilegiada do local e comecei a me perguntar o quão importante na escala hierárquica do banco seria aquele homem. Em meio a conversas introdutórias e superficiais ele soltou: “Você volta pra casa em boa hora. As coisas não vão bem por aqui”. Com ar extremamente insatisfeito e angustiado começou - e não parou tão cedo - a falar sobre a crise na zona do euro.

Até então ele não imaginava que eu era economista, e muito menos que estudava o assunto, e continuou a tecer comentários marcantes. Para poder entender melhor o que estava acontecendo, ousei e perguntei qual era a função dele no banco. Tratava-se do diretor do departamento de empresas e instituições, que segundo ele próprio, decide a alocação de recursos em empresas de todo o mundo, inclusive na Grécia. Entendi então o porquê de tanto inconformismo. Era um dos 10 mais importantes executivos do banco e estava diretamente envolvido na tragédia greco-econômica que ocorria naquele momento. Apressei-me e comecei a tomar nota.

Lembro-me de tê-lo ouvido dizer (e anotei em letras maiúsculas), repetidas vezes, que os 350 milhões de euros aplicados na Grécia estavam perdidos, e que sabia onde estavam: “do outro lado dos Alpes!”. O diretor fazia referência à Suíça, dando a entender que o dinheiro estava nas contas bancárias suíças de donos de empresas tomadoras de empréstimo gregas. Disse-me que havia na Grécia 5000 pessoas com renda superior a 100.000 euros mensais, e que muitas - aquelas ligadas ao setor de navegação - não pagavam um centavo de impostos. De fato o diretor tinha razão: estranhamente a legislação grega concede isenção de impostos aos proprietários de embarcações, suas famílias e seus sócios, lembrando que a Grécia é líder mundial neste setor.

Afirmou que o BNP teria sido ‘’convidado’’ pelo governo francês a não vender nenhum dos ativos aplicados na Grécia, sob risco de agravamento da crise Acrescentou argumentando que as medidas de austeridade recentemente impostas seriam um suicídio econômico e levariam a economia grega à bancarrota, devido ao efeito negativo sobre a demanda. Com ousadia admirável, sugeriu que a dívida soberana da Grécia fosse reduzida à metade sem ônus ou imposições alguns para o Estado. Disse ainda que a crise afetava diretamente a todos no banco, inclusive os funcionários mais básicos, que recebiam em participações acionárias, as quais haviam perdido muito valor nos últimos dois anos.

O diretor se mostrou avesso às inovações financeiras recentemente desenvolvidas, tais como os hedge funds e os credit default swaps , apesar de minorar a importância dos últimos, que segundo ele têm ‘’volume financeiro insignificante’’, ao contrário dos primeiros. Criticou a ‘’estratégia norte-americana de restrição da saída de dólares’’, afirmando que tal atitude impôs restrições ao funcionamento de bancos ingleses e franceses, levando ao abandono de certas atividades que dependiam do fluxo de dólares.

Até aqui suas opiniões haviam sido surpreendentemente sensatas. O banqueiro se mostrou compreensivo quanto às falhas do atual sistema financeiro e reconheceu que as medidas de austeridade significariam perda de demanda, além de se mostrar simpático à possibilidade de redução da dívida grega, mesmo que isso implicasse enormes perdas para o banco que representa. No entanto, quando lhe perguntei qual teria sido a principal causa para a atual crise, as respostas foram na direção contrária.

Para ele, um dos maiores problemas atualmente na Europa seria a ineficácia do setor público, e citou o sistema de educação francês como um exemplo de desperdício. Os 1.600.000 de empregados fariam da Éducation Nationale o terceiro maior empregador do mundo, segundo ele algo completamente fora de proporção, vistas as dimensões da França. O Estado estaria sobredimensionado, cobrando impostos em demasia para se sustentar, o que levaria empresários a se estabelecerem no exterior para contornar esses custos: ‘’A ‘’fiscalidade’’ na França se tornou insuportável! Ganho bem minha vida, mas eu e meus colegas não agüentamos mais pagar impostos.’’

Mais uma vez o acaso me foi favorável, já que naquele momento eu estava com um dos livros que havia usado na minha dissertação na mochila: Les Dettes Illégitmes (As Dívidas Ilegítimas) de François Chesnais. Pedi permissão pra ler em voz alta um trecho que dizia que de 1986 a 2007 os impostos para as camadas mais ricas da França haviam sido reduzidos de 65% para 40%, ou seja, a tal “fiscalidade” francesa não estaria tão insuportável assim. Ele se esquivou dizendo que a redução havia sido compensada com novos impostos sobre empregadores. Seus argumentos começaram então a perder consistência, e ele mesmo percebeu isso. Passou a criticar a imigração, a ineficácia da polícia e citou Voltaire para dizer que tinha dificuldades de expor sua opinião em seu país: ‘’Quero ter o poder de poder falar!’’ Atacou também o setor privado criticando as nove semanas de férias às quais os franceses têm direito, e degringolou-se nos argumentos que se tornaram aleatórios.

Depois de mais de uma hora conversando, sem que nenhuma de suas atribuições interrompesse nossa conversa, virou-se e disse que precisava voltar a trabalhar. Voltou a sorrir, foi novamente simpático e me desejou uma boa viagem, sem esquecer-se de me agradecer pelo favor que eu iria lhe prestar.

O que se tira desse encontro? Aprendi como funciona a cabeça de um banqueiro; ou pelo menos a deste. Em primeiro lugar, percebe-se que ele não se sente responsável por nada do que aconteceu durante a crise. Depois, sua análise sobre fatos passados é razoavelmente esclarecida, se aproximando das análises da academia, com o porém de se isentar de toda e qualquer culpa. Algo alarmante é que o viés classista se mantém presente em seu discurso: ele se enxerga como o trabalhador vitimado da elite, pagador de impostos, enquanto o resto da sociedade é composta por preguiçosos interessados em abocanhar cargos públicos para não ter que trabalhar. Quando uma opinião vem impregnada por este viés, é difícil aproveitar qualquer argumento que seja.

No entanto, o que mais preocupa é projetar o comportamento deste banqueiro para o futuro. O fato de ele não reconhecer sua culpa fará com que suas escolhas continuem a ser perversas para o conjunto da sociedade. Talvez ele não aplique mais em Hedge Funds, considerando o aprendizado da crise, mas o fará em um novo instrumento financeiro que o permita ter maior lucratividade com menor esforço. É precisamente essa busca irresponsável pelo lucro que gera instabilidade nas finanças globais. Lucros sucessivos e crescentes a partir de esforços minguantes são a radiografia de uma bolha; e bolhas estouram. O banqueiro não considera as conseqüências sistêmicas de suas escolhas, e nem se espera isso dele, já que sua função é defender o interesse da empresa.

Mas durante as crises financeiras, a sociedade em conjunto é penalizada. Talvez seja a hora de começar a questionar a serventia e a coerência de um sistema bancário privado. Cada vez mais a frase do professor Robert Guttmann, da Hofstra University, me parece apropriada: “As finanças são importantes e instáveis demais para serem deixadas nas mãos dos banqueiros.” Na dos privados, pelo menos.

*Pesquisador de Desenvolvimento Tecnológico Industrial, CNPq/UFRJ