segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O que siginifica "democracia" mesmo?


Por incansáveis meses a população grega protestou. Foram organizadas greves gerais que pararam o país, multidões enfurecidas gritaram diante dos prédios do governo até perderem a voz, mas nunca, em momento algum, se colocou em dúvida a permanência do primeiro ministro grego. Bastou, porém, ele sugerir uma consulta popular sobre o plano de austeridade imposta pelos bancos que em menos de uma semana ele estava fora do poder e substituído por um tecnocrata da predileção do poder financeiro. Fica a pergunta: Afinal de contas quem escolhe os governos, o povo ou os bancos?

O artigo abaixo faz o alerta: A democracia está em perigo.

Paz
Alexei


"A democracia está desaparecendo na Europa"

Na Grécia e na Itália, os líderes políticos foram substituídos por representantes dos bancos. A democracia européia se converteu em uma democracia de banqueiros. O medo das urnas leva os "mercados" a colocar marionetes dos bancos à frente do Estado. Nunca como agora a ditadura dos mercados havia forçado o destino dos povos. Para o deputado e economista alemão Michael Schlecht, do partido Die Linke, a democracia está se evaporando no Velho Continente.

Cai o primeiro ministro grego Yorgos Papandreu, substituído por um emissário do sistema bancário. Cai o Presidente do Conselho Italiano, Silvio Berlusconi, substituído por outro tecnocrata interlocutor do sistema financeiro. A crise da dívida cobrou mais do que estas duas vítimas: na Espanha modificou a agenda eleitoral, em Portugal os partidos implementaram reformas ditadas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu, na Irlanda o desastre conduziu ao mesmo beco sem saída.

A democracia européia se converteu em uma democracia de banqueiros. A vontade das maiorias foi substituída por dirigentes saídos do coração dos bancos e que jamais se expuseram ao voto nem conquistaram nunca um mandato eletivo. O medo das urnas, ou seja, que o eleitorado rejeite os ajustes e a guilhotina social, conduz a colocar marionetes dos bancos à frente do Estado. Nunca como agora a ditadura dos mercados havia forçado o destino dos povos. As agências de qualificação desfazem as maiorias eleitas e as substituem por representantes da racionalidade financeira, as contas sem déficits e artesãos da decapitação social.

A democracia européia afunda nos braços das finanças. O continente da liberdade se transformou em continente Wall Street. Gestores das finanças e dos bancos, sem a menor legitimidade democrática, chegam ao poder com o pôquer dos ajustes. O deputado e economista alemão Michael Schlecht, responsável pelo bloco parlamentar do partido Die Linke (A Esquerda) analisa nesta entrevista o transtorno das democracias européias e denuncia o papel que desempenhou o capitalismo alemão nesta mega crise. Para Michael Schlecht, a democracia está se evaporando do Velho Continente.

- A democracia Européia está sendo construída pelos bancos, não pelos eleitores que decidem por uma maioria. Para além do que pensemos deles, Papandreu e Berlusconi são as vítimas mais recentes desta nova doutrina.

- A resposta é muito simples. A democracia está desaparecendo dia após dia na Europa. Por exemplo, quando no dia cinco de junho passado se organizaram as eleições em Portugal, a Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, União Européia) pediu aos dois partidos políticos portugueses que tinham chances de ganhar as eleições que assinassem um acordo diante do qual se comprometiam em implementar as condições impostas pela Troika. Agora isso aconteceu com a Grécia e é a vez da Itália. Por conseguinte, pode-se dizer que os portugueses não tiveram eleições verdadeiramente livres. Foi usada uma arma contra eles. Na realidade, com esta política européia, a Alemanha está defendendo com unhas e dentes os interesses financeiros, os interesses do mercado. O governo de Angela Merkel tem uma atitude muito agressiva neste ponto. É uma agressão sem tanques. Mas o resultado é o mesmo.

-Isso equivale dizer que a Alemanha é hoje a grande polícia financeira da Europa. A Alemanha, junto com a França, foi a vanguarda da substituição de poderes surgidos das urnas por tecnocratas teleguiados pelos bancos.

- O que a Alemanha está fazendo é dando seu acordo ao que está ocorrendo. A Alemanha está preparando o terreno porque tem um excedente de exportações muito maior que suas importações. Nos últimos dez anos o excedente alemão alcançou um trilhão de euros. Por outro lado, este excedente gigantesco acarreta uma contrapartida da outra parte: faz com que a dívida cresça nos países importadores. Cerca de 50 ou 60% da dívida criada por esta política alemã aparece nas contas dos demais países da Europa. Todos falam da dívida na Europa, mas ninguém diz nada sobre o país que ganha muito com esta dívida. E este país é a Alemanha. A dívida dos países europeus é o resultado da política alemã no Velho Continente.

O núcleo desta política é o dumping dos salários. Nos últimos dez anos tivemos um dumping salarial que chega a 5%, e isso sem considerar a inflação. Nenhum outro país da Europa conhece uma situação semelhante derivada do dumping salarial. Esta política de dumping equivale a colocar uma metralhadora nas mãos dos capitalistas alemães. É uma arma muito destrutiva. No século passado, a Europa estava arrasada pelos tanques alemães. Agora está arrasada pela política de Angela Merkel.

- A desaparição da democracia na Europa é um fato considerável. O Velho Continente é o berço da democracia. É um péssimo exemplo para o mundo. Por acaso não é o fim do poder e dos valores da Europa sobre o resto do planeta?

-Veremos o que nos diz o futuro. Acho que no próximo ano os povos da Europa podem lutar e levantar-se em defensa dos interesses da democracia e contra os mercados financeiros. Aí teremos uma possibilidade de restabelecer a democracia na Europa. Esta é a luta da esquerda alemã neste momento.

-Você acha realmente que haverá um povo mais forte disposto a encarar a luta? Por acaso não é tarde demais, por acaso a ideologia do consumo não adormeceu as consciências?

- Acho que sob as condições que existem hoje podemos ver o surgimento de movimentos sociais fortes, como aconteceu na Grécia. A situação que encontramos na Alemanha incita a isso. A história está aberta para que os povos a escrevam.

- Que aconteceu à social-democracia europeia? Embora seu inimigo ideológico, o ultraliberalismo, tenha cometido todos os erros possíveis e tenha afundado o planeta, o discurso da socialdemocracia não tem liga, não gera confiança. É uma crise da socialdemocracia ou uma crise do eleitorado?

- As duas coisas. Estou convencido de que dentro de um futuro imediato teremos uma explosão na zona do euro. Temos que escrever nos livros de história que os socialdemocratas alemães, junto ao partido verde, foram o poder político que gerou as medidas que conduzem ao fim do euro. Os socialdemocratas e os verdes iniciaram o dumping salarial. Essa política é a responsável pelo que acontece hoje. Reconheço o drama total que há neste momento na Europa por culpa desta situação. Durante muitos, muitos anos, foi necessário que na Europa Central houvesse guerras e morte. Depois de 1945 e pela primeira vez na história, tivemos 70 anos de paz, o que é totalmente anormal. A paz neste continente é una anomalia.

Se olharmos a história da Europa notaremos que nunca antes tivemos 70 anos de paz seguidos. Agora, esta paz é o resultado dos intercâmbios de idéias e de mercadorias que se levou a cabo sob o abrigo da construção européia. Mas se este abrigo se esfacela e cai sobre a cabeça dos povos a situação se torna muito inquietante, perigosa. Talvez voltemos à mesma situação. Vamos tratar de melhorar o movimento de esquerda sob estas novas condições, vamos explicar melhor nossa política para ganhar a batalha.

Tradução: Libório Junior

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A verdade sobre a mentira


Enquanto a ONU segue seu trajeto vergonhoso de submissão e manipulação sob a pseudo-liderança do fraquíssimo Ban Ki Moon, preparando caminho para um eventual ataque ao Irã (hoje um relatório sobre a pesquisa nuclear iraniana bateu os tambores da guerra como poucas vezes na história do organismo), a verdade (bendita verdade) segue escapando pelas frestas. Os poderosos continuam achando que o povo é burro, mas logo logo veremos quem é realmente o burro nessa história.


A reportagem abaixo é didática sobre o mundo em que vivemos. Por uma semana a mídia conseguiu esconder estes fatos que já eram de seu conhecimento. Graças à internet acabaram vazando. Em outras épocas teriam conseguido esconder estes fatos para sempre.



Paz

Alexei


Da Reuters, agora há pouco:

” O presidente francês, Nicolas Sarkozy, chamou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de “mentiroso” em uma conversa particular com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que foi acidentalmente transmitida a jornalistas durante a cúpula da semana passada do G20 em Cannes.

“Eu não suporto o Netanyahu, ele é um mentiroso”, disse Sarkozy a Obama, sem saber que os microfones em sua sala de reunião haviam sido ligados, permitindo a repórteres em um local separado escutar por meio de tradução simultânea.

“Você está de saco cheio dele, mas eu tenho que lidar com ele com mais freqüência do que você”, respondeu Obama, de acordo com um intérprete francês.

A gafe técnica pode causar grande embaraço para os três líderes à medida que eles procuram trabalhar em conjunto para intensificar a pressão internacional sobre o Irã por causa de suas ambições nucleares.

A conversa não foi inicialmente divulgada pelo pequeno grupo de jornalistas que a ouviu porque ela foi considerada privada e confidencial. Mas os comentários surgiram depois em sites franceses e podem ser confirmados pela Reuters.

O aparente fracasso de Obama em defender Netanyahu deve ser aproveitado pelos adversários republicanos, que estão de olho em derrotá-lo na eleição presidencial do próximo ano e já o retrataram como sendo hostil a Israel, o principal aliado de Washington na região.

O gabinete de Netanyahu não comentou o assunto.”

sábado, 29 de outubro de 2011

Os bancos que governam o planeta

Matemáticos revelam rede capitalista que domina o mundo

Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global. A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça. Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.

Nota introdutória publicada por Ladislau Dowbor em sua página:

The Network of Global Corporate Control - S. Vitali, J. Glattfelder eS. Battistoni - Sept. 2011

Um estudo de grande importância, mostra pela primeira vez de forma tão abrangente como se estrutura o poder global das empresas transnacionais. Frente à crise mundial, este trabalho constitui uma grande ajuda, pois mostra a densidade das participações cruzadas entre as empresas, que permite que um núcleo muito pequeno (na ordem de centenas) exerça imenso controle. Por outro lado, os interesses estão tão entrelaçados que os desequilíbrios se propagam instantaneamente, representando risco sistêmico.

Fica assim claro como se propagou (efeito dominó) a crise financeira, já que a maioria destas mega-empresas está na área da intermediação financeira. A visão do poder político das ETN (Empresas Trans-Nacionais) adquire também uma base muito mais firme, ao se constatar que na cadeia de empresas que controlam empresas que por sua vez controlam outras empresas, o que todos "sentimos" ao ver os comportamentos da mega-empresas torna-se cientificamente evidente. O artigo tem 9 páginas, e 25 de anexos metodológicos. Está disponível online gratuitamente, no sistemaarxiv.org

Um excelente pequeno resumo das principais implicações pode ser encontrado no New Scientist de 22/10/2011 (e está publicado a seguir).


(*) O gráfico em forma de globo mostra as interconexões entre o grupo de 1.318 empresas transnacionais que formam o núcleo da economia mundial. O tamanho de cada ponto representa o tamanho da receita de cada uma

A rede capitalista que domina o mundo
Conforme os protestos contra o capitalismo se espalham pelo mundo, os manifestantes vão ganhando novos argumentos.

Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global.

A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça

Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.

"A realidade é complexa demais, nós temos que ir além dos dogmas, sejam eles das teorias da conspiração ou do livre mercado," afirmou James Glattfelder, um dos autores do trabalho. "Nossa análise é baseada na realidade."

Rede de controle econômico mundial
A análise usa a mesma matemática empregada há décadas para criar modelos dos sistemas naturais e para a construção de simuladores dos mais diversos tipos. Agora ela foi usada para estudar dados corporativos disponíveis mundialmente.

O resultado é um mapa que traça a rede de controle entre as grandes empresas transnacionais em nível global.

Estudos anteriores já haviam identificado que algumas poucas empresas controlam grandes porções da economia, mas esses estudos incluíam um número limitado de empresas e não levavam em conta os controles indiretos de propriedade, não podendo, portanto, ser usados para dizer como a rede de controle econômico poderia afetar a economia mundial - tornando-a mais ou menos instável, por exemplo.

O novo estudo pode falar sobre isso com a autoridade de quem analisou uma base de dados com 37 milhões de empresas e investidores.

A análise identificou 43.060 grandes empresas transnacionais e traçou as conexões de controle acionário entre elas, construindo um modelo de poder econômico em escala mundial.

Poder econômico mundial
Refinando ainda mais os dados, o modelo final revelou um núcleo central de 1.318 grandes empresas com laços com duas ou mais outras empresas - na média, cada uma delas tem 20 conexões com outras empresas.

Mais do que isso, embora este núcleo central de poder econômico concentre apenas 20% das receitas globais de venda, as 1.318 empresas em conjunto detêm a maioria das ações das principais empresas do mundo - as chamadas blue chips nos mercados de ações.

Em outras palavras, elas detêm um controle sobre a economia real que atinge 60% de todas as vendas realizadas no mundo todo.

E isso não é tudo.

Super-entidade econômica
Quando os cientistas desfizeram o emaranhado dessa rede de propriedades cruzadas, eles identificaram uma "super-entidade" de 147 empresas intimamente inter-relacionadas que controla 40% da riqueza total daquele primeiro núcleo central de 1.318 empresas.

"Na verdade, menos de 1% das companhias controla 40% da rede inteira," diz Glattfelder.

E a maioria delas são bancos.

Os pesquisadores afirmam em seu estudo que a concentração de poder em si não é boa e nem ruim, mas essa interconexão pode ser.

Como o mundo viu durante a crise de 2008, essas redes são muito instáveis: basta que um dos nós tenha um problema sério para que o problema se propague automaticamente por toda a rede, levando consigo a economia mundial como um todo.

Eles ponderam, contudo, que essa super-entidade pode não ser o resultado de uma conspiração - 147 empresas seria um número grande demais para sustentar um conluio qualquer.

A questão real, colocam eles, é saber se esse núcleo global de poder econômico pode exercer um poder político centralizado intencionalmente.

Eles suspeitam que as empresas podem até competir entre si no mercado, mas agem em conjunto no interesse comum - e um dos maiores interesses seria resistir a mudanças na própria rede.

As 50 primeiras das 147 empresas transnacionais super conectadas

Barclays plc
Capital Group Companies Inc
FMR Corporation
AXA
State Street Corporation
JP Morgan Chase & Co
Legal & General Group plc
Vanguard Group Inc
UBS AG
Merrill Lynch & Co Inc
Wellington Management Co LLP
Deutsche Bank AG
Franklin Resources Inc
Credit Suisse Group
Walton Enterprises LLC
Bank of New York Mellon Corp
Natixis
Goldman Sachs Group Inc
T Rowe Price Group Inc
Legg Mason Inc
Morgan Stanley
Mitsubishi UFJ Financial Group Inc
Northern Trust Corporation
Société Générale
Bank of America Corporation
Lloyds TSB Group plc
Invesco plc
Allianz SE 29. TIAA
Old Mutual Public Limited Company
Aviva plc
Schroders plc
Dodge & Cox
Lehman Brothers Holdings Inc*
Sun Life Financial Inc
Standard Life plc
CNCE
Nomura Holdings Inc
The Depository Trust Company
Massachusetts Mutual Life Insurance
ING Groep NV
Brandes Investment Partners LP
Unicredito Italiano SPA
Deposit Insurance Corporation of Japan
Vereniging Aegon
BNP Paribas
Affiliated Managers Group Inc
Resona Holdings Inc
Capital Group International Inc
China Petrochemical Group Company

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Plebiscito no Chile pede Educação Pública

Enquanto isso... no chile a população dá seu apoio à educação pública nas ruas e praças, pacificamente e incansável. O país está mobilizado em defesa da escola popular, igualitária, justa, gratuita, progressista, agregadora, inclusiva e livre das garras do lucro.

Que os ouvidos se abram para sua voz estudantil. Viva Chile.


Paz
Alexei


Chile: mais de 87% votam por educação gratuita e de qualidade
Cerca de 87% dos votantes no referendo educacional votaram pelo “sim” nas quatro perguntas formuladas no sufrágio, que consultaram a população sobre se ela estava de acordo com um ensino público gratuito e de qualidade, sobre o fim do lucro na educação, o retorno da educação para as mãos do Estado e a incorporação do plebiscito vinculante como mecanismo para resolver problemas de caráter nacional. A reportagem é de Christian Palma.

Christian Palma - Correspondente da Carta Maior em Santiago do Chile

Mesmo com o governo afirmando que o plebiscito cidadão pela educação não tinha validade, os chilenos participaram em massa da consulta. Na noite de quarta-feira, foi anunciado o resultado: 87% dos votantes no referendo educacional votaram pelo “sim” nas quatro perguntas formuladas no sufrágio, que consultavam a população sobre ela estava de acordo com um ensino público gratuito e de qualidade e se estavam a favor da desmunicipalização da educação secundária pública, ou seja, de seu retorno às mãos do governo federal. As outras perguntas eram sobre a eliminação do lucro na educação e sobre a necessidade de incorporar o plebiscito vinculante como mecanismo para resolver problemas de caráter nacional.

Após anunciar o resultado do plebiscito, o presidente do Colégio dos Professores, Jaime Gajardo, detalhou que 1.027.569,00 pessoas votaram nas mesas e outros 394.873 o fizeram pela internet, enquanto que 30 mil foram desconsiderados por serem votos repetidos. “Quanto às porcentagens, 87,15% votaram pelo Sim e 11,2% pelo Não”, precisou Gajardo, que destacou a participação na Região Metropolitana, onde votaram 530.811 pessoas; Puerto Montt, com 60.165 votantes; Valparaíso, 101.138; Concepción, 115.080 votos; Iquique, 15.384 e Magallanes, 6.298 pessoas.

O dirigente acrescentou que, agora, todas as atas serão reunidas, região por região, e serão organizadas no Colégio de Professores para quem quiser ver e consultar os resultados. “Foi feito um trabalho profissional de primeiro nível. Segundo os especialistas, se há algum erro ele é marginal, não mais do que 2%. O importante foi a quantidade de pessoas que participou e a tendência majoritária, contundente, inclinada e muito precisa, dizendo Sim a que haja no país uma educação gratuita; queremos que a educação não sirva para gerar lucros; queremos que haja um plebiscito vinculante para resolver esses grandes temas”, defendeu Gajardo.

Neste cenário, o Colégio de Professores e os estudantes confirmaram uma nova mobilização nacional para os próximos dias 18 e 19 de outubro, na qual se pretende marchar desde quatro pontos distintos de Santiago até a Praça Itália, lugar tradicional de manifestações na capital chilena. O governo chileno afirmou que não autorizará novas marchas, em uma clara tentativa de relacionar as manifestações com os fatos de violência protagonizados por jovens encapuzados que não estão relacionados diretamente com o movimento estudantil. Seja como for, os estudantes chilenos já disseram que não ficarão de braços cruzados.

Neste cenário, a porta-voz da Confederação de Estudantes do Chile (Confech), Camila Vallejo, assinalou que a jornada de 18 de outubro será preparatória para a grande marcha do dia 19. Começará às 11 horas da manhã quando uma delegação irá ao Palácio La Moneda para entregar os resultados oficiais do plebiscito. Neste mesmo dia, às 21 horas, haverá um novo panelaço e ocorrerão assembleias locais em todo o país para seguir lutando por uma melhor educação.

No dia 19, a marcha deve iniciar às 10 horas da manhã, a partir de quatro pontos distintos da Região Metropolitana. “Conversaremos outra vez com a Prefeitura e pediremos que não tentem esconder o movimento”, disse Camila Vallejo. A dirigente estudantil, avaliada como uma das três figuras políticas com mais futuro no país, respondeu ao ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, que chamou os parlamentares para aprovar o projeto de lei denominado “anti-ocupações” – que pretende penalizar as ocupações de colégios e universidades – dizendo que “não aceitaremos que nosso país seja governado por saqueadores, nem que as ruas sejam tomadas por eles”. A resposta de Camila foi curta e grossa: “os saqueadores já estão governando o país”.

“O ministro (Hinzpeter) está equivocado porque os grandes saqueadores estão governando o país, são os mais ricos. Precisamos que os verdadeiros saqueadores paguem a educação para os mais pobres”. Ela acrescentou que “o movimento estudantil está em sua plena primavera”, reafirmando o chamado à manutenção da mobilização.

“Este movimento segue vivo e com força, segue sendo capaz de mobilizar-se e manter-se firme neste processo, porque nada foi solucionado. O governo não colocou nenhuma solução sobre a mesa, mas somente mais do mesmo, mais modelo mercantil na educação, com mais recursos, mas aprofundando o modelo que segmenta e segrega”, acrescentou Camila Vallejo.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Enquanto isso, na "Rua Muro"

Protestos vem sendo realizados há dias na frente de Wall Street... e a imprensa comercial continua olhando para o outro lado.

Paz
Alexei


Os 99% que ocuparam Wall Street

Duas mil pessoas ocuparam Wall Street no dia 17 de setembro. A sua mensagem era clara: “Somos os 99% da população que não toleram mais a ganância e a corrupção do 1% restante”. Se dois mil ativistas do movimento conservador Tea party se manifestassem em Wall Street, provavelmente haveria a mesma quantidade de jornalistas cobrindo o acontecimento. Mas o interesse da mídia em divulgar protestos contra Wall Street parece ser bem menor. O artigo é de Amy Goodman.

Se dois mil ativistas do movimento conservador Tea party se manifestassem em Wall Street, provavelmente haveria a mesma quantidade de jornalistas a cobrir o acontecimento. Duas mil pessoas ocuparam de fato Wall Street no dia 17 de setembro. Não levavam cartazes do Tea party, nem a bandeira de Gadsden com a serpente em espiral juntamente com a ameaça “Não te metas comigo”. Mas a sua mensagem era clara: “Somos os 99% da população que não toleram mais a ganância e a corrupção do 1% restante”, diziam. Ali estava uma maioria de jovens a protestar contra a especulação praticamente incontrolável de Wall Street, que provocou a crise financeira mundial.

Um dos multimilionários mais conhecidos de Nova York, o presidente da Câmara, Michael Bloomberg, comentou sobre o momento que vivemos: “Muitos jovens saem da universidade e não encontram trabalho. Foi isso que aconteceu no Cairo e em Madri. Não queremos este tipo de distúrbios aqui”. Distúrbios? A Primavera Árabe e os protestos na Europa trataram-se disso?

É provável que, para desilusão do presidente da Câmara Bloomberg, o que aconteceu no Egito e na Europa seja justamente o que inspirou muitas pessoas a ocupar Wall Street. Em comunicado recente, a coligação de organizações que protestam em Nova York informou: “No sábado, realizámos uma assembleia geral com duas mil pessoas. Na segunda-feira, às 20h, ainda estávamos ocupando a praça, apesar da constante presença policial. Estamos construindo o mundo que queremos, tomando por base as necessidades humanas e a sustentabilidade, no lugar da ganância das empresas”.

Falando de Tea Party, o governador do Texas, Rick Perry, tem provocado polêmica durante os debates presidenciais republicanos com a sua declaração de que o elogiado sistema de segurança social dos Estados Unidos é “um esquema do tipo Ponzi”. Charles Ponzi dedicou-se a fraudar milhares de pessoas em 1920 com a promessa enganosa de que receberiam enormes ganhos a partir de investimentos. Um típico esquema Ponzi consiste em tomar o dinheiro de vários investidores e pagá-los com o dinheiro de novos investidores, em vez de pagar a partir de ganhos reais. O sistema de segurança social dos Estados Unidos é de fato sério: tem um fundo confiável de mais de 2,6 mil milhões de dólares. O verdadeiro esquema que ameaça o povo norte-americano é a insaciável ganância dos bancos de Wall Street.

Entrevistei um dos organizadores do protesto “Ocupemos Wall Street”. David Graeber é professor em Goldsmiths, Universidade de Londres, e é autor de vários livros. A sua obra mais recente é "Dívida: os primeiros 5.000 anos". Graeber assinala que, no meio da crise financeira de 2008, renegociaram-se dívidas enormes de bancos. No entanto, pouquíssimas hipotecas receberam o mesmo tratamento. Graeber disse: “As dívidas entre os mais ricos ou entre governos podem sempre ser renegociadas e, de fato, sempre foi assim na história mundial. Não estão gravadas em pedras. Em termos gerais, quando os pobres têm dívidas com os ricos, automaticamente as dívidas convertem-se numa obrigação sagrada, mais importante do que qualquer outra coisa. A ideia de renegociá-las é impensável”.

O presidente Barack Obama propôs recentemente um plano de criação de emprego e maiores esforços para reduzir o défice público. Uma das propostas é o chamado “imposto sobre os milionários”, que conta com o apoio do multimilionário e partidário de Obama Warren Buffet. Os republicanos denominaram o imposto de “guerra de classes”.

Graeber explica: “Durante os últimos 30 anos vimos os mais ricos da nossa sociedade liderarem uma guerra política contra todos os demais, e esta é considerada a mais recente disputa, uma medida totalmente disfuncional do ponto de vista político e económico. Esse é o motivo pelo qual os jovens simplesmente abandonaram qualquer ideia de recorrer aos políticos. Todos sabemos o que acontecerá. Os impostos de Obama são uma espécie de simulação com carácter populista, que todos sabem que será rechaçado. Na realidade, o que provavelmente vai acontecer é que haverá mais cortes nos serviços sociais”.

Lá fora, na manhã fria de quarta-feira, os manifestantes iniciaram o quarto dia de protestos com uma marcha no meio de forte presença policial. Fizeram soar a campainha de abertura da “bolsa do povo” às 9h30, exactamente na mesma hora em que soa a campainha da Bolsa de Nova York. Enquanto os banqueiros continuam seguros dentro dos seus bancos resgatados, lá fora, a polícia prende manifestantes. Num mundo justo, com uma economia justa, caberia perguntar: quem deveria estar passando frio lá fora? Quem deveria ser preso?

(*) Artigo publicado em "Democracy Now" em 22 de Setembro de 2011. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisto por Bruno Lima Rocha para Estratégia & Análise


Ocupar Wall Street: o que todos querem saber sobre o movimento

É um coletivo de ativistas, sindicalistas, artistas, estudantes, que se reunira antes na campanha “New Yorkers Against Budget Cuts” [Novaiorquinos contra os cortes no orçamento]. Para muitos norte-americanos, essa ação direta não violenta é a única oportunidade que resta para que tenha alguma voz política. E isso tem de ser levado a sério pelos que ganham a vida na imprensa-empresa. Em artigo sob a forma de uma entrevista, ativista do movimento diz a que ele veio.

PERGUNTA: Ouvi dizer que o grupo Adbusters organizou o movimento Occupy Wall Street? Ou os Anonymous? Ou US Day of Rage? Afinal, quem juntou todo mundo lá?

RESPOSTA: Todos esses grupos participaram. Adbusters fez a convocação inicial em meados de julho, e produziu um cartaz muito sexy, com uma bailarina fazendo uma pirueta no lombo da estátua do Grande Touro [ing. Charging Bull], com a polícia antitumultos no fundo. O grupo US Day of Rage, criação da estrategista de Tecnologias da Informação, TI [ing. Information Technologies, IT] Alexa O'Brien, que existe quase exclusivamente na Internet, também se envolveu e fez quase todo o trabalho inicial de encontros e pelo Tweeter. O grupo Anonymous – com suas múltiplas, incontáveis e multiformes máscaras – agregou-se no final de agosto. Mas em campo, em New York, quase todo o planejamento foi feito pelo pessoal envolvido na Assembleia Geral de NYC.

É um coletivo de ativistas, artistas, estudantes, que se reunira antes na campanha “New Yorkers Against Budget Cuts” [Novaiorquinos contra os cortes no orçamento]. Essa coalizão de estudantes e sindicalistas acabou de levantar a ocupação de três semanas perto do City Hall, que recebeu o nome de Bloombergville, na qual protestaram contra os planos do prefeito, de demissões e cortes no orçamento da cidade. Aprenderam muito naquela experiência e estavam ansiosos para repetir a dose, dessa vez em movimento mais ambicioso, aspirando a ter mais impacto. Mas, de fato, não há ninguém, nem grupo nem pessoa, comandando toda a ocupação de Wall Street.

PERGUNTA: Ninguém manda? Ninguém é responsável? Como se tomam as decisões?

RESPOSTA: A própria Assembleia Geral tomou as decisões para a ocupação na Liberty Plaza, apenas alguns quarteirões ao norte de Wall Street. (Ali ficava o Parque Zuccotti, antes de 2006, quando o espaço foi reconstruído pelos proprietários da área, Brookfield Properties, que lhe deram o nome do presidente da empresa, John Zuccotti.) Agora, lá vai; vai soar como jargão. A Assembleia Geral é um coletivo horizontal, anônimo, sem chefia, sistema de consenso autogerido com raízes no pensamento anarquista,muito semelhante às assembleias que têm conduzido vários movimentos sociais em todo o mundo (na Argentina, na Praça Tahrir no Cairo, na Puerta Del Sol em Madrid e em outros pontos). Não é simples trabalhar para gerar consensos novos. É difícil, frustrante e lento. Mas os ocupantes estão usando o tempo e trabalhando sem parar. Quando chegam a algum consenso, o que muitas vezes exige dias e dias de discussões e de tentativas, a sensação de alegria é quase indescritível e inacreditável. Ouvem-se os gritos de alegria por toda a praça. É experiência difícil de descrever, ver-se ali, cercado de centenas de pessoas apaixonadas, empenhadas, rebeladas, criativas e todos em perfeito acordo sobre alguma coisa.

Por sorte, não é preciso discutir tudo nem é indispensável haver perfeito consenso sobre tudo. Há vários (e o número deles aumenta sempre) comissões e grupos de trabalho que assessoram a Assembleia Geral – de comissão de Comida e Imprensa, a grupos de ação direta, segurança e limpeza. Todos são bem-vindos e cada um faz seu trabalho, sempre em tácita coordenação com a Assembleia Geral como um todo. A expectativa e a esperança é que, em resumo, cada indivíduo é capaz de fazer o que sabe e deseja fazer e de tomar decisões e agir como lhe parecer mais certo, com vistas ao bem de todo o grupo.

PERGUNTA: E o que esses manifestantes querem obter?

RESPOSTA: Ugh – eis a pergunta de um zilhão de dólares. A convocação inicial, disparada pelo grupo Adbusters pedia que cada um apresentasse uma única demanda: “O que é que você quer?” Tecnicamente, essa pergunta ainda não foi respondida. Nas semanas antes do dia 17/9, a Assembleia Geral de NYC parecia distanciada da linguagem das “exigências” e “demandas”. Isso, para começar. E em boa parte porque as instituições do estado, nos EUA, já estão tão infiltradas pelo dinheiro das grandes empresas, que apresentar demandas pontuais não faria sentido algum, pelo menos antes que o movimento crescesse um pouco e ficasse politicamente mais forte. Em vez de apresentar uma lista de demandas, optaram por fazer da própria ocupação sua principal demanda – com a democracia direta em ação, acontecendo na praça –, e daí pode ou não sair alguma demanda específica. Se se pensa um pouco, o ato de ocupar já é uma potente declaração contra a corrupção que Wall Street passou a representar. Mas, uma vez que pedir que pense é quase sempre pedir demais à imprensa-empresa de massa nos EUA, a questão das demandas acabou por converter-se em considerável problema de Relações Públicas, para o movimento.

Nesse momento, a Assembleia Geral está no processo de decidir como poderá resolver a questão de unificar as demandas do movimento. É discussão realmente difícil e interessantíssima. Mas não espere demais.

Todos, na praça têm seu próprio modo de pensar sobre o que querem ver acontecer, é claro. Na parte norte da praça há centenas de cartazes de papelão colados, nas quais as pessoas escreveram seus slogans e demandas. Quem passa para e lê, com máxima atenção, ao longo de todo o dia. As mensagens estão por todos os lados, sim, mas também há uma certa coerência entre todas elas. Uma já é, pode-se dizer, unânime: “As pessoas, antes dos lucros”. Mas também estão sendo discutidas várias outras questões, que vão do fim da pena de morte, ao desmonte do complexo militar industrial; de saúde a preço acessível, a políticas de imigração mais benignas. E muitas outras coisas. Pode ser difícil e confuso, mas, repito, essas questões estão conectadas, todas elas, num determinado plano, num nível que ainda não se pode ver com clareza.

PERGUNTA: Alguns jornais e televisões estão pintando os manifestantes como sem foco, ou, pior, desinformados e completamente confusos. Que verdade há nisso?

RESPOSTA: É claro. Num mundo tão complexo como o mundo em que vivemos, todos somos desinformados sobre inúmeras questões, mesmo que saibamos muitas coisas sobre algumas poucas questões. Lembro de um policial que disse dos manifestantes, no primeiro ou segundo dia: “Eles acham que sabem tudo!” Os jovens são quase sempre assim. Mas, nesse caso, ver a superconcentração de riqueza em torno de Wall Street e a descomunal influência que tem na política, não exige conhecimento detalhado sobre o que faz e como opera um “fundo hedge” ou a cotação de venda das ações da Apple. Um detalhe que distingue esses manifestantes é, precisamente, a esperança de que seja possível viver num mundo melhor. Devo dizer que, para muitos norte-americanos, essa ação direta não violenta é a única oportunidade que resta para que tenha alguma voz política. E isso tem de ser levado a sério pelos que ganham a vida na imprensa-empresa.

PERGUNTA: Quantos responderam à convocação dos Adbusters? Que tamanho tem esse grupo? Que tamanho tem hoje e que tamanho algum dia teve?

RESPOSTA: A convocação inicial dos Adbusters previa atrair cerca de 20 mil pessoas para o Distrito Financeiro da cidade no dia 17/9. Apareceram 2 mil, um décimo do previsto, no primeiro dia. Apesar da verdadeira blitz que o grupo dos Anonymous disparou pelas mídias sociais, a maioria das pessoas simplesmente não ficou sabendo da convocação. Para piorar, organizações progressivas tradicionais, como sindicatos e grupos do movimento pacifista em geral, sentiram-se desconfortáveis com a convocação para uma ação tão amorfa, tão sem ‘demandas’. A primeira semana foi difícil, a polícia apareceu, muita gente foi presa e muita gente também deixou a praça para descansar e respirar. A imprensa de massa acabou por cobrir as prisões do fim de semana e a brutalidade policial atraiu a atenção de outros jornais e jornalistas. Agora, seja dia seja noite, nunca há menos de 500 pessoas na praça, e pelo menos metade dessas pessoas estão vivendo na praça, dormindo aqui. A qualquer momento do dia ou da noite, muitos milhares de pessoas em todo o mundo assistem a cenas filmadas aqui, em transmissões online que não se interrompem nunca, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Diferente de outros movimentos de massa, essa ocupação acabou por depender muito de um pequeno grupo de ativistas determinados e corajosos, quase todos muito jovens, que não se incomodam com dormir ao relento e enfrentar a polícia. Mas isso já começou a mudar. As notícias se espalham, a multidão já não é composta exclusivamente de muito jovens, há maior diversidade. E a ideia de ocupar território, de não arredar pé, já mostra que gera efeitos mais consistentes do que se poderia esperar de uma marcha tradicional. Afinal de contas, houve uma marcha de 20 mil pessoas por Wall Street dia 12 de maio – protestaram contra o resgate aos bancos e os cortes no orçamento para o funcionalismo público – e quem se lembra daquela marcha?

PERGUNTA: O que seria um cenário de “vitória” para a ocupação?
RESPOSTA: Outra vez, a resposta dependerá de quem tiver de responder essa pergunta. Quando se aproximava o dia 17 de setembro, a Assembleia Geral de NYC realmente viu seu objetivo, outra vez, não como fazer aprovar alguma lei ou iniciar uma revolução, mas como começar a construir uma nova espécie de movimento. Eles queriam fomentar o surgimento de assembleias desse tipo que se vê aqui, em vários bairros da cidade, por todo o mundo, que pudessem ser uma nova base para outro tipo de organização política nos EUA – e contra a inadmissível influência do dinheiro das grandes empresas. Isso, agora, está começando a acontecer, quando ocupações semelhantes a essa começam a brotar em dúzias de outras cidades. Outra grande ocupação está sendo preparada há meses , planejada para começar dia 6/10 na Freedom Plaza em Washington, D.C. Os organizadores dessa segunda ocupação estão visitando a ocupação aqui em NY, na Liberty Plaza. Andam por aí, vão e vem, aprendendo o que podem dos erros e acertos.

Já ouvi gente dizer, quando a Liberty Plaza estava cheia de câmeras de TV “Já ganhamos! Vencemos!” Outros dizem que a coisa está só começando. Os dois, em certo sentido, têm razão.

PERGUNTA: E a polícia? Estão também ocupando a praça? Atacaram mesmo com brutalidade? Se eu for à praça, há riscos? O que pode acontecer?

RESPOSTA: A polícia não sai da praça e, sim, houve alguns confrontos muito violentos, assustadores. Também se viram atos de extrema coragem física e moral de gente comum. O pior momento aconteceu no sábado passado, sim, mas, depois daquilo, praticamente não houve mais problemas. Ninguém tem qualquer intenção de ser preso, e praticamente ninguém tem interesse em correr riscos desnecessários ou em instigar a violência contra pessoas ou propriedades. Quanto mais pessoas comuns vierem para cá juntar-se ao movimento – aliando-se a gente famosa e celebridades como Susan Sarandon, Cornel West e Michael Moore – menos provável será que a polícia reprima a ocupação. Como se lê num cartaz na Broadway: “A segurança vem dos grandes números! Junte-se a nós!"

De qualquer modo, desafiar os poderes que se encastelam nessa rua – e fazê-lo sem pedir licença e fazendo barulho – não é ação que possa ser 100% segura. Quanto mais o movimento conseguir se impor e falar, mais riscos haverá. Se você quiser vir, boa providência será anotar o telefone da National Lawyers Guild [alguma coisa como a OAB] no próprio braço, por via das dúvidas.

PERGUNTA: Se eu não puder ir à Wall Street, o que mais poderia fazer?

RESPOSTA: Muita gente está trabalhando muito lá mesmo, onde está – é a magia da descentralização. Você pode assistir às transmissões online, distribuir notícias, doar dinheiro, retuitar informes e estimular seus amigos a participar. Pessoas que entendem de máquinas e programas já estão trabalhando como voluntários, para manter no ar as páginas e blogs do movimento e editar vídeos – em coordenação com salas-de-bate-papo IRC e outras mídias sociais. Em breve, as discussões sobre ‘demandas’ do movimento serão feitas também online, além de presencialmente, aqui na praça. Offline, você pode juntar-se a ocupações semelhantes que estão começando pelo país ou, se preferir, pode começar sua própria ocupação, onde estiver.

Em todos os casos, você sempre deve lembrar um conselho de uma mulher, na Assembleia Geral na noite de 3ª-feira, que já é um dos vários mantras que circulam: “Ocupe o seu próprio coração”, disse ela. “Com amor, não com medo”.

(*)Nathan Schneider é editor senior de "Killing the Buddha", uma revista online de religião e cultura.

Fonte:
http://www.thenation.com/article/163719/occupy-wall-street-faq

Tradução: Coletivo Vila Vudu

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Sinceridade inesperada

Quando o fato de alguém estar dizendo a verdade surpreende tanto, é sinal de que todos já sabiam que o que estava sendo dito antes era a mais pura mentira. Eles só não sabiam que já sabiam.

O artigo abaixo saiu na BBC. O melhor momento, para mim é quando o repórter diz ao entrevistado "nós agradecemos pela sinceridade, mas ela não nos ajuda muito não?". A frase escapada revela que o desejo do repórter era ouvir uma "mentira útil" e não uma "verdade inútil". Pobre mundo, tem que se informar com essa gente.

Paz
Alexei

'Nosso trabalho é ganhar dinheiro com crise', diz operador de mercados

Atualizado em 27 de setembro, 2011 - 09:35 (Brasília) 12:35 GMT

Alessio Rastani, durante entrevista à BBC

Para operador, bancos como Goldman Sachs, e não governos, 'controlam o mundo'

O mercado financeiro não liga para o novo plano de resgate preparado para tentar salvar a economia da zona do euro e se interessa apenas em faturar com uma eventual nova recessão, revelou um operador de mercado independente entrevistado pela BBC.

"Sonho com esse momento (de declínio econômico) há três anos. Vou confessar: sonho diariamente com uma nova recessão. Se você tem o plano certo, pode fazer muito dinheiro com isso", declarou Alessio Rastani, em entrevista na última segunda-feira.

Questionado a respeito de o que faria o mercado confiar nos planos orquestrados para salvar economias em perigo, como a da Grécia, Rastani disse que, como operador, não se importa.

"Não ligamos muito para como vão consertar a economia. Nosso trabalho é ganhar dinheiro com isso", afirmou.

"Os governos não controlam o mundo. O (banco) Goldman Sachs controla o mundo. O Goldman Sachs não liga para esse resgate, nem os grandes fundos."

A entrevista, ainda que revele apenas a opinião individual de um operador, mostra que nem sempre o funcionamento dos mercados financeiros está em sintonia com o crescimento econômico.

Segundo Rastani, os grandes fundos e investidores não acreditam nas novas propostas – as quais, segundo informações preliminares, preveem a injeção de recursos em um fundo europeu de resgate e um possível calote parcial da Grécia – e estão tirando seu dinheiro da economia do euro e investindo-o em ativos mais seguros, como dólar e títulos de Tesouro.

"Essa crise é como um câncer. Se esperarmos, vai ser tarde demais. O que digo para as pessoas é: preparem-se. Não pensem que o governo vai consertar. Quero ajudar as pessoas, elas precisam aprender a fazer dinheiro com isso. Primeiro, protegendo seus ativos. Em menos de 12 meses, ativos de milhões de pessoas vão desaparecer"

Alessio Rastani, operador independente do mercado financeiro, em entrevista à BBC

Na opinião do operador, "qualquer um pode fazer dinheiro" com a crise, agindo no mercado de hedge e investindo em títulos de Tesouro.

'Governados pelo medo'

"Estou confiante que esse plano não vai funcionar, independentemente de quanto dinheiro (os governos) puserem. O euro vai desabar", afirmou ele. "Os mercados estão sendo governados pelo medo."

A âncora da BBC Martine Croxall disse que todos no estúdio estavam surpresos com as declarações. "Agradecemos sua sinceridade, mas (a atitude dos mercados) não nos ajuda muito, não?"

Rastani respondeu: "Essa crise é como um câncer. Se esperarmos, vai ser tarde demais. O que digo para as pessoas é: preparem-se. Não pensem que o governo vai consertar. Quero ajudar as pessoas, elas precisam aprender a fazer dinheiro com isso. Primeiro, protegendo seus ativos. Em menos de 12 meses, ativos de milhões de pessoas vão desaparecer".

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Piratas de Berlim


O Partido Pirata da Alemanha conseguiu pela primeira vez representação num parlamento estadual no país - com 8,9% dos votos, elegeu representantes no Parlamento da cidade-Estado de Berlim. Seus membros conquistaram apoio dos jovens após uma campanha que abandonou a posição monotemática, em prol de maior direito à privacidade na internet, e incorporou bandeiras da esquerda. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.

De repente “Piratas do Caribe” voltou a entrar em cartaz em Berlim.
Mas não era bem o filme estrelado por Johnny Depp. Nem os piratas eram propriamente do Caribe. Eram, na verdade, de Berlim. Mais precisamente, eram 15. Não só sobreviveram, como ganharam a parada. Todos, sem exceção.

Eram os 15 candidatos do Partido Pirata.

Saíram do zero. O partido não tinha um único deputado na Câmara de Representantes de Berlim. Nas primeiras pesquisas, apareciam com um, dois por cento das intenções de voto. Como não tinham dinheiro, não contrataram uma empresa de marketing para fazer a propaganda do partido. Fizeram eles mesmos os cartazes, as fotos, as palavras de ordem. E passaram a pendurar seus cartazes nos postes, tímidos em meio à euforia e ao ar de certeza profissional dos grandes partidos e de seus marqueteiros.

Mas a coisa veio vindo. Os números foram subindo. Na saída de agosto já estavam com 4,5% nas intenções de voto. Na entrada de setembro dobraram o Cabo da Boa Esperança, e para frente, a caminho das Índias, quer dizer, a caminho da Alexanderplatz, onde fica a Rothaus, sede do parlamento de Berlim. Chegaram a 5,5% das intenções de voto.

O sistema de votação na Alemanha e em Berlim é complicado. O eleitor tem três votos: um para o Conselho Distrital (que elege o Prefeito Regional), outro para o Representante do Distrito na Câmera de Representantes (Berlim é uma cidade-estado, assim como Hamburgo e Bremen) e ainda um voto num partido, que define um quociente eleitoral a partir do qual os partidos podem indicar novos representantes, além dos eleitos nos distritos para a Câmara Maior.

Essa Câmara de Representantes vota o prefeito, e depois aceita a indicação de senadores, que formam um colegiado para governar a cidade com o prefeito. Mas para ter direito a colocar representantes na Câmara, cada partido deve obter no mínimo 5% dos votos válidos.

Como o voto é facultativo, nunca se sabe como será o quociente, nem o número exato de deputados até o final da apuração. Mas com 5,5% era certo que o Partido Pirata teria representantes na Câmara. Talvez três, talvez quatro deputados, num oceano de mais de 150 cadeiras. Mas já seria o suficiente para fazer uma marolinha.

Porém... enquanto o Partido Pirata enfunava suas velas, todos os outros faziam água. Um deles, o FDP, naufragava fragorosamente. O FDP – Freie Demokratische Partei – que a Deutsche Welle traduz por Partido Liberal Democrático – é o DEM daqui, sem ter sido PFL, isto é, sem ter sido coronelista: é o partido dos profissionais liberais, dos novos empresários que não querem pagar impostos, dos patricinhos (os patriciões votam na CDU, União Democrata Cristã, da chanceler Ângela Merkel), dos escovadinhos. E é o partido colega da CDU (sigla em alemão) e da CSU (União Social Cristã, da Baviera) no governo federal.

Pois o FDP seguia por água abaixo, passando a cláusula de barreira dos 5%, mas na outra direção, rumo ao Cabo das Tormentas, perdendo as cadeiras que tinha antes. A CDU da chanceler ensaiava uma recuperação, mas subia pouquinho, não captando nem os votos que abandonavam o navio do FDP. Acabaria subindo de 21,3% dos votos para 23,4%, acrescentando magras duas cadeiras à sua representação, chegando a 39 deputados em 152 (número final).

Entrementes, havia uma verdadeira regata disputadíssima entre o Partido Social Democrata (SPD), o Partido Verde (PV) e a Linke (A Esquerda). O SPD seria o mais votado, certamente, mas longe da maioria absoluta. Antes da votação, governava em coligação com a Linke. Mas SPD e Linke vinham perdendo intenções de voto. O PV, por sua vez, crescera muito, em Berlim e na Alemanha, depois do desastre de Fukushima, a tal ponto que sua líder, Renate Künste, era descrita como uma rival potencial de Klaus Wowereit, o popularíssimo prefeito de Berlim (do SPD), homossexual declarado desde sempre, que concorria ao terceiro mandato (acabou conseguindo).

Porém, à medida que as pesquisas deixavam o oceano pacífico, ainda distante do dia da eleição (18 de setembro), e entravam nas agitadas águas de setembro, o PV também entrou a fazer água. Tendo chegado a ter 25% de intenções de voto, caiu abaixo dos 20%, terminou com 17,6%. Assim mesmo, com 30 cadeiras, é o mais forte candidato a ser o próximo parceiro do SPD no Senado, isto é, no executivo da cidade.

SPD e Linke acabaram em quedas suaves: o SPD, de 53 cadeiras para 48, e a Linke, de 23 para 20. Assim mesmo, a Linke caiu na cachoeira, porque com a diminuição deixou de ser parceira conveniente para garantir uma maioria na Câmara, e deve ceder o lugar para o PV. Assim mesmo, Gregor Gysi, seu líder no Bundestag (Parlamento Federal), reagiu com bom humor: “somos um bom partido na situação, também somos na oposição”.

Já com os Piratas, a situação foi inteiramente outra. Seu barquinho virou uma caravela, sua propaganda amadora ganhou a simpatia até de quem não votava neles, descrita como bem humorada, inteligente e autêntica. Acabaram com 8,9% dos votos, e quase criaram um problema legal e inédito na eleição: tivessem mais votos, não teriam candidatos suficientes para preencher as cadeiras a que teriam direito. Piratearam votos de todos os partidos, sem exceção, até da CDU e do FDP, segundo as pesquisas. Têm agora 15 cadeiras em 152, praticamente 10%, o suficiente para provocar algumas marés.

Na verdade, os Piratas acabaram navegando de uma posição monotemática, a liberdade de expressão e o maior direito à privacidade na internet, em direção à incorporação de bandeiras à esquerda: acabar o imposto eclesiástico (“privatizemos as religiões”, dizia um cartaz), adoção de um salário mínimo (que não existe na Alemanha, e até o momento só a Linke abraçava essa causa do movimento sindical, inclusive o que apóia tradicionalmente o SPD), tornar gratuito o transporte público, causas ambientais e, para alegria do senador Suplicy, a adoção de uma renda mínima para os berlinenses.

Essas bandeiras foram simpáticas sobretudo para os jovens, setor que mais padece com o desemprego, mesmo na próspera Alemanha, e, também segundo as pesquisas, eles atraíram para as urnas 21 mil navegantes, quer dizer, votantes que antes desprezavam o voto. Além disso, forçaram o discurso dos Verdes, de quem tiraram o maior contingente de votos, a ir mais para a esquerda.

Bons ventos acolham esse novo partido.



Fotos: http://www.piratenpartei.de/

domingo, 4 de setembro de 2011

Assange continua em prisão domiciliar

Julian Assange não matou nem torturou ninguém. Ele não roubou os recursos naturais de outros povos. Ele não mentiu para iniciar uma guerra que resultou em mais de cem mil mortes. Nada disso. As bizarras acusações usadas contra o líder do Wikileaks já foram negadas até pelas próprias acusadoras, mesmo assim ele permanece em prisão domiciliar e sob vigilância na Inglaterra (O uso de pretextos absurdos só incrimina mais ainda as autoridades britânicas). Apesar da vigilância das autoridades, Assange recentemente abriu para o público um novo bloco de mensagens secretas, que estavam sendo retidas pelos jornais que tinham com ele um tipo estranho de parceria. Grandes pedaços dos documentos originalmente vazadas por Bradley Manning vinham sendo ocultados, mas em meio a ondas de indignação de certos setores, isso mudou.

Manning também não torturou nem matou, mas expôs centenas de milhares de crimes de estado. Casos de tortura, de abuso, de mentiras, de assassinatos em massa cometidos pelas pessoas que comandam países. Todos os criminosos de guerra (e toda guerra é criminosa) envolvidos continuam soltos, muitos deles seguem cometendo estes mesmo crimes, enquanto isso, por exporem a verdade, Manning está preso, em isolamento, sem julgamento e sem defesa, e Assange tem os movimentos monitorados pela polícia e a CIA.

Como esperam que acreditemos nos noticiários? Como esperam que acreditemos nos governos?

A reportagem abaixo relata uma web-conferência de Assange com ativistas brasileiros ocorrido recentemente. Vale a pena


Paz
Alexei

Julian Assange: A grande verdade é a verdade sobre mentiras


O criador e porta-voz do WikiLeaks, Julian Assange, se apresentou em teleconferência a uma plateia completamente atenta durante a abertura do Info@trends, nesta quinta-feira, 1º, em São Paulo (SP). O WikiLeaks é uma organização transnacional, sem fins lucrativos, sediado na Suécia, que publica documentos, informações confidenciais (hackeadas de governos e empresas) e fotos.





Lançado em 2006, o WikiLeaks já divulgou mais de 2 milhões de documentos e se tornou fornecedor de informação bruta para veículos mundiais como os jornais The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos) e revistas como a Der Spiegel (Alemanha).

No Brasil, o WikiLeaks mantém parceria com a agência de jornalismo investigativo Pública, dirigida por Natália Viana e citada por Assange como a representante do WikiLeaks no País.
A seguir, os principais pontos abordados por Assange durante sua apresentação no evento:

Prisão domiciliar

Julian Assange é mantido em prisão domiciliar em Diss, cidade a 146 km de Londres, e é constantemente monitorado - por meio de uma tornozeleira eletrônica, pela CIA, dos Estados Unidos, e pelo serviço secreto britânico. Isso não o impede de manter a comunicação com o mundo e com os seus seguidores - pelo menos 23 organizações semelhantes ao WikiLeaks foram criadas ao redor do globo inspiradas pelo projeto do sueco. “É triste não poder estar com vocês. Queria muito ir ao Brasil”, disse o ativista ao iniciar a transmissão da teleconferência para a plateia brasileira.

Assange fez questão de fazer uma correção: ao abrir o evento, o porta-voz da Info@trends fizera um ligeiro resumo sobre o criador do WikiLeaks, inclusive sobre a acusação pela qual o ativista é mantido em prisão domiciliar: “Não fui acusado de nada, nunca!”, afirmou Assange. “E essa contradição (de estar detido sem acusação) é uma das razões pela qual estamos (ele e as demais pessoas envolvidas com o WikiLeaks) nessa situação (sob pressão)”.

Estado de Direito

“O Estado de Direito tem fracassado no Ocidente e em todos os lugares. Há uma violação sistemática do Estado de Direito”, afirma Assange. Em 2008, o WikiLeaks começou a publicar uma série de documentos, inclusive sobre contas secretas (off-shore) mantidas nas Ilhas Cayman, no Banco Julius Baer que, segundo o ativista, é um banco especial usado para esconder ativos de pessoas e empresas com depósitos mínimos a partir de US$ 1 milhão.

“O banco tentou acabar com o WikiLeaks e perdeu. O jornal The New York Times, a rede CBS e mais 23 empresas de mídia e universidades nos ajudaram”, conta o ativista. O Banco Julius Baer, diz Assange, está baseado em pequenas ilhas cujas legislações são incompatíveis com os princípios democráticos. “São contas off-shore, de dinheiro lavado”, diz.

Em Guantánamo (Cuba), o governo norte-americano mantém centenas de presos sem a menor observância do Estado de Direito - sem direito a processos judiciais, sem direito a visitas, sem direito à defesa. “É a forma usada pelos Estados Unidos para esconder as pessoas e afastá-las do Estado de Direito”, afirma Assange. Dessa forma, diz, o poder (governo, empresas e pessoas) esconde dinheiro numa ilha (Cayman) e pessoas em outra (Guantánamo).

“Muitas pessoas entram no governo para montar redes de informação e de vigilância fora do Estado de Direito. É o ‘Estado das Sombras’, sistema que coloca ativos, justiça, interesses e poder fora das vistas (das pessoas e da sociedade civil)”, diz Assange.

Mídia

No início deste ano, o WikiLeaks publicou milhares de telegramas. Entre o material publicado, havia uma série de telegramas da embaixada dos Estados Unidos na Bulgária sobre aquele país. A embaixada norte-americana de Sofia detalhava o quanto a corrupção estava entranhada no governo búlgaro. “Mas, de um telegrama de 1 mil palavras, a matéria do jornal The Guardian cortou 2/3 e retirou toda a informação sobre os corruptos da Bulgária. O Guardian cortou as informações para tentar controlar e esconder do povo búlgaro as informações do governo daquele país”.

O que aconteceu?, se pergunta Assange. Ele mesmo responde: “Os grupos de mídia do Ocidente, do The New York Times ao The Guardian editam e veiculam as informações que passamos que encobrem criminosos sem nos dar feedback”, afirma. “Por que isso acontece?”, pergunta.

“Quando falei com o editor do The Guardian, ele admitiu que o jornal não poderia dar os nomes de empresas e de pessoas (da Bulgária) que poderiam processar o jornal. Ou seja, as atividades das pessoas ricas e corruptas não são relatadas e detalhadas e das pessoas pobres e sem poder são”.

Assange diz que caso equivalente ocorreu com o jornal The New York Times: sobre a informação de um carregamento de componentes de mísseis da Coréia do Norte para o Irã, de um documento de 62 páginas, o jornal deu apenas dois parágrafos, relata. Outra informação, sobre a força tarefa 373 (forças especiais dos Estados Unidos), que detalha a morte de mais de 2 mil pessoas no Afeganistão, uma verdadeira lista de assassinatos, também foi derrubada pelo The New York Times. “Enquanto a revista (alemã) Der Spiegel transformou a informação em matéria de capa, no New York Times os editores derrubaram a reportagem”, diz Assange. “A visão dos marxistas das décadas de 60 e de 70 da América Latina, com descrições caricaturais (sobre a manipulação) do New York Times e da Secretaria de Estado dos Estados Unidos, portanto, estava correta”, avalia.

Corrupção e perda de moeda

Em 2007, Assange divulgou documentos sobre o Quênia (país no qual também viveu). Esses documentos comprovavam que Moi (Daniel Arap Moi, que governou o país por 18 anos) roubou US$ 3 bilhões do Tesouro queniano para investir em bancos suíços, de Londres e de Nova York, afirma o ativista. “Esse tipo de corrupção é pior do que a corrupção doméstica (quando o dinheiro passa de uma empresa para outra dentro do país) porque significa que as divisas saem de um país para outro. O dinheiro que é roubado de um país pobre é transferido para outro país rico e é uma perda de divisas para o país pobre (Quênia)”.

Assange diz que esse tipo de transação no Quênia aumentou ainda mais a pobreza do país porque a moeda queniana foi desvalorizada porque foi convertida em dólar norte-americano, francos suíços e libra esterlina. “Ingleses, suíços e americanos ficaram mais ricos”, afirma. O criador do WikiLeaks assegura que entre US$ 140 milhões e US$ 900 milhões são enviados dos países pobres para a Europa e Estados Unidos todo ano para bancos na Suíça, Londres e Nova York.

Preservação de fontes

Sobre as acusações de revelar nomes de fontes que dão acesso aos documentos confidenciais, Assange garante que jamais o WikiLeaks procedeu dessa forma. “Manter nossas fontes no anonimato é o nosso maior valor. Mas, as fontes são apenas metade da equação. Ao longo dos últimos anos, a oferta de informações e de fontes não tem sido um problema, e sim a forma como a informação é publicada. “Jamais revelamos o nome de uma fonte e não há informação oficial de que tenhamos feito isso”. Temos que dar os nomes de criminosos, de espiões, de acionistas e de políticos. Quem faz o que a quem”, diz.

No ano passado, divulgamos o nome de mais de 150 mil pessoas que foram mortas pela atividade dos Estados Unidos por meio da CIA, das forças especiais e do Exército americano. “Não existe acusação de qualquer fonte oficial de que tenhamos causado a morte de uma única pessoa em qualquer país”, afirma.

Crowdsourcing

Cerca de 134 mil despachos diplomáticos dos Estados Unidos foram divulgados via crowdsourcing e, para Assange, as pessoas já entenderam a importância do material obtido e compartilhado pelo WikiLeaks. “O WikiLeaks se tornou importante e atrai a comunidade digital. As pessoas tuitam e compartilham nossas informações. Dezenas de milhares de histórias são descobertas e compartilhadas.

O ativista diz que parte das informações é divulgada pela grande imprensa, mas uma grande parte é disseminada pelas redes sociais. E recorda um dos casos mais eloquentes do WikiLeaks: as fotos de um helicóptero Apache, dos Estados Unidos, que assassinaram dois jornalistas da Reuters. Isso foi divulgado em abril do ano passado e foi a partir daí que o WikiLeaks atingiu a dimensão global e importância mencionada por Assange.

Mais recentemente, a divulgação de informações do Oriente Médio pelo WikiLeaks deu origem, segundo Assange, à Primavera Árabe, que derrubou o governo egípcio e tunisiano e ainda continua a repercutir na Líbia e na Síria.

A verdade

O porta-voz do WikiLeaks recorre à Física Teórica (sob a qual é formado) para, por meio da epistemologia, definir o que é a verdade: “Como você sabe o que você sabe? Como garantir que você não está se enganando? Podemos jamais saber a verdade a não ser que consigamos derrubar as mentiras que estão por detrás da verdade. Você sabe que é mentira quando os lados A e B entram em contradição. A grande verdade é a verdade sobre as mentiras”, filosofa.

Futuro

A previsão de Assange para o futuro pode ser sombria ou não, conforme o ângulo. Um bom paralelo para isso são as recentes manifestações de Londres. O ativista critica a cobertura da BBC “que não ouvir um único manifestante” e diz que o governo do Reino Unido agiu exatamente como o Egito: tentou calar as redes sociais e até mesmo controlar o que era compartilhado pela internet.

O que pode acontecer, diz Assange, é que surjam formas de controle cada vez mais agressivas para tentar controlar as pessoas (nas redes sociais), com o Estado que monitora completamente os passos de cada pessoa.

Ou ainda o controle econômico, como o feito por empresas como Visa, Mastercard, Bank of America e PayPal que, a pedido de Washington (governo norte-americano), não aceitam receber doações para o WikiLeaks. “Você, que mora em São Paulo, não pode usar seu cartão Visa para contribuir com o WikiLeaks. Ou seja, Washington determina o que você pode fazer com o seu dinheiro”, diz o ativista.

A previsão não sombria para o futuro antevista por Assange é um sistema de direito que permita às pessoas se comunicarem com a garantia de privacidade, sem controle ou vigilância do Estado. “Todo avanço da civilização se baseia no desenvolvimento de nossos registros intelectuais que são, além de registrados, compartilhados. Se pudermos capturar isso e seguir em frente, teremos a civilização mais humana e civil que a Terra já viu”, afirma.

Redação com Meio & Mensagem

sábado, 27 de agosto de 2011

Os olhos de Fisk sobre a Líbia

A história do Iraque se repetirá na Líbia?

A natureza imprevisível da guerra na Líbia implica que as palavras raramente sobrevivam ao momento em que são escritas. O que Kadafi deverá estar pensando agora? Com sua visão enviesada e astuta do mundo líbio, ele poderia sobreviver para prosseguir um conflito civil-tribal e assim consumir os novos amigos líbios do Ocidente no pântano da guerra de guerrilhas e debilitar pouco a pouco a credibilidade do novo poder. O artigo é de Robert Fisk.

Condenados sempre a travar a guerra passada, voltamos a cometer o mesmo velho pecado na Líbia. Muammar Kadafi desaparece logo depois de prometer lutar até a morte? Não é a mesma coisa que fez Saddam Hussein? Quando Hussein desapareceu e as tropas estadunidenses sofreram suas primeiras baixas ante à insurgência iraquiana, em 2003, foi nos dito – pela boca do pró-cônsul estadunidense Paul Brenner, dos generais, dos diplomatas e dos decadentes especialistas da televisão – que os combatentes da resistência eram fanáticos, desesperados que não se davam conta de que a guerra havia terminado.

E se Kadafi e seu filho sabichão seguem em fuga – e se a violência não termina – quanto tempo vai levar para que outra vez nos apresentem aos desesperados que não entenderam que os rapazes de Bengasi estão no poder agora e que a guerra terminou? De fato, não menos do que 15 minutos – literalmente – depois de ter escrito as palavras acima (às 14 horas de quarta-feira), um repórter da Sky News reinventou a palavra “fanáticos” para definir os homens de Kadafi.

Inútil dizer que tudo é para o bem no melhor dos mundos possíveis, no que diz respeito ao Ocidente. Ninguém descarta o exército líbio e ninguém proscreve os kadafistas de um papel futuro no país. Ninguém cometerá os mesmos erros que cometemos no Iraque. E não há tropas em terra.

Nenhum zumbi encerrado em uma zona verde ocidental, cercada por muralhas, tenta dirigir o futuro da Líbia. “É assunto dos líbios” tornou-se o refrão de toda manifestação do Departamento de Estado/Escritório de Política Exterior/Quai d’Orsay. “Nós não temos nada a ver com isso”.

Mas, desde logo, a presença massiva de diplomatas ocidentais, representantes de magnatas do petróleo, mercenários ocidentais de altos salários e obscuros militares britânicos e francês – todos simulando ser conselheiros e não participantes – conforma a Zona Verde de Bengasi.

Pode ser que não estejam (ainda) rodeados de muralhas, mas o fato é que eles governam por meio dos distintos heróis e pilantras locais que se estabeleceram como senhores políticos. Podemos passar por cima do assassinato de seu próprio comandante – por alguma razão, ninguém menciona mais o nome de Abdul Fatá Yunes, apesar de ele ter sido liquidado há apenas um mês em Bengasi -, mas eles só podem sobreviver se permanecerem com o cordão umbilical preso ao Ocidente.

Esta guerra, é preciso dizer, não é a mesma que nossa perversa invasão do Iraque. A captura de Saddam só levou a resistência a multiplicar os ataques contra as forças ocidentais porque aqueles que, até então, se recusavam a participar da insurgência por medo de que os EUA voltassem a colocar Saddam no governo, perderam essas inibições. Na verdade, a prisão de Kadafi, junto com a de Saif, precipitaria sem dúvida o final da resistência dos seguidores do ditador. O verdadeiro temor do Ocidente neste momento – ainda que isso possa mudar à noite ou amanhã – é a possibilidade de que o autor do Livro Verde tenha conseguido chegar até Sirte, onde a lealdade tribal pode ser mais forte que o medo de uma força líbia respaldada pela OTAN.

Sirte – onde Kadafi, no início de sua ditadura, converteu os campos de petróleo da região no primeiro dividendo internacional para os investidores logo depois de sua revolução de 1969 – não é Tikrit. É a sede da primeira grande conferência da União Africana, a escassos 30 quilômetros da cidade natal de Kadafi: uma cidade e uma região que receberam enormes benefícios de seu governo de 41 anos. Strabo, o geógrafo grego, escreveu que os pontos dos assentamentos no deserto, ao sul de Sirte, converteram a Líbia em uma pele de leopardo. Kadafi deve ter gostado dessa metáfora.
Quase dois mil anos depois, Sirte era o ponto de união entre as colônias italianas de Tripolitania e Cirenaica.

Em Sirte os rebeldes foram derrotados pelas forças leais a Kadafi na guerra de seis meses travada este ano. Sem dúvida, teremos que mudar essas ridículas etiquetas: os que apoiam o pró-Ocidente Conselho Nacional de Transição terão que ser chamados de leais e os rebeldes partidários de Kadafi se tornarão os terroristas que poderão atacar a nossa amiga nova administração líbia. Seja como for, Sirte, cujos habitantes se supõe estejam negociando agora com os inimigos de Kadafi, poderia rapidamente aparecer entre as cidades mais interessantes da Líbia.

O que Kadafi deverá estar pensando agora? Acreditamos que está desesperado, mas, será que está mesmo? No passado, escolhemos muitos adjetivos para qualificá-lo: irascível, demente, perturbado, magnético, incansável, obstinado, estranho, estadista (Jack Straw descreveu-o assim), críptico, exótico, louco, idiossincrático e – em datas mais recentes – tirano, assassino e selvagem. Mas com sua visão enviesada e astuta do mundo líbio, Kadafi poderia sobreviver – para prosseguir um conflito civil-tribal e assim consumir os novos amigos líbios do Ocidente no pântano da guerra de guerrilhas – e debilitar pouco a pouco a credibilidade do novo poder do governo de transição.

A natureza imprevisível da guerra na Líbia implica que as palavras raramente sobrevivam ao momento em que são escritas. Talvez Kadafi esteja escondido em um túnel debaixo do hotel Rixos ou esteja relaxando em uma das casas de campo de Robert Mugabe. Duvido. Enquanto isso, a ninguém ocorre travar a guerra anterior a esta.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Grande Greve Geral no Chile


Chile vive segundo dia da greve geral de trabalhadores
A quinta greve nacional desde o retorno da democracia em 1990 reflete que há algo que resiste à mudança no Chile: a direita que criou o atual modelo econômico, político e social instaurado com a ajuda do ditador Augusto Pinochet nos 17 anos que durou sua ditadura. Mobilização reúne trabalhadores e estudantes: os dois atores que mais perderam com a sociedade de mercado instalada pela direita, aprofundada pelos governos da Concertação entre 1990 e 2010 e radicalizada pelo atual governo. A reportagem é de Christian Palma, direto de Santiago do Chile.

Christian Palma – Correspondente da Carta Maior em Santiago (@chripalma)

A quinta greve nacional desde o retorno da democracia em 1990 reflete que há algo que resiste à mudança no Chile: a direita que criou o atual modelo econômico, político e social instaurado com a ajuda do ditador Augusto Pinochet nos 17 anos que durou sua ditadura.

Na noite de terça-feira, 23 de agosto, na véspera dos dois dias da greve convocada pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), a principal organização sindical do país, que representa cerca de um milhão de trabalhadores, começou a primeira grande manifestação cidadã de rechaço ao governo e ao modelo vigente com um novo e massivo “panelaço”, onde milhões de pessoas saíram de seus lares com suas panelas para protestar simbolicamente – do mesmo modo como faziam contra Pinochet – contra a precariedade dos mais pobres devido ao neoliberalismo extremo chileno.

Esta nova grande ação social desdobrou-se em marchas em vários pontos de Santiago e de outras cidades chilenas, um sinal de apoio às demandas dos trabalhadores e dos estudantes que querem mudar a Constituição Política de 1980, elaborada pelos mesmos personagens que agora governam junto com Sebastian Piñera, o multimilionário presidente do Chile.

Não é para esquecer o fato de que irmão maior do mandatário chileno é José Piñera, o “pai” da legislação atual em matéria trabalhista, mineira e previdenciária que Pinochet aplicou sem consultar a população. A mobilização dos trabalhadores pretende mudar justamente o panorama deixado pelo primogênito dos Piñera, cujo modelo de sociedade enfrenta a resistência dos chilenos que apoiam o movimento dos trabalhadores que continua nesta quinta e ao qual se somaram os estudantes que defendem o fim do lucro na educação pública para que esta seja gratuita.

Trabalhadores e estudantes: os dois atores que mais perderam com a sociedade de mercado instalada pela direita, aprofundada pelos governos da Concertação entre 1990 e 2010 e radicalizada pelo atual governo que insiste em dar enormes subsídios aos bancos privados para créditos universitários, deixando milhões de jovens tão endividados que não conseguem superar esse problema devido aos baixos salários dos mercado de trabalho chileno.

O primeiro dia da greve nacional contou com a adesão de 80% dos trabalhadores públicos, segundo informou a Agrupação dos Empregados Fiscais (ANEF). Milhares de chilenos foram afetados pela paralisação, mas apoiaram a mobilização, saindo às ruas para apoiar os trabalhadores. A paralisação também é uma resposta da CUT à ação do atual governo de sucatear o Estado, demitindo funcionários públicos, flexibilizando a legislação trabalhista, permitindo práticas anti-sindicais e freando a negociação coletiva.

O fato de a paralisação não ter sido tão massiva no setor privado – segundo entidades empresariais, a greve foi inferior a 5% neste setor – deve-se ao fato de que a legislação trabalhista herdada do pinochetismo põe uma série de travas à formação de sindicatos nas empresas, além de permitir a substituição de trabalhadores em greves. Esta é outra das mudanças estruturais defendidas pelo sindicalismo.

A resposta do governo à greve foi a de sempre: deslegitimar os movimentos sociais, assinalando que a greve custará cerca de US$ 400 milhões à economia local. Se consideramos a má distribuição de renda no país, onde 94% da população recebe apenas 6% da riqueza, o resultado real é que a grande maioria dos chilenos só perde US$ 1,5 pela paralisação de atividades.

O pior de tudo é que o presidente Piñera não apresentou nenhum argumento para responder às demandas de mudanças feitas pelos trabalhadores, seguindo o mesmo roteiro executado com os estudantes: realizar outras atividades midiáticas em meio à efervescência social, como almoçar no Palácio La Moneda com os “twiteiros” chilenos mais influentes desta rede social.

Enquanto o governo afirma que a paralisação foi um fracasso, milhares de trabalhadores, estudantes e pessoas comuns saem às ruas para rechaçar o modelo. Também se registraram barricadas de fogo, assim como ocorria nos tempos em que os militares governavam o Chile. As ruas do centro de Santiago ficaram vazias ao entardecer, enquanto começavam os panelaços.

Outro dado a destacar é que, ao contrário das greves realizadas nos 20 anos de governos de centro-esquerda da Concertação, a sociedade chilena aprofundou o descontentamento nas ruas como nunca havia se visto desde 1990. Desta vez, as demandas por melhores salários, menos abusos empresariais e medidas para diminuir a desigualdade de renda são lideradas pela sociedade civil e não pela lógica da elite política.

No Palácio de La Monde os vidros são duplos: o governo não quer escutar o massivo questionamento social ao modelo econômico que a direita insiste em manter.

Nesta quinta, para o segundo dia da greve, espera-se um ato massivo em frente da sede da CUT, que se encontra a menos de 50 metros de La Moneda, em plena Alameda, o que promete uma intensa jornada, repetindo o clima de descontentamento que atingiu o governo de Piñera.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A lógica do caos


Nossos noticiários econômicos se prendem à divulgação de dados recentes sobre desemprego, inflação, dívida, dow-jones, que hora apontam para recuperação, hora para a catástrofe. Tudo bem, jornalistas têm a tendência de serem dramáticos e a privilegiarem a informação "fresquinha", entretanto isso os distancia do debate histórico e sistêmico. O imediatismo informativo é desculpa para que não discutam, dessa forma, os fundamentos, as ideologias e a transformação da economia mundial. Não se aprofundam nas teorias e no debate de opiniões, em geral sempre interpretando os fatos por meio de uma única ótica. O texto abaixo discute brevemente o futuro econômico sombrio que temos pela frente, e também aponta rapidamente um caminho a ser seguido. Que as forças econômicas do futuro estejam submetidos a uma democracia real.

Sim, pois o meu maior medo é que estes desastres econômicos levem futuramente a mais mentiras, mais guerras e mais mortes.

Paz
Alexei





Theotonio dos Santos

Blog de Theotonio dos Santos

Venho discutindo com Immanuel (Wallerstein) e um grupo de colegas há muitos anos sobre esta situação que prevíamos, baseados não somente nos ciclos longos de Kondratiev. Temos contudo que ter claro alguns pontos que ainda resultam polêmicos, mesmo dentro do nosso grupo de estudiosos do sistema mundial. É necessário destacar duas coisas.

Primeiro, não estamos numa fase desfavorável do ciclo longo, estamos no meio de um período de crescimento. Isto explica que apesar das dimensões colossais da crise da especulação financeira internacional, continua havendo crescimento da economia mundial. Este ciclo positivo deverá esgotar-se em aproximadamente 10 anos quando deveremos substituir o atual padrão tecnológico mundial por um novo paradigma cuja introdução exigirá uma destruição massiva de grande parte da estrutura econômica mundial e das várias estruturas nacionais. Neste momento, a crise atual parecerá uma brincadeira e a idéia de caos que maneja Immanuel se aproximará bastante da realidade deste novo período.

Segundo, a desproporcional intervenção fiscal do governo estadunidense para salvar o sistema financeiro atual é similar à intervenção do Japão no começo da década de 1990 para salvar os absolutamente inúteis bancos japoneses. Ela é pior ainda porque os Estados Unidos, além de transferir recursos colossais para o sistema financeiro quase tão inútil como o japonês, tem gastos insustentáveis como as guerras sucessivas e como as "prevenções" de guerras megalomaníacas que pretendem submeter todo o planeta ao seu domínio.

Logo, os Estados Unidos não podem mais situar-se como o grande "puxador da economia mundial", como vem ocorrendo já nos últimos 10 anos. Deverá ter um crescimento medíocre junto com a Europa. Apesar de que esta poderia ter melhor situação se assumisse seu destino euro-asiático e abrisse suas economias,sociedades e cultura para uma audaz aproximação com a Rússia, a China e a Índia. E ao mesmo tempo, apoiasse o sul da Europa para ligar-se fortemente com a Turquia, com todo o Oriente Médio, a África e a América Latina. Abaixo o Atlantismo que destrói a Europa!

Quanto aos chineses, não têm outro caminho que usar seus dólares e mesmo seus títulos da dívida norteamericana para adquirir empresas em toda a economia ocidental utilizando os fundos soberanos que já têm e os novos que pensam criar. Seu destino é converter-se na principal força econômica ( e financeira) do capitalismo mundial.

Valha capacidade de teoria econômica não ortodoxa para compreender estas realidades e atuar sobre elas. Feliz ou infelizmente o capitalismo de estado da China e de grande parte do chamado Terceiro Mundo deverão dirigir a economia mundial a partir de um período muito curto. Estamos em plena transição para esta nova fase.

Lutemos para que esse capitalismo de Estado esteja submetido a forças democráticas (isto é, as maiorias sociais e não as "elites" antidemocráticas ocidentais, apesar de seus discursos liberais).

Lutemos para encontrar regimes políticos que permitam este diálogo constante entre os Estados e os povos. As formas de representação eleitoral usadas no Ocidente estão em plena degradação com um descontentamento de massas colossal, pois os grandes movimentos de massa do momento não são as rebeliões árabes e sim a ocupação das ruas européias pelos grandes protestos populares.

Não estranhem o fato de que as notícias monitoradas pela grande imprensa internacional não lhes deixem visualizar esta imagem. Há toda uma nova agenda a ser desenvolvida nesta nova situação histórica. A América Latina está fazendo um esforço muito positivo nesta direção. Ela inclui uma drástica reforma dos meios de comunicação e uma maior comunicação Sul/Sul. Temos que pensar com energia, audácia e criatividade. Inmanuel Wallerstein é um dos poucos que está nesta trincheira.

(1) Wallerstein: Se vienen años de incertidumbre y caos mundial

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Distúrbios no mundo "civilizado"

O artigo de hoje é da ativista canadense Naomi Klein, autora de, entre outros filmes, "A doutrina do Choque" (disponibilizei abaixo diretamente do youtube uma versão legendada do filme). Sua tese mais famosa é que governos elitistas e interesseiros aproveitam períodos de crise e de desorientação para empurrar rapidamente medidas anti-populares sobre as pessoas. A linha de argumentação da autora é fundamentada em inúmeros eventos históricos. Precisamos estar atento pois o medo da violência é uma estratégia tradicional para que se roubem os direitos dos cidadãos.

Paz
Alexei



Os saqueadores do dia contra os saqueadores da noite

Claro que os tumultos de rua em Londres não foram protesto político. Mas o pessoal dos saques noturnos com certeza absoluta sabe que suas elites passaram o dia dedicadas aos saques diários. Saques são contagiosos. Alimentados por um sentido patológico de ‘direitos adquiridos’ pelos ricos, o grande saque global está em andamento à luz do dia, como se nada houvesse a esconder. Mas há, sim, temores ocultados. No início de julho, o Wall Street Journal, citando pesquisa recente, noticiava que 94% dos milionários temiam “a violência nas ruas”. O artigo é de Naomi Klein.

Leio comparações entre os tumultos em Londres e em outras cidades europeias – vitrines quebradas em Atenas, carros incendiados em Paris. E há paralelos, sem dúvida: uma fagulha lançada pela violência policial, um geração que se sente esquecida. Esses eventos foram marcados por destruição em massa, com poucos saques.

Mas tem havido saques em massa em anos recentes e acho que temos de falar também deles. Houve em Bagdá, logo depois da invasão norte-americana – um frenesi de destruição e saques que esvaziou bibliotecas e museus. Também em fábricas. Em 2004, visitei uma fábrica de refrigeradores. Os trabalhadores tinham saqueado tudo que havia ali de aproveitável, empilharam e incendiaram. No armazém ainda havia uma escultura gigantesca de placas de metal retorcido.

Naquela ocasião, os noticiários entenderam que teria sido saque altamente político. Diziam que aquilo exatamente seria o que aconteceria sempre que um governo não é considerado legítimo pelos cidadãos. Depois de ter assistido durante tanto tempo ao espetáculo de Saddam e filhos roubarem o que conseguissem e de quem conseguissem roubar, os iraquianos comuns sentir-se-iam, então, merecedores do direito de também roubar um pouco. Mas Londres não é Bagdá e o primeiro-ministro britânico David Cameron não é Saddam. Assim sendo, nada haveria a aprender dos saques em Londres.

Mas há exemplos no mundo democrático. A Argentina, em 2001. A economia em queda livre e milhares de pessoas vivendo em periferias destruídas (que haviam sido prósperas zonas fabris, antes da era neoliberal) invadiram e saquearam supermercados de propriedade de empresas estrangeiras. Saíam empurrando carrinhos abarrotados dos produtos que perderam condições para comprar – roupas, aparelhos eletrônicos, carne. O governo implantou “estado de sítio” para restaurar a ordem; a população não gostou e derrubou o governo.

Na Argentina, o episódio ficou conhecido como El Saqueo – o saque[1]. É exemplo politicamente significativo, porque a palavra aplica-se, na Argentina, também ao que as elites do país fizeram, ao vender patrimônio da nação à guisa de ‘privatizar’, em negócios de corrupção flagrante e enviando para o exterior o produto das ‘privatizações’, para, em seguida, cobrar do povo obediência a um brutal pacote de ‘austeridade’. Os argentinos entenderam que o saque dos supermercados jamais teria acontecido sem o saque anterior, muito maior, do próprio país; e que os reais gângsteres estavam no governo.

Mas a Inglaterra não é a América Latina e, na Inglaterra, não há tumultos políticos – ou, pelo menos, é o que nunca se cansam de repetir. Os jovens que devastaram ruas em Londres são crianças sem lei, que se aproveitam de uma situação, para roubar o que não lhes pertence. E a sociedade britânica, diz-nos Cameron, tem ojeriza a esse tipo de gente mal comportada.

Disse, e com ar sério. Como se os ‘resgates’ massivos dos bancos jamais tivessem acontecido, seguidos imediatamente do pagamento de escandalosos bônus recordes aos altos executivos. Depois, as reuniões de emergência do G-8 e do G-20, mas quais os líderes decidiram, coletivamente, nada fazer para punir os banqueiros por esse ou aquele crime, além de também nada fazer para impedir que crises semelhantes voltem a acontecer. Em vez disso, cada um daqueles líderes nacionais voltou aos seus respectivos países para impor sacrifícios ainda maiores aos mais vulneráveis. Como? A receita é sempre a mesma: despedir trabalhadores do setor público, fazer dos professores bodes expiatórios, cancelar acordos previamente firmados com sindicatos, aumentar as mensalidades escolares, promover rápida privatização de patrimônio público e reduzir aposentadorias e pensões. – Cada um que prepare a mistura específica para o país onde viva. E quem lá está, na televisão, pontificando sobre a necessidade de abrir mãos desses “benefícios”? Os banqueiros e gerentes de empresas de hedge-fund, claro.

É o Saqueo global, tempo de saques imensos! Alimentados por um sentido patológico de ‘direitos adquiridos’ pelos ricos, o grande saque global está em andamento à luz do dia, como se nada houvesse a esconder. Mas há, sim, temores ocultados. No início de julho, o Wall Street Journal, citando pesquisa recente, noticiava que 94% dos milionários temiam “a violência nas ruas”. Aí, afinal, um medo compreensível.

Claro que os tumultos de rua em Londres não foram protesto político. Mas o pessoal dos saques noturnos com certeza absoluta sabe que suas elites passaram o dia dedicadas aos saques diários. Saqueos são contagiosos.

Os Conservadores acertam quando dizem que os tumultos nada têm a ver com os cortes. Mas, sim, têm muito a ver com os cortados que os cortes cortaram. Presos longe, numa subclasse que infla dia a dia e sem as vias de escape que antes havia – um emprego no sindicato, educação barata e de boa qualidade –, eles estão sendo descartados. Os cortes são um sinal: dizem a todos os setores da sociedade que os pobres estão fixados onde estão – como dizem também aos imigrantes e refugiados impedidos de ultrapassar fronteiras nacionais cada dia mais militarizadas e fechadas.

A resposta de David Cameron às agitações de rua é tornar literal e completo o descarte dos mais pobres: fim dos abrigos públicos, ameaças de censura e corte das ferramentas de comunicação social e penas de prisão absolutamente inadmissíveis; uma mulher foi condenada a cinco meses de cadeia, por ter recebido um short roubado [e hoje, 17/8/2011, dois homens foram condenados a quatro anos de prisão, por incitarem tumultos pela internet, apesar de não se ter provado que sua ‘incitação’ levou a alguma consequência (NTs, com informações de Guardian em http://www.guardian.co.uk/uk/2011/aug/17/facebook-cases-criticism-riot-sentences)]. Mais uma vez a mensagem é clara contra os pobres que incomodam: sumam. E sumam em silêncio.

Na reunião “de austeridade” do G-20 em Toronto, os protestos viraram tumultos e vários carros da polícia foram incendiados. Nada que se compare a Londres 2011, mas o suficiente para deixar-nos, os canadenses, muito chocados. A grande discussão naquela ocasião era que o governo havia consumido $675 milhões de dólares na “segurança” da reunião (e ninguém conseguia sequer impedir o incêndio de carros da polícia). Naquele momento, muitos dissemos que o novo e caríssimo novo armamento que a polícia havia comprado – canhões de água, canhões de som, granadas de gás lacrimogêneo e munição revestida de borracha – não havia sido comprado para ser usado contra os manifestantes nas ruas; que, no longo prazo, aquele equipamento seria usado para disciplinar os pobres que, na nova era de ‘austeridade’, seriam empurrados para a perigosa posição de pouco terem a perder.

Isso, precisamente, é o que David Cameron absolutamente não entende: é impossível cortar orçamentos militares ou policiais, no mesmo momento em que você corta todos os gastos públicos. Porque, se o estado rouba os cidadãos, tirando deles o pouco que ainda têm, pensando em proteger os interesses dos que acumulam muito mais do que qualquer ser humano precisa para viver, é claro que deve esperar o troco ou, pelo menos, deve esperar resistência – seja a resistência de protestos organizados, seja a resistência das ondas de saques. Não é propriamente problema político: é problema matemático, físico.

[1] Ver, sobre esse período, Memoria del Saqueo, filme de Fernando “Pino” Solanas, Argentina, 2004. Pode ser baixado de http://docverdade.blogspot.com/2009/03/memorias-do-saque-memoria-del-saqueo.html [NTs].

Fonte:
http://www.thenation.com/article/162809/daylight-robbery-meet-nighttime-robbery?rel=emailNation

Tradução: Coletivo Vila Vudu