quinta-feira, 28 de junho de 2012

Assassino às terças-feiras

A história é o inimigo quando as psy-ops se tornam notícia
por John Pilger



Ao chegar a uma aldeia no Vietname do Sul, deparei-me com duas crianças que testemunhavam a mais longa guerra do século XX. Suas terríveis deformidades eram familiares. Ao longo do rio Mekong, onde as florestas foram petrificadas e silenciadas, pequenas mutações humanas viviam o melhor que podiam. Hoje, no hospital pediátrico Tu Du em Saigon, um antigo anfiteatro é conhecido como a "sala da colecção" e, não oficialmente, como a "sala dos horrores". Ali há prateleiras com grandes garrafas que contêm fetos grotescos. Durante a sua invasão do Vietname, os Estados Unidos pulverizaram um herbicida desfolhante sobre a vegetação e aldeias a fim de negar "cobertura ao inimigo".


Era o Agente Laranja , o qual continha dioxina, venenos com tal poder que provocavam a morte fetal, abortos, danos cromossomáticos e cancro. Em 1970, um relatório do Senado dos EUA revelou que "os EUA despejaram [sobre o Vietname do Sul] uma quantidade de produtos químicos tóxicos que se eleva a seis libras [2,72 kg] per capita da população, incluindo mulheres e crianças". O nome de código para esta destruição maciça, Operação Hades, foi alterado para o mais amistoso Operação Ranch Hand.

Hoje, cerca de 4,8 milhões de vítimas do Agente Laranja são crianças. Len Aldis, secretário da Sociedade de Amizade Britânico-Vietnamita, retornou recentemente do Vietname com uma carta ao Comité Olímpico Internacional escrita pela União das Mulheres do Vietname. A presidente da união, Nguyen Thi Thanh Hoa, descreveu "as graves deformações congénitas [provocadas pelo Agente Laranja] de geração para geração". Ela pedia ao COI que reconsiderasse a sua decisão de aceitar patrocínio das Olimpíadas de Londres pela Dow Chemical Corporation, que foi uma das companhias a fabricar o veneno e que se recusou a indemnizar as suas vítimas. Aldis entregou a carta em mãos no gabinete de Lord Coe, presidente do Comité Organizador de Londres. Não houve resposta. Quando a Amnistia Internacional denunciou que em 2001 a Dow Chemical adquiriu "a companhia responsável pela fuga de gás de Bhopal [na Índia em 1984] que matou 7 mil a 10 mil pessoas de imediato e 15 mil nos 20 anos seguintes", David Cameron descreveu a Dow como uma "companhia respeitável". Aclamações, portanto, para as câmaras de TV ao longo dos painéis decorativos de £7 milhões [€8,75 milhões] que orlam o estádio olímpico: são o resultado de um "acordo" de 10 anos entre o COI e um destruidor tão respeitável. A história é enterrada juntamente com os mortos e deformados do Vietname e de Bhopal. E a história é o novo inimigo. Em 28 de Maio, o presidente Obama lançou uma campanha para falsificar a história da guerra no Vietname. Para Obama, não houve Agente Laranja, nem zonas de fogo livre, nem disparos sobre indefesos (turkey shoots), nem encobrimentos de massacres, nem racismo desenfreado, nem suicídios (pois muitos americanos acabaram com as suas próprias vidas), nem derrota frente à força de resistência de uma sociedade empobrecida. Ela foi, disse o sr. Hopey Changey, "uma das mais extraordinárias histórias de bravura e integridade nos anais da história militar [dos EUA]".

 No dia seguinte, o New York Times publicou um longo artigo a documentar como Obama selecciona pessoalmente as vítimas dos seus ataques drone por todo o mundo. Ele faz isto nas "terças-feiras de terror" quando folheia álbuns com fotos de rostos numa "lista da morte", alguns deles adolescentes, incluindo "uma garota que parecia ainda mais jovem do que os seus 17 anos". Muitos são desconhecidos ou simplesmente em idade militar. Guiados por "pilotos" sentados frente a écrans de computador em Las Vegas, os drones disparam mísseis Hellfire que sugam o ar para fora dos pulmões e explodem pessoas em bocados. Em Setembro último, Obama matou um cidadão americano, Anwar al-Awlaki, puramente na base de rumor de que ele estava a incentivar terrorismo. "Este aqui é fácil", ele é citado por ajudantes como dizendo isso ao assinar a sentença de morte do homem. Em 6 de Junho, um drone matou 18 pessoas numa aldeia no Afeganistão, incluindo mulheres, crianças e um idoso que estavam a celebrar um casamento. O artigo do New York Times não foi uma fuga ou uma revelação. Foi uma matéria de relações públicas concebida pela administração Obama para mostrar num ano de eleição quão duro o "comandante em chefe" pode ser . Se reeleito, a Marca Obama continuará a servir a riqueza, a perseguir os que dizem a verdade, a ameaçar países, a propagar vírus de computador e a assassinar pessoas toda terça-feira. As ameaças contra a Síria, coordenadas em Washington e Londres, escalam novos picos de hipocrisia. Ao contrário da propaganda primária apresentada como notícia, o jornalismo investigativo do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung identifica os responsáveis pelo massacre em Houla como sendo os "rebeldes" apoiados por Obama e Cameron. As fontes do jornal incluem os próprios rebeldes. Isto não foi completamente ignorado na Grã-Bretanha. Escrevendo no seu blog pessoal, de modo extremamente calmo, Jon Williams, o editor de notícias mundiais da BBC, efectivamente serve a sua própria "cobertura", citando responsáveis ocidentais que descrevem a operação "psy-ops" [operação psicológica] contra a Síria como "brilhante". Tão brilhante quanto a destruição da Líbia, do Iraque e do Afeganistão. E tão brilhante quanto a psy-ops mais recente do Guardian com a promoção de Alastair Campbell, o colaborador chefe de Tony Blair na criminosa invasão do Iraque. Nos seus "diários", Campbell tenta salpicar sangue iraquiano sobre o demónio Murdoch. Há em abundância para encharcar todos eles. Mas o reconhecimento de que os medida respeitáveis, liberais, bajuladores de Blair, foram um acessório vital para um crime tão gigantesco é omitido e permanece como um teste singular de honestidade intelectual e moral na Grã-Bretanha. Até quando devemos sujeitar-nos a um tal "governo invisível"? Esta expressão para a propaganda insidiosa cunhada por Edward Bernays – o sobrinho de Sigmund Freud que inventou as modernas relações públicas – nunca foi tão adequada. A "realidade falsa" exige amnésia histórica, a mentira por omissão e a transferência de significância para o insignificante. Deste modo, sistemas políticos que prometiam segurança e justiça social foram substituídos pela pirataria, "austeridade" e "guerra perpétua": um extremismo destinado ao derrube da democracia. Aplicado a um indivíduo, isto identificaria um psicopata. Por que aceitamos isto?

domingo, 24 de junho de 2012

O golpe está nu (e sempre esteve)

Vamos supor que em algum país latino-americano um governo amigável ao mercado, de ideologia empresarial e direitista, fosse vítima de um processo de impeachment em um prazo de 48 horas com direito a 2 horas de defesa, e no lugar dele fosse instalado o seu vice-presidente que, há mais de um ano havia se bandeado para os lados do bolivarianismo. Posso imaginar as ondas de indignação reverberando pela mídia privada desse nosso país, aos berros indignados com a corrupção, o golpismo e o espírito anti-democrático no país vizinho. Pois eis que tudo aconteceu ao contrário esta semana no Paraguay, e, sim, essa mesma mídia, que tantas vezes quer nos ensinar o que é democracia, está exibindo um leque de posicionamentos que vão da resignação calma ao apoio entusiástico.

Mas já que a mídia privada não cumpre o seu papel, cabe aos comentaristas independentes exercerem o tão desejável bom senso que tantas vezes parece faltar ao mundo.

Vamos aos fatos: 

1 - O processo de impeachment foi realizado de modo sumário sem ver assegurado o direito à defesa
2 - As acusações são políticas e não jurídicas, e não houve qualquer manifestação popular as apoiando.
3 - Numa democracia quem faz julgamentos políticos é o povo através de eleições.
4 - Os incidentes usados como pretexto para o impeachment ainda estão sendo investigados e não foram apresentadas quaisquer provas para fundamentar as acusações.
5 - Incidentes semelhantes já ocorreram em diversos países, inclusive o Brasil, sem maior consequência politica.
6 - O incidente envolve repressão a camponeses que lutam por reforma agrária num país onde 85% das terras pertence a 2% das pessoas.
7 - Há indícios que os policiais assassinados foram mortos por franco atiradores e não camponeses como se foi declarado
8 - Os políticos beneficiados pelo "impeachment" são os mesmos que dominaram o país durante sua longa ditadura
9 - Os grupos econômicos beneficiados incluem a famigerada mega-empresa Monsanto, cujo desrespeito pela natureza dispensa apresentações.

Tudo isso me leva a concluir que, no paraguai, essa semana, a democracia saiu tristemente derrotada. No artigo abaixo o comentarista Leonardo Severo aborda graves suspeitas que cercam os acontecimentos usados como pretexto no golpe e as conexões agro-empresariais estão por trás de tudo.

Paz
Alexei


Leonardo Severo: A desinformação midiática e o golpe da Monsanto


Como as multinacionais e os conglomerados de comunicação atuaram coordenados na derrubada do presidente Fernando Lugo

Por Leonardo Severo*



“A situação de expectativa gerada pela decisão dos legisladores de submeter o presidente Fernando Lugo a juízo político foi, finalmente, resolvida de um modo ordenado, pacífico e respeitoso da legalidade, da institucionalidade e dos critérios essenciais de equidade que devem presidir processos tão delicados como o que acaba de ser levado a bom termo. A destituição do presidente abre fundadas esperanças num futuro melhor”.

Editorial do jornal ABC Color

“Um presidente sem respaldo, que se mostra negligente e incapaz, não pode seguir governando. Sem lugar a dúvidas, o erro mais grave de Fernando Lugo foi o respaldo outorgado a dirigentes de supostos camponeses que receberam carta branca do governo para invadir terras, ameaçar e desafiar o Estado de Direito. Lugo decepcionou a grande maioria da cidadania paraguaia com suas decisões errôneas, seu sarcasmo, sua desastrosa vida pessoal, sua ambiguidade e sua crescente amizade com inimigos declarados da democracia, como Hugo Chávez e os irmãos Castro”.

Editorial do jornal Vanguardia
“Lugo tem princípios populistas (não necessariamente incendiários). A reputação de honestidade lhe ajudou a ganhar, porém necessitará um pouco da ajuda do céu para exercer a Presidência”.
Informação da Embaixada dos EUA, datada de junho de 2008, vazada pelo WikiLeaks, antes da posse de Lugo .


Uma grotesca farsa caiu como raio em céu claro sobre o presidente constitucional do Paraguai, Fernando Lugo. Em questão de horas o mandatário teve o seu “impeachment” proposto, analisado e votado pelo Congresso, mediante um processo metodicamente orquestrado pelas multinacionais Monsanto e Cargill, a oligarquia latifundiária, as elites empresariais e sua mídia.
As comemorações estampadas nas capas dos principais jornais paraguaios dão a dimensão do ódio de classe, com as desclassificadas mentiras destiladas contra quem se dispôs – ainda que com vacilos e limitações - a virar a página de abusos e subserviência aos ditames de Washington e suas empresas.

O cerco midiático contra Lugo vinha se fechando, num país em que 85% das terras encontram-se nas mãos de 2% da população e onde os mesmos donos dos três principais jornais, umbilicalmente vinculados às transnacionais e ao sistema financeiro, também controlam as emissoras de rádio e televisão. Assim, de forma suja e monocórdica, foram convocadas manifestações, com bloqueio de estradas, para o próximo dia 25 de junho. Grandes “tratoraços” em protesto contra a decisão do governo em favor da saúde da população e da soberania alimentar - de não liberar a semente de algodão transgênico Bollgard BT, da Monsanto, cuja sequência genética está mesclada ao gene do Bacillus Thurigensis, bactéria tóxica que mata algumas pragas de algodão. A decisão, que afetava milionários interesses da multinacional estadunidense, havia sido comunicada pelo Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave), uma vez que a liberação não tinha o parecer do Ministério da Saúde e da Secretaria do Meio Ambiente.

“A Monsanto, através da UGP, estreitamente ligada ao Grupo Zuccolillo, que publica o diário ABC Color, se lançou contra a Senave e seu presidente Miguel Lovera por não ter inscrito a sua semente transgênica para uso comercial no país”, denuncia o jornalista e pesquisador paraguaio Idilio Méndez Grimaldi.

Para tirar o Senave do caminho foi alegado o surrado argumento da “corrupção” no órgão, o mesmo estratagema da máfia de Carlinhos Cachoeira para tomar de assalto o DNIT e alavancar negociatas, via utilização de seus vínculos com a revista Veja para denunciar desvios no órgão – conseguindo inclusive a queda do ministro dos Transportes.

Desta forma, “denúncias” por parte de uma pseudossindicalista do Senave, Silvia Martínez, ganharam manchetes na mídia canalha. O jornal ABC Color do dia 7 de junho último acusou o chefe do Senave, Miguel Lovera, de “corrupção e nepotismo na instituição que dirige”. Mas o fato é que a pretensa sindicalista advogava em causa própria, do marido e de seus patrocinadores. Conforme revelou Grimaldi, “Silvia Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas – todas sócias da UGP (Unión de Grêmios de la Producción) - entre elas Agrosán, recentemente adquirida pela Syngenta, outra transnacional, por 120 milhões de dólares”.

Algo similar à UDR (União Democrática Ruralista) de Ronaldo Caiado, e aos ruralistas da senadora Kátia Abreu, a UGP é comandada por Héctor Cristaldo, sustentado por figuras como Ramón Sánchez – vinculado ao setor agroquímico - entre outros agentes das transnacionais do agronegócio. “Cristaldo integra o staff de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do jornal ABC Color desde sua fundação sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP)”, esclarece Idílio Grimaldi. O jornalista lembra que o Grupo Zuccolillo é o principal sócio no Paraguai da Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio do mundo. “Tal sociedade” construiu um dos portos graneleiros mais importantes do Paraguai, o Porto União, a 500 metros da absorção de água da Companhia de Saneamento do Estado, sobre o rio Paraguai, sem qualquer restrição”, esclarece.

Com a proteção do apodrecido Congresso que condenou Lugo, as transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, com uma carga tributária de 13% do PIB, tão insignificante que acaba inviabilizando os serviços públicos.

Vale lembrar que a saúde e a educação eram totalmente privadas antes da ascensão de Lugo à Presidência, num país em que os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária, uns 5 milhões de dólares - segundo estudo do Banco Mundial – ainda quando a renda do agronegócio alcance cerca de 6 bilhões de dólares anuais, em torno de 30% do PIB.

Na sexta-feira, 8 de junho, a UGP publicou no ABC Color seus “12 argumentos para destituir Lovera” . ( http://www.abc.com.py/edicion-impresa/economia/presentan-12-argumentos-para--destituir-a--lovera-411495.html). Tais "argumentos” foram apresentados ao então vice-presidente da República, Federico Franco, correligionário do ministro da Agricultura e pró-Monsanto, recém nomeado “presidente”.

Na sexta-feira, 15, descreve Grimaldi, “em função de uma exposição anual organizada pelo Ministério de Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardozo deixou escapar um comentário à imprensa: um suposto grupo de investidores da Índia, do sector agroquímico, cancelou um projeto de investimentos no Paraguai pela alegada corrupção no Senave. Nunca esclareceu de que grupo se tratava. Nas mesmas horas daquele dia ocorriam os trágicos acontecimentos de Curuguaty, onde morreram onze camponeses e seis policiais”. O sangue derramado foi o pretexto utilizado pela direita para o impeachment.

Como na Venezuela, franco-atiradores

O que se sabe é que a exemplo da tentativa de golpe de Estado na Venezuela, onde a CIA utilizou franco-atiradores para assassinar os manifestantes contrários ao governo para jogar a culpa do massacre sob os ombros de Hugo Chávez, também em Curuguaty agiram franco-atiradores. E dos bem profissionais. E movidos pelos mesmos propósitos.

Na região de Curuguaty está localizada a estância de Morombí, propriedade do latifundiário e grileiro Blas Riquelme, dono de mais de 70 mil hectares. O “terrateniente” é uma das viúvas da ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989), um dos principais beneficiados pela tristemente célebre Operação Condor, desenvolvida pela CIA no Cone Sul para torturar, assassinar e desaparecer com todo aquele que ousasse contrariar os interesses estadunidenses na região. Ele também foi presidente do Partido Colorado por longos anos e senador da República, sendo igualmente dono de uma rede de supermercados e estabelecimentos pecuários.

Como Riquelme havia se apropriado mediante subterfúgios legais de aproximadamente dois mil hectares pertencentes ao Estado paraguaio, camponeses sem terra ocuparam o local e solicitaram do governo Lugo a sua desapropriação para fins de reforma agrária. Um juiz e uma promotora ordenaram a retirada das famílias por meio do Grupo Especial de Operaciones (GEO) da Polícia Nacional, esquadrão de elite que, em sua maioria, foi treinado por militares dos EUA na Colômbia, durante o governo fascista de Álvaro Uribe.

Na avaliação de Grimaldi, que também é membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai (SEPPY), somente uma sabotagem interna dentro dos quadros da própria inteligência da Polícia, com a cumplicidade da Promotoria, explicaria a emboscada na qual morreram seis policiais. Uma ação estrategicamente planejada com um objetivo bem definido. “Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, pudessem cair tão facilmente numa suposta armadilha feita por camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada pela oligarquia. A tropa reagiu, matando 11 camponeses e deixando cerca de 50 feridos”. Entre os policiais mortos, ressalta, estava o chefe da GEO, Erven Lovera, irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe da segurança do presidente. Um recado claro e preciso para Lugo.

A serviço da Monsanto

Conforme o jornalista, no marco da apresentação preparada pelo Ministério da Agricultura – a serviço dos EUA -, a transnacional Monsanto anunciou outra variedade de algodão, duplamente transgênico: BT e RR ou Resistente ao Roundup, herbicida fabricado e patenteado pela multinacional, que quer a liberação da semente no país.

Para afastar incômodos obstáculos, antes disso o diário ABC Color vinha denunciando “presumíveis” fatos de corrupção dos ministros do Meio Ambiente e da Saúde, Oscar Rivas e Esperança Martínez, que também haviam negado posição favorável à Monsanto.

A multinacional faturou no ano passado, somente com os royalties pelo uso de sementes transgênicas de soja no Paraguai, 30 milhões de dólares, livre de impostos, (porque não declara esta parte de sua renda). “Independente disso, a multinacional também fatura pela venda das sementes transgênicas. Toda a soja cultivada é transgênica numa extensão próxima aos três milhões de hectares, numa produção em torno de sete milhões de toneladas em 2010”, revela Grimaldi.

Por outro lado, acrescenta o jornalista, a Câmara de Deputados já aprovou projeto de Lei de Biosseguridade, que contempla criar uma direção de Biossegurança com amplos poderes para a aprovação do cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam elas de soja, milho, arroz, algodão... Este projeto de lei elimina a atual Comissão de Biosseguridade, ente colegiado de funcionários técnicos do Estado paraguaio, visto como entrave aos desígnios da Monsanto.

“Enquanto transcorriam todos esses acontecimentos, a UGP vinha preparando um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o dia 25 de junho, com máquinas agrícolas fechando parte das estradas em diferentes pontos do país. Uma das reivindicações do denominado ‘tratoraço’: a destituição de Miguel Lovera do Senave, assim como a liberação de todas as sementes transgênicas para cultivo comercial”.

Dado o golpe, como estamparam os grandes conglomerados de mídia no Paraguai neste sábado, “a manifestação da UGP foi suspensa”. Afinal, “há um novo governo, mais sensível ao mercado”.

*Jornalista e escritor, autor de O Latifúndio Midiota

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Não querem que você saiba sobre a Islândia


O ex-primeiro-ministro Geir Haarde está sendo julgado em Reijkjavik por ter conduzido o país à catástrofe de 2008 e pode ser condenado a até dois anos de prisão. A virada neoliberal da Islândia, com desregulamentação financeira e privatizações em massa, começou no governo de David Oddson, em 1991. Haarde não é o único culpado, embora tenha sido parte importante do processo desde bem antes do início do seu governo, em 2006, primeiro como líder parlamentar do Partido da Independência (conservador, então no governo) de 1991 a 1998 e ministro da Fazenda de Oddson de 1998 a 2005.

É uma oportunidade para o país refletir sobre a transformação de estável social-democracia escandinava em centro financeiro desregulamentado cuja precariedade se viu quando a crise hipotecária dos EUA fez falir seus maiores bancos, com passivos externos mais de 20 vezes maiores que o PIB.

A ducha gelada da crise despertou os -islandeses do sonho consumista e os lançou às ruas com uma versão nórdica do “que se vayan todos!” A renúncia de Haarde e a eleição de um governo de centro-esquerda não bastaram para satisfazê-los: rejeitaram por duas vezes, em plebiscito, propostas de pagamento parcial da dívida externa deixada pelos bancos falidos. O fato de que, depois disso, o país esteja se recuperando muito melhor que os europeus oprimidos pela “austeridade” é a explicação para o silêncio quase absoluto da mídia internacional sobre esse país e seu julgamento do neoliberalismo.

sábado, 24 de março de 2012

Privataria argentina - nos trilhos da tragédia

Como o sistema ferroviário da Argentina foi saqueado

A rede ferroviária estatal argentina tinha 40.000 km e nela trabalhavam 190.000 empregados. Era a mais extensa da América Latina e, de certo modo, a coluna vertebral de um país. A história do desmonte desse sistema começa nos anos 60, quando montadoras estadunidenses e o Banco Mundial impulsionaram o Plano Larkin para desarmar a rede ferroviária do país, chegando até a reforma do Estado dos anos 90, quando o neoliberal Carlos Menem desmontou o Estado, privatizando todo seu patrimônio. O artigo é de Francisco Luque.

Buenos Aires - Ao se completar um mês do trágico acidente ferroviário da linha Sarmiento, na Estação de Once, em Buenos Aires, que deixou 51 mortos e 703 feridos - três deles continuam hospitalizados -, ainda escuta-se o barulho. O barulho das famílias das vítimas que pedem maior celeridade à justiça para esclarecer as causas diretas do acidente e estabelecer quem foram os responsáveis. Também o ruído de uma sociedade ainda chocada que quinta-feira pela manhã, às 8h30min, a mesma hora da colisão, fez soar as buzinas de seus carros em lembrança das vítimas. Mas há outro ruído, talvez mais permanente e profundo, e é o ruído do saque do qual foi objeto o sistema ferroviário argentino.

A Justiça argentina investiga as responsabilidades imediatas da tragédia, mas para os especialistas, as causas que produziram este acidente estão nos processos sociais e econômicos que a Argentina viveu nos últimos 60 anos. A busca chega até aos anos sessenta, quando as montadoras estadunidenses instaladas na Argentina, impulsionaram o Plano Larkin – implementado por sua vez pelo Banco Mundial, para desarmar a rede ferroviária argentina –, até a reforma do Estado dos anos noventa, quando o neoliberal Menem desmontou o Estado, privatizando - saqueando?- todo seu patrimônio.

Historicamente, a rede ferroviária estatal argentina tinha 40.000 km e nela trabalhavam 190.000 empregados. Era a mais extensa da América Latina e era, de certo modo, a coluna vertebral de um país. A Argentina havia se estruturado em povoados que nasceram ao longo desses trilhos. Era um país solidário e inclusivo, com acesso aos centros nevrálgicos de produção e participação nas definições sobre um conceito de país.

O saque começou na ditadura de 1976, quando não só se usurpavam vidas, mas também bens. Era a destruição planejada do Estado e do patrimônio nacional acumulado durante o século XX com o objetivo de consolidar o capital financeiro e os grupos econômicos.

Quando a ditadura se instalou, a condução da área de Transporte ficou radicada no Ministério de Economia através da Secretaria de Transporte e Obras Públicas. Ali se elaborou um plano de ação para retomar as medidas de racionalização recomendadas 15 anos antes pelo Plano Larkin para pôr em prática a privatização periférica (vazamento lento e progressivo, somado à terceirização de investimentos, atividades e serviços de empresas privadas) da estatal Ferrocarriles Argentinos. O resultado? Fechamento de ramais antieconômicos, supressão de trens de passageiros de baixa utilização, fechamento de oficinas redundantes, fechamento de estações, supressão da tração a vapor, etc.

Entre 1976 e 1980 foram abandonadas cerca de 600 estações, reduziram-se trens de passageiros interurbanos e locais do interior em 30% e fecharam-se 5500 km de linhas secundárias. Só nas oficinas, a quantidade de pessoal reduziu-se de 155 mil empregados em 1976 para 97 mil em 1980, segundo o livro “Nueva Historia del Ferrocarril en Argentina”, de Mario López e Jorge Waddol. A desconexão do país e a intensa eliminação de oficinas contribuíram para a decadência e desaparição de uns 700 povoados, e a aceleração da pobreza e da desigualdade.

Com Menem, nos anos 90, e a influência do neoliberalismo em escala planetária, decidiu-se arrasar com o sistema de trens e aplicou-se a célebre frase do presidente: “Cirurgia maior sem anestesia”. 600 povoados desapareceram. Oitenta mil trabalhadores ferroviários foram despedidos. A imprensa fiel ao período de “pizza com champanhe” informava que os trens perdiam um milhão de dólares diários sobre uma rede de 35.000km. Havia que fechá-la ou privatizar o pouco que restava. Foi a amostra feroz da cumplicidade do poder político com os grupos econômicos.

Na atualidade subsistem uns 7.000km de vias maltratados e trens que não podem avançar a mais de 40 km por hora. Cerca de 20.000 pessoas trabalham no ramo. A maioria dos vagões tem entre 40 e 50 anos; os trilhos são instáveis, as janelas quebram e não são consertadas, as portas não fecham.
Néstor Kirchner herdou a pior crise econômica da história da Argentina. E muito não pôde fazer com respeito aos trens, entendido como um serviço público indispensável. Manteve-se um funcionamento deficiente compensado com uma tarifa congelada – quase simbólica -, outorgando subsídios à concessionárias, administradores do funcionamento - sem os controles adequados. Recuperaram-se alguns ramais ferroviários, mas sem melhoras em infraestrutura e adquiriu-se material descartado em seus países de origem pelos anos de uso.

“Os subsídios às empresas privadas sem controles efetivos do Estado são mais uma página sombria na continuação de um “Estado Hood Robin”, como o batizou outrora o jornalista Horacio Verbitsky, onde se paga para que continuem crescendo empresas privadas à custa de cada argentino. Em outras palavras, “se tira do pobre para dar ao rico”, sustenta a analista Maria Seoane.

As empresas concessionárias foram a grande dor de cabeça do sistema ferroviário nos últimos tempos. Como bem aponta o jornalista Hernán Brienza: “a política de subsídios pensada desde 2003 para que milhões de argentinos humildes possam viajar a preços irrisórios acabou sendo letal em mãos do grupo concessionário que mais controle e poder tem sobre os trens”. Grupos empresariais beneficiados como o da família Cirigliano, concessionária do Trem Sarmiento TBA, entre outras, teve um crescimento econômico exponencial durante os últimos anos, e, como afirma Edgardo Reynoso, secretário da União Ferroviária, os trens da linha dos Cirigliano continuam circulando "à beira do desastre". Esta concessionária está sob intervenção do Estado desde o acidente.

Para a classe trabalhadora, a solução é clara: que os concessionários vão embora e que se reestatizem todos os trens em uma empresa só, sob o controle dos trabalhadores e dos usuários. Essa é a única possibilidade de solução para o atual estado calamitoso da ferrovia, sustentam.

Passado um mês da tragédia de Once, entre aplausos, buzinas e pedidos de "justiça", centenas de pessoas protestaram na estação de trens pedindo o esclarecimento do acidente.

Tradução: Libório Junior

segunda-feira, 5 de março de 2012

1% de democracia

Uma eleição do um por cento

Para muitos nos EUA, a impressão é que esta é uma eleição do um por cento, para o um por cento e pelo um por cento, guiada, desenhada e coreografada pelos melhores técnicos especializados em criar uma ilusão de democracia enquanto os donos do jogo se dedicam ao negócio do poder real. Talvez o mais interessante agora sejam os detalhes raros deste concurso. Como o que ocorreu no Arizona, Estado mais anti-imigrante dos EUA, com o republicano Paul Babeu, uma das figuras mais "machonas" da política estadual, cujo conflito passional com um imigrante veio a público. O artigo é de David Brooks.

Que a eleição presidencial norte americana parece estar reduzida, com seu tsunami de fundos ilimitados e não regulados, a um concurso entre milionários para impor o seu favorito na Casa Branca já não é notícia. Para muitos, a impressão é que esta é uma eleição do um por cento, para o um por cento e pelo um por cento, guiada, desenhada e coreografada pelos melhores técnicos especializados em criar uma ilusão de democracia enquanto os donos do jogo se dedicam ao negócio do poder real. Portanto, talvez o mais interessante agora sejam os detalhes raros e absurdos deste concurso ou as coisas que se revelam da classe política por acidente.

Por exemplo, no sábado passado houve uma agitação no estado mais orgulhosamente anti-imigrante do país, o Arizona. Ali, uma das figuras mais “machonas” da política estadual, um “sheriff” reconhecido por sua feroz posição anti-imigrante e fama de ser ex-militar e grande defensor da “lei e da ordem”, também candidato ao Congresso, de repente teve que renunciar à vice-presidência estadual da campanha presidencial do republicano Mitt Romney. A razão: um conflito passional com um homem, que além de tudo é... um imigrante mexicano!

Paul Babeu, político muito popular no Arizona, xerife do condado de Pinal, anunciou sua renúncia após serem publicadas nos meios de comunicação locais, versões de que havia ameaçado deportar um ex-namorado, de origem mexicana, quando este – identificado como José – recusou ocultar uma relação que, afirmou, durou anos. José declarou ao Phoenix New Times que recusou assinar um acordo segundo o qual jamais revelaria sua relação com Babeu e por isso foi ameaçado com a deportação. No sábado, Babeu foi obrigado a confessar, em entrevista coletiva, que teve uma relação “pessoal” com José, mas negou que houvesse ameaçado deportá-lo, embora admitisse: “A verdade é que sou gay”. As primárias no Arizona se realizaram nestes dias e o que menos desejava Romney, que destaca suas credenciais de “conservador” extremo, é que alguém associado a ele seja gay.

Falando de estrangeiros, os republicanos ainda tentam manter a suspeita de que Obama não é norte americano. Entre as filas ultraconservadoras se suspeita ainda da veracidade de sua certidão de nascimento e, embora os pré-candidatos tenham abandonado essa linha de ataque (que utilizaram na eleição de 2008), desejam gerar a ideia de que mesmo Obama sendo norte americano, suas ideias sim são estrangeiras. Na impossibilidade de poder chamá-lo “africano” ou “muçulmano”, como tentaram antes, agora o pior insulto é que é um socialdemocrata ou socialista estilo europeu. O pré-candidato presidencial republicano Newt Gingrich o acusou de estar “a favor do socialismo europeu”.

Romney afirmou que Obama promove um “Estado de Bem estar de estilo europeu” em contraste com o seu, que é de “um país livre”. Como assinala o colunista Harold Meyerson, do The Washington Post, a “culpabilidade por associação era muito mais simples quando a associação, ou suposta associação, era com comunistas. Em sua ausência, os republicanos enfrentaram o desafio de tornarem-se mais ridículos. E conseguiram!”.

Enquanto isso houve um intenso debate sobre a “liberdade de religião” quando os bispos católicos proclamaram sua oposição a que hospitais e escolas católicas paguem o custo de anticoncepcionais para seus funcionários, como estipula a reforma de saúde impulsionada por Obama. Quando o governo de Obama conseguiu torcer a férrea oposição da hierarquia católica, ao dizer que as seguradoras e não suas instituições pagariam esses custos, os bispos insistiram que ninguém deve pagar por algo tão cheio de maldade como a contracepção. Agora alguns republicanos atacam Obama como “inimigo da religião”.

O espetáculo da hierarquia – por definição de puros homens –, defendendo seus supostos princípios morais sobre a sexualidade, apesar da vasta maioria de seus fiéis não compartilharem seu ponto de vista e de que não há nenhuma menção a tal coisa na Bíblia, foi triste. Mas o mais notável, quase obsceno, assinalaram cômicos e satíricos, foi que uma instituição que passa por uma das piores crises de sua história – e paga indenizações multimilionárias – pelas perversas atividades sexuais cometidas com menores de idade por vários de seus pastores espirituais, e depois encobertas por seus líderes, ainda acredite que tem autoridade moral para pronunciar-se sobre isto. Revelou, mais uma vez, essa combinação tão letal de política e religião neste país.

Talvez o exemplo mais extremo desta combinação entre política e religião entre os republicanos é o pré-candidato Rick Santorum, que não só se pronuncia contra a anticoncepção, mas também descarta o aquecimento global, a teoria da evolução, afirma que o sexo gay é “selvagem” e até questiona o papel do Estado na educação (seus filhos foram educados em casa). Tudo em nome de sua fé católica. O fato de ser um candidato viável para a presidência provoca que muitos aqui gritem: “Deus nos salve!”.

E, enquanto tantas coisas sérias acontecem, a convulsão continua em Wall Street. Há duas semanas se realizou um rito anual de uma confraria de banqueiros e executivos de Wall Street que se divertiram zombando do Ocupy Wall Street e de como foram resgatados da crise pelo tesouro público. Todo culminou com o rito de indução de novos membros, que tiveram que vestir roupa de mulher, dançar, cantar e submeterem-se a um bombardeio de pasteizinhos e guardanapos empapados em vinho exclusivo. Estes são, como informou The New York Times, os que tomam decisões cotidianas que “coletivamente podem fazer ou romper os mercados financeiros globais”.

Só com estes exemplos – e tem muito mais – pode-se concluir que, se por um lado os conservadores aqui tem razão: a imigração, o socialismo e o sexo ameaçam os Estados Unidos, por outro, é que talvez o estribilho da canção tema do grande filme Cabaret é o melhor exemplo para descrever a conjuntura neste país: “a vida, meu amigo, é um cabaret”.

(*) Do La Jornada, México. Especial para Página/12.

Tradução: Libório Júnior

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Antibancocracia


PIOR QUE O TRATADO DE VERSALHES: Ministros das Finanças do euro decidem hoje em Bruxelas se o programa de 'ajuste' de Atenas é suficiente --e confiável-- para a troika liberar a ajuda de 130 bi de euros, sem a qual a Grécia quebra** economia grega esfarela desde 2008** programa de ajuste prevê mais uma década de asfixia para --com sorte-- chegar em 2020 com uma relação dívida/PIB de devastadores 160% ** as gerações presente e futura serão conectadas a um implacável sistema de transfusão que as condena a servir aos credores até a morte** é isso que se decide hoje em Bruxelas : a imposição a um povo da mais grave rendição da história mundial, desde o Tratado de Versalhes, decretado pela Sociedade das Nações contra a Alemanha , em 1919, que gerou o nazismo e a II Guerra Mundial** é trágico que esse martírio seja conduzido de forma titânica justamente pela Alemanha de Merkel.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Bandidos e mocinhos


Segue a brutal guerra civil da Síria, bem como a brutal campanha de desinformação sem a qual as guerras não são possíveis. As táticas são velhas conhecidas. De um lado você desenha um monstro louco e sanguinolento, do outro heróis democratas e indefesos que clamam pela intervenção armada estrangeira. Repete-se a simplória mentira diariamente até que ela se torna verdade, e eis a tal da "guerra justificável".

Cabe a nós não permitir que estas deturpações mal intencionadas se espalhem antes que mais e mais guerras sejam travadas em seu nome. A Síria é um caso típico. Um ditador anti-ocidente foi personificado como o novo representante do demônio na terra. Não que ele seja na verdade uma Madre Tereza de Calcuttá (longe disso), mas em quase todas as reportagens veiculadas aqui, a versão é que seu exército está fazendo nada mais que bombardear civís indefesos apenas por estes estarem protestando. A distorcida simplificação da situação é necessária aos interesses das "potências" ocidentais, sem a qual pouco apoio real seria dado ao "inimigo do meu inimigo". Para isso é importante ignorar o fato de que se trata de uma guerra civil de características sectárias, e que milhares de policiais e soldados do governo foram mortos (desde quando "manifestantes pacíficos" matam mais de 2000 soldados?), e que a Al-Qaeda está oficialmente dando apoio aos rebeldes sírios (quem diria que EUA e Al-Qaeda seriam "aliados" tão pouco tempo depois da morte de Bin Laden!!!!!!), e que a Liga Árabe, que também apóia os rebeldes, é composto, basicamente, por ditaduras e monarquias absolutistas também brutais e repressoras. É importante ignorar que os rebeldes não são apenas civís protestando nas ruas (embora também hajam "meros civís" protestando e que precisam ser escutados), mas também um grande número de violentos soldados armados, bem treinados, cuja principal ideologia é a defesa do estado islâmico. É importante ignorar que grande parte da população apoia o governo (senão a maioria... mas como saber agora que são os canhões que gritam dos dois lados?), e que se os rebeldes tomarem o poder apenas inverterão-se as polaridades da repressão, sendo que muitos destes hoje pró-governo é que serão brutalmente perseguidos, torturados e mortos. Inclusive, há que se não-constatar que não apenas a parte Alawita (xiita) está contra os rebeldes como também a população CRISTÃ !!!! (conforme atesta o artigo abaixo) Ou seja, o ocidente está entrando no conflito sírio em apoio aos islamitas armados (que tanto dizem detestar) e contra os cristãos!


Sem mentiras, omissões e loucura não se faz guerras.

Um dado curioso: Enquanto as ditaduras pró-EUA enfrentaram e enfrentam com prisões, tortura e assassinatos, manifestantes verdadeiramente pacíficos (Tunísia, Egito, Iemen, Bahrein, Jordânia, Marrocos, Arábia Saudita) os países anti-EUA enfrentam combatentes armados (líbia e Síria) e ameaças de ataque militar (Irã). Por que isso? Tudo isso me cheira muito mal. Infelizmente o tão animador caminho pacífico que havia sido a proposta inicial da primavera árabe foi esquecido e agora quem tem razão é quem tem armas e está disposto a matar. Que tipo de democracia podem estes "rebeldes" e ditadores implantar?

A reportagem abaixo foi feito por um correspondente da BBC que acompanhou um grupo rebelde e se mostrou chocado com a violência dos "freedom fighters" que o ocidente pretende apoiar. Todos sabemos de que lado a BBC está nesse conflito, mas eis que alguns lampejos de sanidade ocasionalmente saem de seus repórteres. Acho curioso, porém, como a manchete ainda tenta ocultar uma verdade cristalina. O conflito sírio já é uma guerra civil há muito tempo.

Essa loucura precisa parar.

Paz
Alexei



Para repórter da BBC, conflito na Síria pode virar guerra civil

Atualizado em 14 de fevereiro, 2012 - 06:10 (Brasília) 08:10 GMT

O repórter da BBC Paul Wood passou dias sob fogo cruzado no bairro de Baba Amr, na cidade síria de Homs. Nesta reportagem, ele relata casos de cidadãos submetidos a uma violenta campanha de artilharia por tropas do governo e alerta para os riscos de que a situação em Homs se alastre por toda a Síria, transformando-se em uma guerra civil.

No hospital improvisado em Baba Amr, a maioria dos pacientes não quis ser filmada. Eles temiam ser presos caso mostrassem seus rostos. Abdel Nasr Zayed, no entanto, disse que tinha pouco a perder.

"Já perdi 11 (parentes) e agora estou disposto a sacrificar tudo por Deus", ele disse.

Entre os 11 membros de sua família mortos por tiros ou morteiros, cinco eram crianças com menos de 14 anos.

Um caso típico. Muitas pessoas relatam ter perdido não apenas um, mas muitos parentes.

A tarefa de Abu Suleiman no hospital é embalar corpos antes de serem enterrados. Ele prestou esse serviço ao filho, genro, sobrinho, vizinho e muitos de seus amigos.

Abu Sulyan, que hospedou a equipe da BBC em uma visita anterior a Baba Amr, perdeu um irmão, um sobrinho, um tio e, mais recentemente, sua mãe.

"Isso é uma guerra civil?", indagou o escritório da BBC em Londres.

Em Baba Amr, tinha-se a impressão de que sim. Mas o que estávamos observando era, na verdade, uma batalha por uma cidade - e Homs não é a Síria. Pelo menos, não por enquanto.

Sequestros Sectários

Em Homs, as áreas de maioria sunita, como Baba Amr, apoiam o levante. Elas estavam sendo atacadas pelo Exército Sírio, posicionado em áreas alauítas (ramificação da etnia xiita) e cristãs que, de maneira geral, apoiam o governo.

Ainda não se trata de um conflito sectário: existem sunitas nas forças do governo e tanto cristãos como alauítas aderiram às forças revolucionárias. Mas as pressões naquela direção são imensas.

Yousseff Hannah foi prisioneiro do Exército Livre da Síria (FSA, na sigla em inglês), integrado por rebeldes que desertaram das tropas do governo. Ele estava em um colchão, a coxa coberta com curativos, no porão de uma casa perto da cidade de Qusayr, a cerca de 40km de Homs.

"Lei e ordem", ele respondeu, gemendo por causa dos ferimentos, quando lhe perguntei qual era sua profissão.

Enraivecido, um dos sequestradores interrompeu: "Não. Você é (integrante da polícia secreta) Mukhabarat. Diga a eles que você é Mukhabarat".

O FSA havia capturado Hannah em sua casa, alguns dias antes. Ele tinha ido para lá para se recuperar do ferimento recebido em Homs.

Foto divulgada pela oposição na Síria, que alega ser vítima de bombardeios indiscriminados em Baba Amr

Com 45 anos, apenas um soldado, ele não era exatamente um "peixe grande". Os rebeldes disseram tê-lo capturado porque sua família controlava um posto de controle em Qusayr e molestava as pessoas.

Queriam acabar com aquilo. Por tempo demais, disseram os rebeldes, pessoas como ele, sob a proteção do governo, sentiam que eram intocáveis, que podiam agir na impunidade.

O soldado Yousseff é cristão. Após ter sido preso, seus parentes sequestraram seis sunitas, matando um no processo. Em represália, 20 cristãos foram sequestrados.

"Alguns esquentados vêm sequestrando cristãos", disse um comandante local do FSA. "Temos de acalmá-los".

Após vários dias de impasse, todos foram libertados ilesos, incluindo Yousseff. Isso foi parte de um acordo segundo o qual o soldado e sua família terão de deixar Qusayr permanentemente.

Ataque Fracassado

Falando sobre as tensões dos últimos dias na região, um dos residentes cristãos de Qusayr disse que ainda havia cristãos favoráveis ao levante na cidade.

Cerca de uma dúzia deles participou de um grande protesto ocorrido na sexta-feira na cidade. Em solidariedade a eles, os manifestantes abandonaram o local quando algumas pessoas agarraram o microfone e começaram a gritar slogans islâmicos.

Naquela semana, havia uma sensação de que a cidade tinha chegado muito perto de uma carnificina sectária.

Seria esse o futuro da Síria? Depende do caráter do FSA. Todos os combatentes que encontramos eram sunitas, mas talvez isso não tenha importância.

Próximo a Qusayr, o comandante do FSA Maj Ahmad Yaya me disse que eles estavam lutando por todas as religiões e seitas da Síria: cristãos, muçulmanos, alauítas, xiitas, drusos.

"Estamos vivendo em liberdade pela primeira vez", disse.

As palavras seguintes, no entanto, deixaram pouca dúvida de que, para muitos, esse é um conflito religioso - e islâmico - contra o governo secular Baath.

"Pela primeira vez", ele acrescentou, "somos capazes de proclamar a palavra de Deus por toda a terra".

Soldado desertor arma seu rifle ao tomar posição em uma casa danificada em Baba Amr

A doutrina oficial do FSA é de que sua missão é apenas proteger os manifestantes desarmados. Na prática, no entanto, ele está realizando uma guerra civil de proporções cada vez maiores.

Seguimos o grupo de combatentes liderados por Maj Yaya durante um ataque a uma base do Exército sírio perto da cidade.

Foi um ataque grande, com a participação de mais de 60 homens. Em contraste com combatentes rebeldes na Líbia, esses eram treinados, disciplinados e seguiam um plano.

Um homem disse que seu irmão ainda estava servindo na área.

"E se ele ainda estava na base? E se ele estiver ferido?", perguntei.

"Sinto muita amargura em relação a meu irmão, mas agora o que acontecer estará nas mãos de Deus. Que Deus me ajude", respondeu.

Inevitavelmente, o ataque fracassou. Depois de uma hora atirando contra a base, o grupo teve de sair em retirada quando as tropas do governo começaram a usar armas pesadas, disparando morteiros contra as montanhas.

Execuções de Shabihas

Mais tarde, um dos rebeldes do FSA me mostrou um vídeo que ele tinha filmado em dezembro.

Seu grupo tinha emboscado um comboio de veículos blindados. Oito integrantes das forças de segurança síria tinham sido mortos, 11 capturados. O vídeo mostrava os prisioneiros, vestidos com uniformes de camuflagem, alinhados de frente para uma parede.

Alguns ainda sangravam em consequência da batalha. Seus braços estavam erguidos.

Um virou-se para a câmera, parecia petrificado.

O homem que havia feito o vídeo disse que, apesar dos uniformes, as identidades dos prisioneiros diziam que eram Shabiha (ou fantasmas) - a força paramilitar do governo, odiada por muitos na Síria.

"Nós os matamos", disse o rebelde.

"Você matou seus prisioneiros?"

"Sim, claro. Eles foram executados mais tarde. Esse é o procedimento para Shabihas".

Esses eram Shabihas sunitas, o homem explicou. O único alauíta havia escapado.

Eu confirmei com um oficial. Soldados eram libertados, ele disse, mas membros da força Shabiha eram "executados" depois de uma audiência com um painel de juízes militares do FSA.

Para explicar, eles me mostraram um filme encontrado no telefone celular de um Shabiha capturado.

O vídeo mostrava prisioneiros deitados de barriga para baixo, com as mãos atadas nas costas. Um a um, suas cabeças foram cortadas.

Ao primeiro prisioneiro deitado, o homem que segurava a faca disse, de forma provocadora: "Isso é pela liberdade". Enquanto o pescoço da vítima se abria, o executor prosseguiu: "Isso é por nossos mártires. E isso é por você colaborar com Israel".

Dilema Ocidental

Segundo relatos de militantes pelos direitos humanos, após termos saído de Homs, membros das forças Shabiha teriam ido de cada em casa na cidade, matando três famílias - Homens, mulheres e crianças.

Para a maioria dos combatentes do FSA, "executar" integrantes da Shabiha é apenas justo.

Fatos como esses farão com que governos ocidentais hesitem enquanto decidem se devem - e nesse caso, de que forma - ajudar o FSA.

Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha dizem que não vão armar os rebeldes mas estão pensando em outras formas de auxiliá-los. Isso pode envolver dar aconselhamento e o envio de suprimentos, por exemplo, roupas de proteção.

Se esses governos ajudarem os rebeldes, estarão eles alimentando uma guerra civil, ou ainda pior, uma guerra civil sectária?

E se eles não ajudarem os rebeldes, como dar um fim às mortes em Homs e outras cidades?

Quanto mais se prolonga essa situação, mais corpos se acumulam e maior é o desejo de vingança em ambos os lados.

Uma guerra civil não é inevitável, mas Homs hoje pode ser a Síria amanhã.