terça-feira, 31 de maio de 2011

Eleições no Peru e a mídia conservadora

Às vésperas das eleições no Peru, a mídia conservadora começa a fazer o mesmo papelão vergonhoso que vimos no Brasil. O artigo abaixo, de Brizola Neto, faz referência ao protesto de uma jornalista, ao vivo, em sua própria emissora. Ao ver a avalanche de críticas recebidas pela emissora quando o candidato de centro esquerda foi tirado do ar num discurso importantíssimo ao vivo, para a transmissão de uma reportagem sobre "rainhas da música pop", ela própria sentiu que sua emissora tinha ido longe demais.

Paz
Alexei



Jornalista protesta no ar contra TV pró-Fujimori

O vídeo aí em cima é do programa “Primero a las Ocho”, do Canal N do Peru. O canal está para o grupo que o controla – o El Comercio – como a Globonews está para a Globo.

A apresentadora Josefina Townsend protestou, no ar, contra a decisão de interromper uma transmissão ao vivo de um juramento de Ollanta Humalla pela democracia. Ela disse que houve uma chuva de protestos contra a emissora e isso não ajudou a desfazer o clima de suspeita gerado pela demissão da jornalista Patricia Monteiro, do mesmo canal, que teria sido demitida, junto com outros, por não aceitar a orientação pró-Fujimori da emissora.

Segunto o “Knight Center” da Universidade do Texas, um centro de estudos de jornalismo que está acompanhando a cobertura das eleições peruanas, “vive-se no Peru um clima pré-eleitoral de agressões e censura contra jornalistas. Vários deles foram demitidos ou tiveram que renunciar por não se alinharem com o fujimorismo.”

Um deles foi o cartunista Miguel Det, do Paru 21, outro jornal do grupo, que demitiu-se por, segundo escreveu em carta à direção do jornal, dizendo que ele não relutava “em sacrificar a verdade e aposta por deixar mais uma vez o país aos pés de ladrões e criminosos conhecidos.”

domingo, 22 de maio de 2011

Voz para a paz

O artigo abaixo não apenas clama pela paz, como aponta um caminho para ela. Que as vozes dos que clamam por paz parem de ser ignoradas ou abafadas. Além disso ele derruba um mito cuidadosamente mantido pela manipulação midiática: de que a população de Israel apóia em peso as atitudes agressivas de seu governo.

Paz
Alexei.


Israel: um manifesto pela paz

Dezenas de personalidades defendem fronteiras de 1967 e sustentam: “reconhecer Estado palestino é vital para independência de Israel”. Manifesto assinado por figuras reconhecidas nos meios intelectual, associativo, diplomático e mesmo militar israelense revela algo às vezes oculto, nos meios de comunicação tradicionais. Uma parcela expressiva da população de Israel deseja a paz com os palestinos e está disposta a lutar por ela. Setores da comunidade israelense começam a se mobilizar, em todo o mundo, para separar-se de atitudes como a do primeiro ministro Benjamin Netanyahu.

Por trás de arrogância há, muitas vezes, fraqueza. Nesta sexta-feira (20/5), o chefe de Estado israelense, Benyamin Netanyahu, descartou rispidamente uma proposta feita por seu colega norte-americano na véspera. Em discurso há muito aguardo, sobre as relações entre Estados Unidos e Oriente Médio, Barack Obama tocara num ponto-chave para esvaziar as tensões que marcam a região. Sugerira que Israel reconheça o Estado palestino e retorne às fronteiras que prevaleciam até a guerra de 1967 – as mesmas aceitas por dezenas de países. Um dia depois, ambos reuniram-se, na Casa Branca. Após o encontro, ao conceder entrevista coletiva, frente a frente com Obama, Netanyahu afirmou: estas são “fronteiras da ilusão”.

Um documento publicado no mesmo dia, no New York Times, revela: a posição expressa com soberba pelo primeiro-ministro é cada vez mais fraca no mundo — e também em Israel. Dezenas de personalidades – reconhecidas nos meios intelectual, associativo, diplomático e mesmo militar israelense – endossaram abaixo-assinado em que expressam posição muito semelhante à de Obama.

O documento revela algo às vezes oculto, nos meios de comunicação tradicionais. Uma parcela expressiva da população de Israel deseja a paz com os palestinos e está disposta a lutar por ela. Esta postura tem, ainda, pouca expressão institucional – inclusive devido às características muito peculiares do sistema político [veja 1 2 3 textos no Diplô Brasil]. Mas se manifesta num conjunto crescente de iniciativas cidadãs.

Articulado pela OnG norte-americana JStreet, o manifesto publicado no New York Times deflagra um processo que poderá se tornar marcante, nos próximos meses. Setores da comunidade israelense começam a se mobilizar, em todo o mundo, para separar-se de atitudes como a de Netanyahu, e afirmar claramente seu apoio a uma paz justa. Este movimento tem raízes também no Brasil.

Leia a seguir o manifesto, firmado, entre outros, por cerca de 40 intelectuais e escritores premiados, incluindo 27 contemplados com o Prêmio Israel; mais de vinte militares de alta patente, incluindo 18 generais da Reserva; cinco ex-embaixadores, cônsules-gerais e diretores do Ministério das Relações Internacionais; mais de 5 reitores e ex-reitores universidades. A tradução é de Cauê Ameni e o documento, com seu formato original e lista de signatários pode ser encontrado no site J Street. (A.M)

O reconhecimento do estado Palestino baseado nas fronteiras de 1967
é vital para a existência de Israel


“Nós, cidadãos israelenses, nos dirigimos ao público para apoiar o reconhecimento de um Estado palestino democrático, como condição para acabar com o conflito e chegar ao acordo sobre as fronteiras, baseadas nas de 1967. Reconhecer o estado Palestino é vital para a existência de Israel. É a única maneira de garantir a resolução do conflito através de negociações, para prevenir a erupção de outra onda de violência em massa, e isolamento internacional de Israel.

“A implantação bem-sucedida dos acordos requer duas lideranças, israelense e palestina, que se reconheçam uma a outra, optem pela paz e se comprometam inteiramente com ela. Essa é a única política que deixa o destino e a segurança israelenses em suas próprias mãos. Qualquer outra atitude política contradiz com a promessa do sionismo e do bem estar do povo judeu.

“Nós, os abaixo assinados, chamamos todas as pessoas que se preocupam com a paz e a liberdade, e chamamos todas as nações, para que se unam a nós na saudação à Declaração de Independência Palestina e apoiem os esforços dos cidadãos dos dois Estados para manter relações pacificas, fundadas em fronteiras seguras e de boa vizinhança. O fim da ocupação é condição fundamental para a libertação dos dois povos, a realização da Declaração de Independência de Israel e um futuro de convivência pacifica.”


Publicado originalmente em Outras Palavras

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A Espanha vai às ruas

O artigo abaixo foi escrito por Jan Martinez Ahrens, no El Pais e comenta os recentes protestos que vem incendiando a Espanha, e que a nossa mídia tem feito o possível para conseguir ignorar. Ou, ao menos, dar pouco caso dos eventos.

Paz
Alexei

PS: Segundo as últimas notícias, agora a polícia quer proibir as manifestações em Madrí e outras localidades. O tiro pode sair pela culatra. Se houver violência vai ser mais difícil manter os protestos escondidos da opinião publica mundial, e o objetivo dessa proibição é exatamente o de diminuir a sua visibilidade. Os protestos em si são pacíficos. As demandas são justas. Esperemos que tudo continue como é pra ser. Povo na rua, gente em paz, reinvindicando seus direitos, e influenciando as maneiras do mundo.


Por que o Movimento 15-M tem êxito

A ação dos partidos na campanha eleitoral foi parcialmente superada por um movimento forjado nas margens do sistema, o 15-M. Nessa época, quando os partidos geralmente passam usar mais pólvora para atrair atenção para suas propostas, um grupo de insatisfeitos e cyberativistas foi agarrando o interesse e despertar a simpatia de centenas de milhares de pessoas agitando uma mensagem cheia de revolta, utopia e um ponto (“não somos bons nas mãos de banqueiros e políticos”, proclamam)

Argumentos não lhes faltam. Dois são óbvios: a gravidade da crise, com o desemprego dos jovens de até 43%, e o desencanto com a classe política incapaz de oferecer um discurso envolvente aos seus eleitores e cheio de líderes e aqueles que só estão interessados em fazer afirmações sem possibilidade de questionamento e não mostram qualquer escrúpulo para incluir na lista (fechada) réus em casos de corrupção, e até mesmo mistura-los nas arenas de touros (referência a um comício da direita espanhola na Plaza de Toros de Valencia)

Neste clima de erosão econômica e perda de credibilidade é adicionado um processo eleitoral fora do biorritmo real: sob o açoite da maior crise econômica da democracia perdem o interesse, principalmente nas grandes cidades, os debates municipais e regionais ( por sinal , alguém lembra de algum brilhante?). Os cidadãos têm os olhos em eleições gerais, ou seja, numa possível mudança de ciclo. Assim, a atenção do público, o espetáculo entediante e pobre que eles estavam testemunhando, levou tão rapidamente a este grupo e suas reivindicações. Em geral, são demandas muito pouco desenvolvidas, mas por isso, são próximas e fáceis de compreender. Típicas de tempos de crise decorrente da revolta de uma geração que vê sua vida presente afundar. Sob a premissa de uma revolução ética, afirmam sua fé juvenil contra os “o modelo econômico ultrapassado e antinatural”, contra o desejo e a acumulação de poder por parte de alguns, contra o desemprego, contra a “ditadura partidocrática” apontando diretamente para o PP e do PSOE.

Com esta mensagem de banda larga, o movimento foi bem jogado através da comunicação. Primeiro, entre eles, utilizando novas tecnologias, especialmente oTwitter, que lhes permitiu superar as barreiras tradicionais de convocar suas ações. Depois, conseguiu gerar um universo horizontal e consciente, permanentemente ligado e com ações imediatas. Nesse movimento gigantesco de informação, em se forjaram muitas das suas iniciativas, foram captando a atenção de milhares de pessoas, principalmente jovens, que sofrem a devastação da insegurança e do desemprego, e viram suas chances diminuírem em relação à geração de seus pais.

domingo, 15 de maio de 2011

Bahrein, Arábia-Saudita e outras não-notícias

Dizem que os terroristas de 11-9 eram sauditas...... que são os aliados dos americanos. Outros dizem que os terroristas de 11-9 eram americanos.... que são os aliados dos sauditas. Já a nossa mídia não diz nada sobre os sauditas, mas dizem tudo que os americanos querem que ela diga. O artigo abaixo é de Robert Fisk e analisa o silêncio que cerca os crimes cometidos pela última monarquia absoluta (a ditadura das ditaduras) do mundo - a casa real de Saud - em especial sua investida contra os protestos democráticos no Bahrein.

A título de ilustração vemos na foto acima um exemplo de aplicação da lei na Arábia Saudita. Uma mulher aparece recebendo 100 chibatadas pelo crime de TER SIDO ESTUPRADA.

Paz
Alexei


Por que nenhum clamor contra esses tiranos torturadores?

O que significa o silêncio dos EUA, da Inglaterra e aliados sobre o Bahrein? Que absurdo é esse? Bem, eu vou lhes dizer. Não tem nada a ver com o Bahrein ou com a família al-Khalifa. Tem tudo a ver com o nosso medo da Arábia Saudita. O que significa que também tem a ver com petróleo. Esse absurdo também está ligado a nossa recusa absoluta de lembrar que 11/09 foi cometido em grande parte por sauditas. É sobre a nossa recusa em lembrar que a Arábia Saudita apoiou os talibãs, que Bin Laden era um saudita, que a versão mais cruel do Islã vem da Arábia Saudita, a terra dos cortadores de cabeças e de mãos. O artigo é de Robert Fisk.

Christopher Hill, ex-secretário de Estado dos EUA para a Ásia Oriental e ex-embaixador no Iraque - geralmente, um diplomata estadunidense muito obediente e não-eloqüente - escreveu outro dia que "a noção de que um ditador pode reivindicar o direito soberano de abusar de seu povo tornou-se inaceitável ".

A menos, claro – e o Sr. Hill não mencionou isso – que você viva no Bahrein. Nesta pequena ilha, uma monarquia sunita, os al-Khalifa, governa uma população de maioria xiita e têm respondido aos protestos democráticos com sentenças de morte, detenções em massa, prisão de médicos para deixar os pacientes morrerem depois de protestos e um "convite" às forças sauditas para entrar no país. Eles também destruíram dezenas de mesquitas xiitas com toda a meticulosidade de um piloto de 11/09. E vamos lembrar que a maioria dos assassinos do 11 de setembro era, na verdade, saudita.

E o que nós fazemos diante disso? Silêncio. Silênciona mídia dos EUA, em grande parte silêncio da imprensa européia, silêncio do nossa próprio CamerClegg (coalizão entre o conservador David Cameron e o liberal-democrata Nick Clegg que governa atualmente a Inglaterra) e silêncio, é claro, da Casa Branca. E - vergonha das vergonhas - o silêncio dos árabes que sabem de onde vem o seu sustento. Isso significa, naturalmente, também o silêncio da Al-Jazeera. Eu apareci várias vezes em suas excelentes edições em árabe e inglês, mas a sua omissão em relação ao que está acontecendo no Bahrein é uma vergonha, um monte de merda lançada na dignidade que eles trouxeram para a cobertura jornalística sobre o Oriente Médio. O Emir do Qatar - eu o conheço e gosto muito dele - não precisa diminuir o seu império de televisão desta forma.

CamerClegg é silencioso, claro, porque o Bahrein é um dos nossos "amigos" no Golfo, um ávido comprador de armas, lar de milhares de britânicos expatriados que - durante a mini-revolução de xiitas no país - gastaram seu tempo escrevendo cartas violentas para a imprensa pró-Khalifa local denunciando os jornalistas ocidentais. E, quanto aos manifestantes, eu me lembro de uma mulher jovem xiita me dizendo que, se o príncipe apenas fosse à Praça Pearl e converssasse com os manifestantes, eles iriam carregá-lo em seus ombros ao redor da praça. Eu acreditei nela. Mas ele não foi. Em vez disso, destruiu suas mesquitas e afirmou que os protestos foram uma trama urdida pelos iranianos – o que nunca foi o caso - e destruiu a estátua da praça, deformando assim a própria história do seu país.

Obama, é desnecessário dizer, tem suas próprias razões para o silêncio. Bahrein hospeda a Quinta Frota e os EUA não querem ser empurrados para fora de seu porto pequeno e feliz (apesar de eles poderem abandonar tudo e ir para os Emirados Árabes Unidos ou Qatar a hora que quiserem) e querem defender o Bahrein de uma mítica agressão iraniana. Então você não vai encontrar a senhora Clinton, tão forte nas críticas aos abusos da família Assad, dizendo qualquer coisa de ruim sobre a família al-Khalifa. Por que diabos não? Será que estamos todos em débito com os árabes do Golfo? Eles são pessoas honradas e entendem quando a crítica é feita com boa fé. Mas não, estamos em silêncio. Mesmo quando os alunos do Bahrein na Grã-Bretanha são privados de suas bolsas porque protestaram em frente a sua embaixada em Londres, ficamos em silêncio. CamerClegg, que vergonha!

Bahrein nunca teve uma reputação de "amigo" do Ocidente, se bem que é assim que goste de ser retratado. Há mais de 20 anos, ninguém protestou contra o domínio da família real sob o risco de ser torturado na sede da polícia de segurança. O cabeça dessa força era um ex-oficial da Special Branch (divisão especial da polícia britânica), cujo superior era um pernicioso major torturador do exército jordaniano. Quando publiquei os seus nomes, eu fui recompensado com uma caricatura no jornal governista Al-Khaleej que me pintou como um cão raivoso. Cães raivosos, é claro, têm que ser exterminados. Não era uma piada. Foi uma ameaça.

A família al-Khalifa, não tem, contudo, problemas com o jornal da oposição, Al-Wasat. Eles prenderam um dos seus fundadores, Karim Fakhrawi, no dia 5 de abril. Ele morreu uma semana depois, sob custódia da polícia. Dez dias depois, prenderam o colunista do jornal, Haidar Mohamed al-Naimi. Ele não foi visto desde então. Novamente, o silêncio de CamerClegg, Obama, Clinton e o resto. A prisão e acusação de médicos muçulmanos xiitas para deixar seus pacientes morrerem - os pacientes foram baleados por "forças de segurança", é claro - é ainda mais vil. Eu estava no hospital quando estes pacientes foram trazidos, A reação dos médicos era de terror misturado com o medo - eles simplesmente nunca tinham visto ferimentos de tiros à queima à roupa antes. Os médicos foram presos e os doentes retirados suas camas de hospital. Se isso tivesse aconteci em Damasco, Homs ou Hama e Aleppo, as vozes de CamerClegg, Obama e Hillary estariam zunindo em nossos ouvidos. Mas não. Silêncio. Quatro homens foram condenados à morte pelo assassinato de dois policiais do Bahrein. Foram julgados por um tribunal militar fechado. Suas "confissões" foram ao ar no estilo da antiga televisão, soviética. Nenhuma palavra de CamerClegg, ou Obama, ou Clinton.

Que absurdo é esse? Bem, eu vou lhes dizer. Não tem nada a ver com o Bahrein ou com a família al-Khalifa. Tem tudo a ver com o nosso medo da Arábia Saudita. O que significa que também tem a ver com petróleo. Esse absurdo também está ligado a nossa recusa absoluta de lembrar que 11/09 foi cometido em grande parte por sauditas. É sobre a nossa recusa em lembrar que a Arábia Saudita apoiou os talibãs, que Bin Laden era um saudita, que a versão mais cruel do Islã vem da Arábia Saudita, a terra dos cortadores de cabeças e de mãos. È e sobre uma conversa que tive com um funcionário do Bahrein - um homem bom e decente e honesto - em que lhe perguntei por que o primeiro ministro do Bahrein não poderia ser eleito por uma população de maioria xiita. "Os sauditas nunca permitiria isso", disse ele. Sim, nossos outros amigos. Os sauditas.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Publicado originalmente no The Independent

sábado, 14 de maio de 2011

Artigo de Paul Krugman


Paul Krugman é um desses economistas estranhos que, sabe se lá por que, não costumam dizer besteira. No artigo abaixo, ele fala de modo compreensível sobre a situação econômica e os enganos persistentes da direita estadounidense nas tentativas de (des-)explicar a crise. Vale a pena.

Paz
Alexei



“Os últimos três anos foram um desastre para a maioria das economias ocidentais. Os Estados Unidos registram desemprego em massa e de longo prazo pela primeira vez desde os anos 30. Enquanto isso, a moeda comum europeia está se desmantelando. Como é que tudo saiu tão errado?

Bem, o que tenho ouvido com frequência cada vez maior das elites econômicas -homens que se declaram sábios e costumam ser respeitados quanto pontificam a respeito do tema- é que a maior parte dos problemas aconteceu por causa do público. A ideia é a de que essa confusão surgiu porque os eleitores queriam alguma coisa sem ter de pagar por ela, e políticos desprovidos de força de vontade decidiram conquistar o eleitorado ao realizar suas vontades insensatas.

Portanto, o momento parece bom para apontar que essa interpretação de que a culpa é do público não só distorce as coisas em favor da elite como está completamente errada.

A verdade é que estamos vivendo hoje um desastre que foi criado de cima para baixo. As políticas que resultaram nos problemas que vivemos não surgiram em resposta à demanda do público. Foram, com poucas exceções, políticas defendidas por pequenos grupos de pessoas influentes -o mais das vezes, as mesmas pessoas que agora estão tentando dizer aos demais cidadãos que é preciso seriedade. E ao tentar transferir a culpa à população em geral, as elites estão fracassando em realizar uma reflexão muito necessária quanto aos erros catastróficos que cometeram.

Permitam-me concentrar minha atenção ao acontecido nos Estados Unidos, e depois comentar de passagem a situação na Europa.

Hoje em dia, os norte-americanos não param de receber sermões sobre a necessidade de reduzir o deficit orçamentário. Esse foco mesmo representa uma distorção de prioridades, porque nossa preocupação imediata deveria ser criar empregos. Mas suponha que a conversa se restrinja ao deficit, e faça a seguinte pergunta: o que aconteceu ao superavit orçamentário de que o governo federal norte-americano desfrutava em 2000?

A resposta é tripla. Primeiro, vieram os cortes de impostos de Bush, que elevaram a dívida nacional norte-americana em cerca de US$ 2 trilhões nos 10 anos passados. Depois, as guerras no Iraque e Afeganistão, que custaram cerca de US$ 1,1 trilhão em dívidas adicionais. E por fim a Grande Recessão, que resultou tanto em colapso na arrecadação tributária quanto em aumentos consideráveis nos gastos com benefícios aos desempregados e outros programas de seguro social.

Quem foi responsável por todas essas decisões que causaram estouro de orçamentos? Não foram as pessoas comuns.

O presidente George W. Bush reduziu os impostos para servir à ideologia de seu partido, e não em resposta a uma imensa demanda popular -e a maior parte dos cortes beneficiou uma minoria pequena e já afluente.”

Da mesma forma, Bush escolheu invadir o Iraque porque era algo que ele e seus assessores desejavam fazer, e não por que os norte-americanos estivessem exigindo guerra contra um regime que nada teve a ver com o 11 de setembro. Na verdade, foi preciso conduzir uma campanha de vendas muito enganosa a fim de conquistar o apoio dos norte-americanos à invasão, e mesmo assim os eleitores jamais apoiaram a guerra de forma tão sólida quanto à elite política e de sabichões políticos norte-americana.

Por fim, a Grande Recessão foi causada por um sistema financeiro descontrolado, que ganhou força demais devido a uma desregulamentação imprudente. E quem foi responsável por essa desregulamentação? Pessoas poderosas em Washington, estreitamente ligadas ao setor financeiro. Permitam-me menção especial a Alan Greenspan, que desempenhou papel crucial tanto na desregulamentação financeira quanto na aprovação dos cortes de impostos de Bush -e que agora, claro, está entre aqueles que nos passam sermões quanto ao deficit.

Portanto, foi o mau juízo das elites, e não a cobiça do homem comum, que causou o deficit nos Estados Unidos. E a situação na Europa é bastante parecida.

Nem seria preciso dizer que não é isso que as autoridades econômicas europeias alegam. A história oficial na Europa hoje em dia é que os governos dos países em crise cederam mais do que deveriam às massas, prometendo demais aos eleitores enquanto arrecadavam impostos de menos. E a história, devo admitir, procede de maneira razoavelmente precisa com relação à Grécia. Mas isso não foi de modo algum o que aconteceu na Irlanda e Espanha, ambas as quais tinham dívida baixa e superavit orçamentários pouco antes da crise.

A verdadeira história da crise europeia é que os líderes do continente criaram uma moeda única, o euro, sem criar as instituições necessárias a lidar com as contrações e expansões que surgiriam na zona do euro. E o esforço por unificar a moeda europeia foi o exemplo mais claro de projeto imposto de cima para baixo, uma visão de elite imposta a eleitores fortemente relutantes.

Será que isso tudo importa? Por que deveríamos nos preocupar com os esforços para transferir aos cidadãos comuns a culpa pelas más políticas?

Uma resposta é a simples prestação de contas. As pessoas que defenderam políticas causadoras de estouros de orçamento, nos anos Bush, não deveriam ser autorizadas a agora se retratarem como parte da linha dura orçamentária; as pessoas que elogiaram a Irlanda como exemplo de gestão econômica não deveriam pregar sobre governo responsável.

Mas a resposta mais ampla, em minha opinião, é que, ao inventar sobre nossa atual situação histórias que absolvem as pessoas responsáveis por ela, estaremos perdendo a oportunidade de aprender com a crise. A culpa precisa ser atribuída a quem a merece, e nossas elites precisam arcar com os seus erros. De outra forma, causarão estrago ainda maior nos próximos anos”

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sobre a velha hipocrisia de sempre

De contradições vive o homem. A direita anti-islâmica européia que bombardeia a Libya para proteger os civís, é a mesma que trata imigrantes africanos como lixo. Como espera que acreditemos em tantas mentiras? O artigo abaixo está no blog de Brizola Neto.

Paz

Alexei.



The Guardian: Otan deixa africanos à morte no mar



A tragédia era anunciada. Não se sabia, apenas, se os refugiados africanos que cruzam o Mediterrâneo em barcos precários, fugindo dos bombardeios da OTAN e dos conflitos internos na Líbia iriam morrer às dezenas num naufrágio ou num incêndio a bordo…

A tragédia aconteceu. Não uma, mas duas delas.

A primeira, quando um barco com 72 homens, mulheres e crianças sofreu uma avaria no fim de março após deixar Trípoli, na Líbia, com destino a ilha italiana de Lampedusa. 61 deles morreram de fome e de sede, depois de 15 dias à deriva no mar.

A segunda tragédia, revelada hoje pelo jornal inglês The Guardian: eles foram vistos, mas não socorridos, pelas tropas da OTAN. Foram deixados para morrer.

O jornal ouviu os sobreviventes e fez suas próprias investigações.

Da primeira vez que os refugiados foram vistos, um helicótero militar lançou-lhes algumas garrafas d´água e biscoitos. Os dois pilotos, fardados, gesticularam que a ajuda viria. A água foi separada para os dois bebês, que morreram depois, porém.

Depois, um porta-aviões, que o The Guardian identifica como o francês Charles De Gaulle chegou tão perto deles que, segundo os sobreviventes, seria impossível não vê-los. Dois aviões decolaram dele e passaram, bem baixo, sobre o barco.

Os passageiros e a tripulação em desespero não eram líbios, mas eritreus, sudaneses, etíopes e ganenses que estavam naquele país. São negros.

A Itáliatem reclamado que está recebendo sozinha os refugiados norte-africanos.A França já fechou e abriu fronteiras para os trens que vêm do território italiano com migrantes. Outros países europeus pedem a revisão do Tratado de Schengen, que estabelece a livre circulação de pessoas e mercadorias na Europa. Lógico que a revisão não é sobre as mercadorias.

A Europa, como se sabe, está lançando bombas e mísseis sobre a Líbia para “proteger” a população civil.

Vê-se bem como se importam com ela.

PS: Mais sobre este tema em “Pobres ao mar, Madame le Pen”