quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Um ditador pró-EUA a menos...

Foram meses de protestos, com direito a repressão violenta e morte de manifestantes, sem que uma única notícia aparecesse em nossos noticiários. Anos e anos de violações dos direitos humanos sem uma única condenação, ou comentário crítico. Décadas de ditadura, num país rotulado como "liberal" para os padrões do oriente médio. Agora que o ditador da Tunísia finalmente caiu - e o clamor por democracia começa a se espalhar pelos países vizinhos - a notícia emerge em meio a expressões cínicas de surpresa. Mesmo assim, nas imagens das manifestações populares, e na narração fria, um detalhe importante continua misteriosamente ausente dos noticiários. Ninguém parece lembrar que Ben Ali era "amigo" dos EUA.
Pois aqui vai outra lembrança incômoda: As ditaduras brutais da Argélia, Egito, Jordânia, Yemen, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Bahrein e Kuait também estão alinhados com Washington, e estes poderosos capachos, com certeza, não estão dormindo bem, ultimamente.
Paz
Alexei

Surpresa: a Tunísia era uma ditadura

publicada quarta-feira, 19/01/2011 às 06:58 e atualizada quarta-feira, 19/01/2011 às 15:21

Surpresa: a Tunísia era uma ditadura

por Igor Fuser, do Jornal Brasil de Fato

Quando eu ingressei como redator na editoria de assuntos internacionais da Folha de S.Paulo, um colega veterano me ensinou como se fazia para definir quais, entre as centenas de notícias que recebíamos diariamente, seriam merecedoras de destaque no jornal do dia seguinte. “É só olhar os telegramas das agências e ver o que elas acham mais importante”, sentenciou. Pragmático, ele adotava esse método como um meio seguro de evitar que o noticiário da Folha destoasse dos jornais concorrentes, os quais, por sua vez, se comportavam do mesmo modo. Na realidade, portanto, quem pautava a cobertura internacional da imprensa brasileira era um restrito grupo de três agência noticiosas — Reuters, Associated Press e United Press International, todas afinadíssimas com as prioridades geopolíticas dos Estados Unidos.

Passadas mais de duas décadas, a cobertura internacional da mídia brasileira ainda se orienta por diretrizes estrangeiras. A única diferença é que agora as agências enfrentam a competição de outros fornecedores de informação, como a CNN e os serviços de empresas como a BBC e o New York Times, oferecidos pela internet. Mas o conteúdo é o mesmo. O resultado é que as informações internacionais que circulam pelo planeta, reproduzidas com mínimas variações em todos os continentes, são quase sempre aquelas que correspondem aos interesses de Washingon.

Quem confia nessa agenda está condenado uma visão parcial e distorcida, uma ignorância que só se revela quando ocorrem “surpresas” como a rebelião popular que derrubou o governo da Tunísia. De repente, o mundo tomou conhecimento de que a Tunísia — um país totalmente integrado à ordem neoliberal e um dos destinos favoritos dos turistas europeus — era governada há 23 anos por um ditador corrupto, odiado pelo seu povo. Como é que ninguém sabia disso?

A mídia silenciou sobre o despotismo na Tunísia porque se tratava de um regime servil aos interesses políticos e econômicos dos EUA. O ditador Ben Ali nunca foi repreendido por violações aos direitos humanos e, mesmo quando ordenou que suas forças repressivas abrissem fogo contra manifestantes desarmados, matando dezenas de jovens, o presidente estadunidense Barack Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, permaneceram em silêncio. Não abriram a boca nem mesmo para tentar conter o massacre. Só se manifestaram depois que Ben Ali fugiu do país, como um rato, carregando na bagagem mais de uma tonelada de ouro.

O caso da Tunísia não é o único na região. No vizinho Egito, outro regime vassalo dos EUA, Hosni Mubarak governa ditatorialmente desde 1981. Suas prisões estão lotadas de opositores políticos e as eleições ocorrem em meio à fraude e à violência, o que garante ao governo quase todas as cadeiras parlamentares. Mas o que importa, para o “Ocidente”, é o apoio da ditadura egípcia às posições estadunidenses no Oriente Médio, em especial sua conivência com o expansionismo israelense.

Por isso, a ausência de democracia em países como a Tunísia e o Egito nunca recebe a atenção da mídia convencional, ao contrário da condenação sistemática de regimes autoritários não-alinhados com os EUA, como o Irã e o Zimbábue. É sempre assim: dois pesos, duas medidas.

Igor Fuser é jornalista, doutorando em Ciência Política na USP, professor na Faculdade Cásper Líbero e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato

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