segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O debate necessário

Regulação garante pluralidade e estimula competição

Em seminário realizado pelo governo federal, especialistas internacionais afirmam: num cenário de convergência de mídias, a regulação dos agentes que detêm o controle da infraestrutura é fundamental para a garantia da pluralidade e para o estímulo à competição e à inovação. A desconcentração dos mercados também foi apontada como um mecanismo estratégico para o estímulo à competição e à inovação tecnológica. Na União Européia, após a diretiva aprovada para o bloco que regulou o cenário de convergência, o preço dos serviços de telecomunicações caiu 14% e o número de canais se multiplicou exponencialmente.

Um processo que está em curso e que ninguém vai deter. Assim o ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, definiu a convergência tecnológica de mídias no país, durante um seminário internacional realizado esta semana em Brasília. “O futuro é a convergência. Em pouco tempo, para o cidadão será indiferente se o sinal vem da radiodifusão ou das empresas de telecomunicações. E regular o setor neste cenário é um desafio necessário. Sem isso não há segurança jurídica, nem como a sociedade produzir um ambiente onde o interesse público prevaleça sobre os demais”, afirmou.

Em busca de respostas e alternativas para enfrentar tamanho desafio, o governo brasileiro convidou uma série de especialistas e representantes de órgãos reguladores de outros países para apresentar ao público brasileiro como cada uma dessas nações tem lidado com essas questões. A idéia, como afirmou Martins, não é copiar modelos, mas, considerando a realidade brasileira, beber da experiência internacional.

“Com tantos novos atores provendo conteúdo para o mercado, a regulação da infra-estrutura é algo importante para a convergência”, afirmou Dimitri Ypsilanti, Chefe da Divisão de Informação, Comunicação e Política do Consumidor da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que conta com 33 países membros. “Nossas pesquisas mostram que as pessoas estão migrando da televisão para a busca de conteúdo na internet. Da perspectiva de uma organização econômica, as novas tecnologias de informação e comunicação tem um impacto significativo na geração de empregos e oportunidades”, acrescentou.

Na França, por exemplo, o rápido desenvolvimento da economia digital foi facilitado pela vontade dos organismos de regulação e pela existência de um marco regulatório atualizado. "A harmonização da política da União Européia para o setor é muito avançada, o que facilita o desenvolvimento interno de cada país", explicou Emmanuel Gabla, diretor adjunto do Conselho Superior de Audiovisual francês.

O marco legal europeu separa a regulação por camadas: conteúdo, serviços de comunicação eletrônica (telefonia, dados e vídeo) e infraestrutura (redes fixas, móveis, cabo, etc). "A partir disso, aprovamos uma lei francesa específica sobre economia digital, para garantir a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento econômico na internet. A legislação hoje determina o que é regulado ou não neste universo; e nos permitiu fazer a ponte entre os diferentes setores", acrescentou Gabla.

O mesmo aconteceu na Espanha, que no ano passado aprovou medidas urgentes em matéria de telecomunicações para garantir a universalização da TV digital. Atualmente, as operadoras não operam um único serviço, mas recebem uma banda do Estado e podem, através dela, oferecer canais digitais de TV, transmissão de dados e comércio eletrônico. No entanto, quem produz conteúdo não pode deter o controle também da estrutura de transmissão. No caso espanhol, o programador de um canal de TV contrata o serviço de um operador de rede para distribuir seu conteúdo. A mesma idéia de separação funcional e estrutural é adotada por diversos países da OCDE.

Limites à propriedade
O mesmo princípio que determina a separação entre empresas produtoras de conteúdo e empresas operadoras de rede, que fazem a gestão da infraestrutura, é o que está por trás de regulações de impõem limites à propriedade dos meios de comunicação em diversos países. Trata-se da garantia da pluralidade e da promoção à competição e à inovação.

"Regular o setor como um todo é importante para evitar a concentração da propriedade e evitar a dominância de mercado", disse Wijayananda Jayaweera, Diretor da Divisão de Desenvolvimento da Comunicação da Unesco. "As democracias colocam regras contra a concentração da propriedade porque o Estado não pode simplesmente deixar o mercado agir. No Brasil, por exemplo, seria importante regular o controle dos meios, introduzindo limites para a propriedade cruzada", avaliou Toby Mendel, consultor da Unesco.

O mecanismo já é empregado há muito tempo em países como Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e França, onde um mesmo grupo econômico, por exemplo, se detém 3 concessões de TV aberta, não pode ter concessões de rádio que alcancem mais de um milhão de ouvintes, tampouco publicar um jornal.

"Nenhum grupo pode ter a maioria do mercado de TV, de rádio e da imprensa escrita, porque isso certamente geraria um problema de pluralismo", explicou Gabla. "Num cenário de convergência, a atuação de um órgão regulador é necessária justamente por isso. Em 2009, a TF1 [principal canal de TV aberta] comprou dois canais de TV digital, reduzindo a diversidade. Por isso temos a prerrogativa de regular economicamente o mercado, para fazer com que o pluralismo esteja sempre presente", alertou.

Foi este o principal objetivo da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, aprovada recentemente na Argentina, e que recebeu tantas críticas dos grandes meios de comunicação do país. Antes da nova lei, vigorava no país uma legislação do período da ditadura militar que propiciou um cenário de alta concentração da propriedade da mídia.

"Chegamos a um nível em que o problema não era apenas econômico; criou-se um oligopólio totalmente incompatível com uma sociedade democrática", relatou Gustavo Bulla, diretor nacional de supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA), órgão regulador argentino. "Apesar do custo político, a presidenta Cristina Kirchner decidiu revogar a lei da ditadura porque concluiu que seria impossível modificar a ordem social injusta que existe no país com o sistema de comunicações concentrado como ele é hoje", disse.

A aposta de redigir um pré-projeto de lei foi feita em 2008. O documento elaborado pelo governo teve como esqueleto um manifesto com 21 pontos elaborado pela Coalização por uma Comunicação Democrática", que reúne mais de 300 organizações sociais e acadêmicas de toda a Argentina. O pré-projeto foi colocado em discussão em 24 fóruns populares e contou com a contribuição direta de mais de 10 mil pessoas. Recebeu 1300 sugestões, foi aprimorado e então enviado ao congresso em agosto de 2009. Depois de muito embate, inclusive na Justiça, a lei está em vigor.

Entre as regras previstas para propriedade estão o limite de 10 outorgas de rádio ou TV aberta (antes eram 24). Na TV a cabo, nenhuma empresa pode deter o controle de mais de 35% dos assinantes. O cabo, na Argentina, tem uma penetração de 65% dos lares. Criou-se também uma reserva de um terço do espectro da TV aberta para as emissoras privadas sem fins lucrativos (comunitárias, universitárias, etc)

O órgão responsável por regular o mercado hoje é a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, uma autarquia independente do Poder Executivo. Seu corpo diretor conta com 7 pessoas: 3 indicadas pelo Parlamento, 2 pelo Executivo e 2 por um conselho de 38 membros representantes da sociedade civil.

"Tacharam o governo de autoritário, mas historicamente na Argentina todas as decisões sobre os meios de comunicação sempre foram tomadas apenas pelo Poder Executivo. Agora é que existem colorações partidárias e representações sociais diferentes", lembra Gustavo Bulla. "Os movimentos sociais tomaram a questão da comunicação como uma de suas bandeiras centrais porque perceberam que, pela primeira vez, se está discutindo poder na Argentina".

Estímulo à competição e à inovação
A desconcentração dos mercados também é tida por países democráticos como um mecanismo estratégico para o estímulo à competição e à inovação tecnológica. Na União Européia, após a diretiva aprovada para o bloco que regulou o cenário de convergência, o preço dos serviços de telecomunicações caiu 14% e o número de canais se multiplicou exponencialmente.

"A agenda digital para a Europa tem como meta criar um círculo virtuoso para a economia digital, aumentando a demanda por serviços, multiplicando a produção de conteúdo, garantindo segurança, inovação, inclusão digital e acesso rápido", afirmou Harald E. Trettenbrein, Chefe Adjunto da Unidade de Políticas de Audiovisual e de Mídias para a Sociedade de Informação e Mídia da Comissão Europeia.

O tema também está entre as prioridades do Ofcom, o órgão regulador inglês, para o biênio 2010/11: regular para promover a efetiva competição na banda larga e na TV por assinatura, estimular o consumidor a usar cada vez mais a internet e levar a rede sem fio para as regiões das Olimpíadas de 2012.

Nos Estados Unidos, berço do capitalismo, a FCC (Comissão Federal de Comunicações) tem adotado medidas anti-dumping para promover a competição e aumentar a possibilidade de escolha dos usuários. "No processo de digitalização da TV, temos feito ações de incentivo para que o espectro seja devolvido pelas empresas, para abrir espaço para novos canais. Pelo menos 500 MHz serão realocados pelo governo Obama para a banda larga e uso por pequenos negócios que não dependem de outorgas", relatou Susan Ness, ex-executiva da FCC.

"O espectro é um bem público, escasso. A passagem do sistema analógico para o digital tem como conseqüência uma liberação grande de espectro. Deveria ser natural que quem tinha as outorgas analógicas entendesse que, com a liberação do espectro, novas frequências seriam outorgadas. Mas muitas vezes as empresas tem a impressão de que a licença pública é sua propriedade", analisou José Amado da Silva, presidente do Conselho de Administração da Anacom, a agência reguladora da infraestrutura em Portugal.

Na França, a digitalização da TV, cujo processo estará totalmente concluído até o final de 2011, trouxe consequencias positivas para o aquecimento do mercado e a promoção da pluralidade. "Tínhamos seis canais abertos e agora temos 19 digitais e uma centena de canais regionais. Aumentou muito o apoio à pluralidade e à identidade cultural dos franceses, com novas oportunidades para a produção cinematográfica e audiovisual. Ficou claro que os aspectos técnicos e a regulação da estrutura devem estar a serviço dessa dimensão cultural", concluiu Emmanuel Gabla.



Fotos: O diretor internacional da Ofcom, Vicent Edward Affleck, participa do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias. (Antônio Cruz/ABr)





Noam Chomsky: EUA, indignação mal orientada

por Noam Chomsky, Esquerda.net

As eleições intercalares nos EUA registaram um nível de raiva, medo e desilusão no país como não me lembro em toda a minha vida. Desde que estão no poder, os democratas carregam o peso da revolta contra a nossa actual situação socioeconómica e política.

Numa sondagem da Rasmussen, no mês passado, mais de metade dos americanos da corrente dominante disseram que encaram positivamente o movimento Tea Party, um reflexo do espírito de desencanto.

Os ressentimentos são legítimos. Há mais de 30 anos que os rendimentos reais da maioria da população estagnaram ou baixaram, enquanto que as horas de trabalho e a insegurança aumentaram, juntamente com a dívida. Foi acumulada riqueza, mas em muito poucos bolsos, conduzindo a uma desigualdade sem precedentes.

Estas consequências surgiram principalmente da financeirização da economia a partir dos anos 1970 e do correspondente esvaziamento da produção nacional. A impulsionar o processo está a obsessão pela desregulamentação apadrinhada por Wall Street e apoiada por economistas fascinados pelos mitos do mercado eficiente.

As pessoas assistem ao regozijo dos banqueiros, que foram em grande parte responsáveis pela crise financeira e que foram salvos da bancarrota pela comunidade, com os lucros recorde e os enormes bónus. Entretanto, o desemprego oficial permanece em cerca de 10 por cento. A indústria transformadora está nos níveis da Depressão: um em cada seis estão desempregados, os bons empregos têm poucas hipóteses de voltarem.

Os cidadãos querem justamente respostas e não as estão a obter, excepto de vozes que contam histórias com alguma coerência interna para quem suspenda o cepticismo e entre no mundo deles, de irracionalidade e mentira.

Contudo, ridicularizar o Tea Party é um erro grave. É muito mais útil perceber o que está por trás da atracção popular pelo movimento e perguntarmo-nos por que é que são precisamente as pessoas enraivecidas que estão a ser mobilizadas pela extrema-direita e não pelo tipo de activismo construtivo que cresceu durante a Depressão, como o CIO (Congresso das Organizações Industriais).

Agora, os simpatizantes do Tea Party estão a ouvir dizer que todas as instituições, o governo, as empresas e os sectores profissionais, estão podres e que nada funciona.

No meio do desemprego e das execuções de hipotecas, os democratas não se podem queixar das políticas que conduziram ao desastre. O presidente Ronald Reagan e os seus sucessores republicanos podem ter sido os maiores responsáveis, mas essas políticas começaram com o presidente Jimmy Carter e prosperaram sob a presidência de Bill Clinton. Durante a eleição presidencial, a base de apoio eleitoral de Barack Obama eram as instituições financeiras, que adquiriram notável supremacia sobre a economia na geração anterior.

O incorrigível radical do século XVIII Adam Smith, falando da Inglaterra, observou que os principais arquitectos do poder eram os donos da sociedade; na sua época, os comerciantes e os fabricantes, que se certificaram de que a política do governo atenderia escrupulosamente aos seus interesses, por mais “doloroso” que fosse o impacto sobre o povo de Inglaterra, e pior, sobre as vítimas da “injustiça selvagem dos europeus” no exterior.

Uma versão moderna e mais sofisticada da máxima de Smith é a “teoria do investimento na política” do economista político Thomas Ferguson, que encara as eleições como ocasiões em que grupos de investidores se juntam para controlar o estado, seleccionando os arquitectos das políticas que irão servir os seus interesses.

A teoria de Ferguson acaba por ser um indicador muito eficaz da política durante longos períodos. Dificilmente isto surpreende. As concentrações de poder económico procurarão naturalmente alargar a sua influência a todo o processo político. Acontece que a dinâmica é extrema nos EUA.

Pode ainda dizer-se que os grandes especuladores das empresas têm uma defesa válida contra as acusações de “ganância” e desrespeito pelo bem-estar da sociedade. A sua missão é maximizar o lucro e a quota de mercado; na verdade, é a sua obrigação legítima. Se não cumprirem essa função, serão substituídos por alguém que o faça. Eles ignoram também o risco sistémico: a probabilidade das suas operações prejudicarem a economia em geral. Essas “externalidades” não os preocupam, não por serem más pessoas, mas por razões institucionais.

Quando a bolha estoura, os que arriscaram podem fugir para o abrigo do Estado protector. Os resgates financeiros, uma espécie de apólice de seguro governamental, estão entre os muitos incentivos perversos que aumentam as ineficiências do mercado.

“Há um reconhecimento crescente de que o nosso sistema financeiro está a aproximar-se do dia do Juízo Final”, escreveram os economistas Peter Boone e Simon Johnson, no Financial Times, em Janeiro. “Sempre que ele falha, contamos com o dinheiro e as políticas fiscais negligentes para o resgatar. Esta resposta aconselha o sector financeiro: aposta em grande para seres pago regiamente, não te preocupes com os custos, que serão pagos pelos contribuintes” através de resgates e outros mecanismos, e o sistema financeiro “é, assim, ressuscitado para voltar a jogar e voltar a falhar”.

A metáfora do Juízo Final também se aplica fora do mundo financeiro. O Instituto Americano do Petróleo, apoiado pela Câmara de Comércio e outros lobbies empresariais, tem intensificado os seus esforços para persuadir o público a descartar as preocupações sobre o aquecimento global antropogénico, com considerável sucesso, como as sondagens indicam. Entre os candidatos republicanos ao Congresso nas eleições de 2010, praticamente todos rejeitam o aquecimento global.

Os executivos por trás da propaganda sabem que o aquecimento global é real e que as nossas perspectivas são sombrias. Mas o destino da espécie é uma externalidade que os executivos têm de ignorar, na medida em que prevalecem os sistemas de mercado. E o público não conseguirá caminhar para a salvação, quando se desenrola o pior cenário.

Tenho idade suficiente para me lembrar daqueles dias deprimentes e ameaçadores do declínio da Alemanha, da decência para a barbárie nazi, para usar as palavras de Fritz Stern, o ilustre estudioso da história alemã. Num artigo de 2005, Stern refere que tinha o futuro dos Estados Unidos em mente quando reviu “um processo histórico em que o ressentimento contra um mundo secular desencantado encontra alívio no escape extático da irracionalidade.”

O mundo é demasiado complexo para que a história se repita, mas há, todavia, lições a reter à medida que notamos as consequências de mais um ciclo eleitoral. Não faltam tarefas aos que tentam apresentar uma alternativa à raiva e indignação mal orientadas, ajudando a organizar os inúmeros descontentamentos e a mostrar o caminho para um futuro melhor.

Tradução de Paula Coelho para o Esquerda.net

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