sábado, 6 de novembro de 2010

Sobre eleições, dinheiro e mídia nos EUA

Menos de uma semana depois das eleições no Brasil, ja tivemos importantes eleições no vizinho rico do norte. Uma comparação é mais que oportuna.

O paradigma eleitoral dos EUA é, ao que parece, dos mais plutocráticos do mundo. Enquanto no Brasil toda publicidade eleitoral é pautada pelo equilíbrio de forças (ou pelo menos a tentativa de equilibrar as forças) e pela regulamentação, nos EUA o modelo é avesso a qualquer regulação real. Eleições são, mais que tudo, um negócio, e um negócio muito, muito, muito caro, o que é coerente com sua visão capitalística dos valores humanos. Apenas mega-milionários podem jogar este jogo. Todos podem votar, mas apenas um seleto grupo pode ser votado. Num país com centenas de partidos políticos registrados, apenas dois desses partidos detém todos os cargos. Grupos minoritários não tem real representação, e alterações no modelo não são sequer cogitados. (democracia?) No artigo que reproduzo abaixo, de Amy Goodman, vemos uma das raras críticas ao modelo eleitoral vigente nesta "potência". E porque é tão rara? Pela mesma razão que motiva a própria crítica: dinheiro. Para a mídia, este modelo de promiscuidade informativa é extremamente lucrativo, portanto criticá-lo não é de seu interesse.

"Change"?

Esta semana, este modelo distorcido de democracia proporcionou uma vitória às velhas forças militaristas, belicistas e conservadoras, no país mais militarista, belicista e conservador do mundo.

Que pena. Eles têm tanto a aprender conosco.

Paz
Alexei


Os lucros da mídia na eleição dos EUA

Reproduzo artigo de Amy Goodman, apresentadora do programa de TV Democracy Now!, publicado no sítio da Adital:

Ao encerrar as eleições na metade do mandato nos Estados Unidos, o maior ganhador ainda não foi declarado, a saber: os grandes meios de comunicação. Enquanto isso, o maior perdedor tem sido a democracia. Essas foram as eleições legislativas de metade do mandato mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase quatro bilhões de dólares, dos quais três bilhões foram gastos em publicidade.

Pergunto-me o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se escuta debates sobre isso porque as corporações que manejam os meios massivos de comunicação obtêm imensos lucros com os avisos publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas radioelétricas que os meios utilizam para emitir seus sinais são públicas.

Isso me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: "Rich Media, Poor Democracy" (Meios ricos, democracia pobre). Em seu livro, McChesney escreve: "Os meios têm pouco incentivo para oferecer cobertura aos candidatos já que é de seu interesse forçá-los a publicizar suas campanhas".

O grupo de investigação Wesleyan Media Project, da Universidade Wesleyana, faz um acompanhamento da publicidade política. Após a recente sentença da Corte Suprema no caso "Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral", através do qual as grandes corporações estão autorizadas a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projeto chama a atenção para "que o tempo nos meios destinado à publicidade está cheio de anúncios relacionados à Câmara de Representantes e ao Senado, ocupando de 20 até 79%, respectivamente, do total do tempo no ar".

Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análises de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group, predisse, no passado mês de julho, ao jornal USA Today que: "haverá mais dinheiro do que espaço publicitário para comprar". Por outro lado, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam emitido o aviso a favor de um candidato a continuação de um aviso publicitário contra esse mesmo candidato. Porém, não estão levando em consideração o patrimônio ligado aos grandes meios. Bem vindos ao "mundo feliz" das campanhas de bilhões de dólares.

No passado, houve tentativas de regular o uso das ondas radioelétricas para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa foi o que se conhece como "Reforma do financiamento das campanhas eleitorais, de McCain Feingold". Durante o debate sobre essa histórica legislação, tanto os democratas quanto os republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O Senador republicano por Nevada, John Ensign, se lamentava: "As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era o momento do ano em que ganhavam menos dinheiro devido à baixa taxa unitária paga durante esse período. Agora, é um de seus momentos preferidos, já que, de fato, é um dos momentos do ano com mais ampla margem de lucro".

Finalmente, para que o projeto de lei fosse aprovado, omitiram-se as cláusulas referentes ao "tempo público de ar".

A sentença no caso de Citizens United neutraliza eficazmente a reforma do financiamento das campanhas, de McCain-Feingold. Nem podemos imaginar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O Senador por Wisconsin, Russ Feingold, perdeu a oportunidade de ser reeleito em sua disputa contra o praticamente autofinanciado multimilionário Ron Johnson. O editorial do Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal pertence à corporação News Corp, de Rupert Murdoch, que também é proprietária da cadeia de TV Fox e que doou quase dois milhões de dólares à campanha dos republicanos.

"As eleições converteram-se em um bem comercial, um centro de lucros para essas rádios e canais de TV", me disse no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Disse-me também: "As ondas públicas, como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as cadeias de rádio e TV são as titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter sua habilitação anual, não pagam nada à Comissão Federal de Comunicações. Assim, seria bastante persuasivo, se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições para obter a habilitação que permite a essas cadeias de rádio e TV aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas 24 horas por dia, poderíamos dizer-lhes que, como parte do intercâmbio por controlar esses bens comuns, de alguma maneira deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito, na rádio e na TV aos candidatos eleitorais".

Esse tema deveria ser debatido nos grandes meios de comunicação, dado que, através deles, a maioria da população estadunidense obtém informação. Porém, as emissoras de rádio e TV têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros vêm antes que nosso processo democrático. Certamente, não ouviremos falar desse tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos pela manhã.

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