segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Não se esqueçam da Tailândia


Você lembra da Tailândia?

Com licença. Vou ajudar a refrescar a nossa memória.
A Tailândia é um pais onde os líderes da oposição estão presos ou exilados apesarem de terem vencido as últimas quatro eleições. Onde o último primeiro-ministro eleito foi derrubado por um golpe militar. Onde o primeiro-ministro eleito antes desse também foi derrubado por um golpe militar. Onde o povo, há anos, vem protestando regularmente nas ruas. Onde mais de oitenta manifestantes pró-democracia foram mortos pela polícia em 2010. Onde vários meios de comunicação considerados "opositores" foram fechados. E onde o ditador é rotulado como "lider moderado" (o que talvez tenha alguma relação com o fato dele ser considerado pró-ocidente, ou como diz o Financial Times "buisness friendly"). Talvez você não tenha ouvido falar dessas coisas pois a Tailândia não é um país que frequenta os nossos noticiários, o que pode lhe passar a idéia de que a se trata de um país sem importância.

Pois faço esse apelo: não se esqueçam da Tailândia.

Neste momento de levante mundial pela democracia, protestos populares estão ressurgindo nesse país, frente a indiferença e o cinismo de nossa imprensa. A direita local, designada camisa amarela, tem feito "demonstrações de força" na capital reunindo cerca 2 mil pessoas e conseguindo assim algumas poucas manchetes. A esquerda camisa vermelha, por sua vez, tem juntado, há semanas, cerca de até 30 mil (isso mesmo, quinze vezes mais) por protesto e mesmo assim permanece quase totalmente ignorada. O padrão foi estabelecido pelos grandes veículos. Desde que pipocou essa nova onda de instabilidade no país, A folha de são paulo dedicou apenas três reportagens para o assunto. Neste texto abaixo se referem apenas ao "protesto" dos camisas amarelas.

11/02/2011 - 21h22
Tailandeses pedem renúncia do chefe do governo;

DA EFE

Milhares de seguidores da Aliança do Povo para a Democracia, conhecidos por "camisas amarelas", aumentaram a pressão sobre o governo tailandês pedindo nas ruas a renúncia do primeiro-ministro, Abhisit Vejjajiva.

Após mais de duas semanas acampados nas imediações da sede do Governo em Bangcoc, os "camisas amarelas" acusaram Vejjajiva de não defender os interesses da Tailândia frente ao vizinho Camboja.


A constrangedora superficialidade com que tratam o assunto confunde muito mais que explica. Afinal de contas o ditador não foi colocado ali exatamente pelos "camisas amarelas"? Que interesses da Tailândia frente ao Camboja são esses? Estão acampados a duas semanas em frente a sede de governo e só agora aparece uma nota no jornal? Pois então....

Vejam essa outra reportagem do bem menos conhecido "Paraná Online".

25/01/2011 às 14:50:05 - Atualizado em 25/01/2011 às 17:03:04

Nacionalistas fazem novo protesto na Tailândia

Cerca de 2 mil nacionalistas "Camisas Amarelas" realizaram um protesto em Bangcoc hoje contra o modo como o governo lida com uma disputa territorial com o vizinho Camboja. Dois dias antes, houve um grande protesto dos rivais "Camisas Vermelhas".

Os "Camisas Amarelas" acusam o governo do primeiro-ministro Abhisit Vejjajiva de não conseguir defender o território em uma disputa com o Camboja. "Nós fizemos sugestões ao governo, mas eles não agiram, então não temos outra escolha", disse uma liderança.

A questão das fronteiras ganhou proeminência após sete tailandeses serem presos no Camboja em dezembro por entrarem ilegalmente em uma zona disputada, incluindo um ativista dos "Camisas Amarelas" que permanece detido no Camboja, acusado de espionagem. O grupo, conhecido oficialmente como Aliança do Povo pela Democracia, costumava ser próximo de Abhisit, mas as relações têm piorado.

Em 2008, o grupo fez grandes manifestações, fechando dois aeroportos de Bangcoc e deixando 300 mil pessoas sem voar. Os protestos geraram um grande custo para a economia local. Já os "Camisas Vermelhas" protestam por eleições antecipadas. No último domingo, eles atraíram 27 mil pessoas para uma manifestação. As informações são da Dow Jones


Bem... ao menos os camisas vermelhas foram citados. Tudo bem que o protesto de 27 mil, que pede realização de eleições livres e democráticas, foi relegado à última linha e ignorado na manchete. Um dado interessante é uma estranha disputa de fronteira que apareceu de uma hora para a outra entre a Tailândia e o Camboja. Vou voltar a esse assunto mais adiante. Por enquanto vamos nos concentrar na cobertura dos protestos por democracia. Ou mais precisamente a pouca cobertura dos protestos por democracia.

Muitos jornais têm dado esse tipo de editorialização, até porque reproduzem uma pauta internacional que segue claramente essa linha. Entretanto creio que nada pode ser pior do que tem feito, em uma base regular, a folha. O nosso decadente jornal paulistano estabeleceu um padrão inaceitável de cobertura para a questão tailandesa: numa das poucas reportagens em que falaram dos recentes protestos dos "camisas vermelhas" referem-se aos seus líderes presos da seguinte maneira: "As autoridades mantêm 17 camisas vermelhas presos, acusados de terrorismo, desde que os distúrbios ocorridos em maio do ano passado, após mais de dois meses de protestos, deixaram 91 mortos e cerca de 1.800 feridos". É de um cinismo assustador. Pela maneira como relatam o ocorrido, eles dão a entender que foram os camisas vermelhas que mataram estas vítimas, quando todos sabem que os mortos eram, basicamente, eles mesmos camisas vermelhas assassinados à bala pela aparelhagem de repressão da ditadura - exército e polícia. O jornal consegue a proeza de inverter a relação assassino-vítima. Agora os mortos são culpadas por se deixarem matar.

Uma postura igualmente tendenciosa (pra não dizer coisa bem pior) aparece nessa rara notícia da GloboNews sobre a Tailândia de 9 de janeiro desse ano. Diz a reporter "No ano passado cerca de 90 pessoas foram mortas nos protestos de rua. A promessa dos organizadores camisas vermelhas para 2011 é de uma oposição menos violenta, que evite o derramamento de sangue". Novamente o mesmo padrão: a culpa das mortes é daqueles que levaram os tiros. E ela não para por aí. Em seguida a reporter emenda tranquilamente "Cerca de 1000 policiais foram deslocados para garantir segurança para o protesto". Da pra acreditar? Os lobos estão protegendo as perigosas ovelhas.

Como se responde a esse tipo de absurdo?

Pois olhem essa foto abaixo.

Olhem bem.

Este homem foi um desses manifestantes violentos. Seu ato de extrema violência foi deixar a sua cabeça ficar na trajetória de uma bala.

O nome dele era Khattiya Sawasdiphol. A foto (que nem a folha nem a GloboNews se preocupam em publicar) foi tirado logo após ele - que era um dos principais líderes dos "camisas vermelhas" e considerado por muitos como o "cérebro" do movimento - ser atingido por um tiro no cérebro enquanto falava com jornalistas. Apenas mais um dos mais de oitenta mortos pela repressão nos protestos de 2010.

Eu pergunto: até quando?

Não, meus amigos. Não se esqueçam da Tailândia. Por favor.
Até porque o teatro de absurdos ainda não terminou, e pode ficar ainda pior. Sim, porque este pais agora nos trás notícias tristemente novas que eu citei anteriormente.

Pressionado há anos pela população, o governo golpista havia prometido realizar eleições ainda nesse ano de 2011. Segundo todos os analistas, depois de quatro vitórias seguidas, e de toda a repercussão da repressão recente, uma nova vitória eleitoral dos camisas vermelhas é dado como quase certa. Pois bem no momento em que os protestos estão voltando e as prometidas eleições vão se aproximando eis que uma estranha guerra aparece nos noticiários.

Relatos falam de uma suposta disputa de fronteiras com o vizinho Camboja, e confrontos entre os dois exércitos que deixaram dezenas de soldados mortos.

Eu não sei direito como funciona essa rivalidade Thai-Khmer que parece existir entre os dois países, e como isso afeta a politica interna da Tailândia, mas o timing deste conflito é no mínimo suspeito. Me parece incrivelmente conveniente aos golpistas arranjarem uma guerra externa e desviar assim o foco da dissidência interna. Eu não tenho dados para confirmar ou negar, mas não posso deixar de levantar essas desconfianças, até porque todo o palco de lutas é um território reduzidíssimo, de importância meramente simbólica, onde está localizado um templo e um vilarejo. Nada mais. As notícias veiculadas não apontam claramente o país agressor, sendo que os dois lados - obviamente - se acusam mutuamente, mas sabendo que o templo hoje está em território Cambojano, o lógico é supor que a iniciativa do combate é Tailandês ja que Camboja não tem nada a ganhar. Tudo indica que se trata de uma guerra teatral, falsa como o governo que a provocou. O objetivo não é outro senão mentir e manipular. De uma tacada só as manifestações são ofuscadas por uma pauta muito mais "interessante" para a mídia internacional, e o governo tem a oportunidade de inibir a dissidência interna ao inflar o nacionalismo (onde ja vimos isso antes?).

De qualquer modo não estou lá na Tailândia para analisar mais profundamente. O que me revolta é que também a nossa imprensa não está.

Vejamos o pouco que foi veiculado na folha via a agência france press:

06/02/2011 - 19h32

Após confrontos com a Tailândia, Camboja pede ajuda à ONU

DA FRANCE PRESSE

Novos confrontos foram registrados neste domingo entre Camboja e Tailândia, pelo terceiro dia consecutivo e apesar de um cessar-fogo anunciado na véspera, perto de um templo reivindicado por ambas as partes em uma região de fronteira, segundo militares de ambos os países.

Em uma declaração transmitida pela rede de televisão estatal, o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, recorreu neste domingo à ONU (Organização das Nações Unidas) para ajudar a "cessar a agressão" tailandesa que "ameaça gravemente a paz e a estabilidade na região".

Por sua vez, o porta-voz do governo da Tailândia, Panitan Wattanayagorn, garantiu que o Camboja começou a atacar. "O que fazemos é proteger nosso país, nossa soberania", disse.


Pheara/Reuters
Soldados do Camboja assumem posição em tanques estacionados perto do templo de Preah Vihear, na fronteira com a Tailândia

Um país culpa o outro pelos confrontos, que começaram na sexta-feira.

O governo do Camboja acusou, por sua vez, a artilharia tailandesa de danificar o templo Khmer de Preah Vihear, declarado patrimônio mundial pela Unesco (agência cultura da ONU) e que os dois países reivindicam.

"Uma ala de nosso templo de Preah Vihear foi derrubada", afirmou uma autoridade militar citada em um comunicado do governo.

A fronteira entre Camboja e Tailândia nunca foi totalmente delimitada, o que alimenta conflitos que geraram vários incidentes armados com vítimas mortais em 2008 e 2009.

Nesta ocasião, a disputa centrou-se em torno do templo de Preah Vihear, ruínas do século 11 cuja soberania corresponde ao Camboja, segundo uma decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) de 1962.

Mas os tailandeses controlam seus principais acessos e muitos setores não foram delimitados, como, por exemplo, uma região de 4,6 quilômetros quadrados adjacente ao templo.

Nos confrontos dos dois primeiros dias, os mais violentos desde 2008, morreram pelo menos cinco pessoas: um soldado e um civil tailandeses e dois soldados e um civil cambojanos.

Mas meios de comunicação dos dois países afirmam que o balanço é muito maior: os jornais da Tailândia falam de 64 soldados cambojanos mortos, enquanto no Camboja jornais afirmam que há 30 vítimas mortais entre as forças tailandesas.



Olhando essa notícia fica claro que a imprensa ocidental não está cumprindo sua obrigação de apurar criticamente as causas do conflito. A reportagem pouco contextualiza a guerra, e não traça a relação óbvia com os eventos internos da Tailândia. Vale a penas notar que, embora a Tailândia reinvindica este território há décadas, os problemas de fronteira só tiveram início em 2008, coincidentemente ou não na época do início da crise política na Tailândia. As possíveis causas não são analisadas em absoluto e o repórter se limita a reproduzir os comunicados oficiais das partes; a apresentar alguns dados facilmente encontrados no Google ou na Wikipedia; e a apresentar um resumo da contagem de cadáveres feito pela imprensa dos dois países. Será que isso é obra de um reporter preguiçoso? Não. Isso se chama "oficialismo".

Vamos dar uma olhadinha melhor no palco dos combates. O tal templo de Preah Vihear fica num morro no meio de uma planície e a ONU já declarou categoricamente que pertence ao Camboja. Historicamente o templo é uma relíquia da cultura Khmer do século 11, o que só fortalece a posição Cambojana, pais herdeiro dos Khmers. O fato é que o ataque Tailandês é uma flagrante quebra das leis internacionais. Se trata de uma invasão pura e simples. O objetivo é claramente político, e a morte de gente inocente - como sempre - é absolutamente inaceitável. Onde estão os gritos de indignação?

Eu sei que a humanidade vem fazendo esse tipo de coisa há milênios mas eu ainda não consigo engolir isso. Para mim me parece tão sinistro que os comandantes militares tailandeses estejam dispostos a matar dezenas, ou até centenas, de seus próprios soldados e do "inimigo", com o argumento mentiroso de defender um território de ridículos quatro quilômetros quadrados, só para satisfazer suas vaidades e sede por poder.

Uma vergonha. Vergonha pelo que está acontecendo, e vergonha pelo que não está sendo dito em nossa mídia. Vergonha por fazer parte da humanidade.

E pensar que tudo isso acontece num país de histórica maioria budista, onde o povo é adepto da filosofia da não-violência. Um país que não é pequeno. Sua população de cerca de 65 milhões de pessoas é semelhante em tamanho ao do Egito ou do Irã (com a diferença óbvia de não possuir petróleo). Se trata verdadeiramente de um pais lindo, de praias oníricas que atraem milhões de turistas do mundo inteiro, e que guarda uma cultura riquíssima. Um país, inclusive, que se orgulha de nunca ter sido colonizado pelas forças estrangeiras ocidentais (a única do sudeste asiático). Como pode ser que tudo isso esteja acontecendo? Acho tão difícil de aceitar. Sei lá........

Assim como ocorre no outro pais vizinho, Mianmar, os monges budistas estão claramente contrários ao regime autoritário. Embora seu código de conduta pacifista os proíbe de enfrentar os poderes do estado, os monges participaram de todas as manifestações dos "camisas vermelhas" em grandes números. É tão esquisito pensar que o ocidente se interesse tanto pelo Dalai Lama e os seus 5 milhões de seguidores espirituais, e mostre tanto desinteresse pelos 60 milhões de budistas tailandeses, e outros tantos milhões em Mianmá, ou no Nepal. Ninguém na mídia nunca se lembra dos monges budistas que deram a vida para protestar contra a intervenção militar ocidental no Vietnã, como este de uma foto tirada em 1963. Com todo respeito ao Dalai Lama, que é um homem muito inteligente, mas tudo é tão distorcido.

Essas coisas me entristessem, e de um modo estranho, pois me fazem querer que outros sintam essa mesma tristeza estranha. Sinto que preciso falar para as pessoas desses erros. Preciso fazer com que os outros se revoltem junto comigo. Não posso aceitar a indiferença perante a morte contínua de inocentes. Não posso aceitar o cinismo como linha editorial, muito menos como política de estado.

O observador mais atento notará que as notícias da folha citadas aqui neste texto foram publicadas já há alguns dias. Por que isso? Por que não usar notícias mais recentes? Simples. Porque nos últimos dias nenhuma notícia sobre os protestos na Tailândia ou dos conflitos com o Camboja foi veiculada no portal da Folha de São Paulo. O assunto, por mais explosivo que possa ser, simplesmente não mais veio à tona.

Não pense, porém, que nada aconteceu lá. Pode ter certeza que está acontecendo de tudo. Estão tentando é fazer você esquecer da Tailândia. Fazer você achar que a Tailândia não importa. Está em curso um processo de criação do esquecimento. A ignorância hoje não é mais resultado da dificuldade de acesso às informações. Ela é produzida intencionalmente desviando se os olhares delas.
Os poderosos sabem que é preciso nos privar da informação, mas não mais via censura. Não porque são contra a censura, mas simplesmente porque não é mais possível censurar (diga se de passagem, uma grande conquista recente da tecnologia). Entretanto ainda é perfeitamente possivel limitar, coibir, manipular, conduzir, controlar e distrair. É o que tem sido feito.

Repito: ignorância, hoje, precisa ser meticulosamente fabricada.

Pois observe que se nada foi veiculado sobre o conflito nesse país nos últimos dias, isso que não quer dizer que nenhuma notícia da Tailândia chegou a ser publicada. Hoje, enquanto eu revisava este texto essa inacreditável notícia foi dada pelo jornal paulistano no seu caderno "mundo".

15/02/2011 - 01h26

Casal tailandês se beija por mais de 46 horas e bate recorde mundial

DA EFE

Após 46 horas, 24 minutos e nove segundos se beijando, um casal tailandês bateu nesta terça-feira o recorde mundial da "modalidade" em uma maratona por ocasião do dia de São Valentim, informou a imprensa local.

(...)



E eu me pergunto. Que tipo de merda é essa?

Respondo. Esse é o tipo de merda que eles usam pra nos fazer esquecer daquilo que devemos esquecer. Sim. "Tudo vai bem na Tailândia. Estão até batendo récorde de beijo. Esqueça a Tailândia. Eles são bobos."

Eu acredito que, por agora, você leitor ou leitora, em alguns momentos de sua leitura, pensou "mas porque Tailândia? O que que eu quero saber sobre a Tailândia? Não tenho nenhum amigo tailandes, não vejo filmes feitos na Tailândia. Não conheço nenhuma pessoa famosa Tailandesa. Nossas culturas são totalmente diferentes. Por que que esse cara se preocupa tanto com esse país lá longe? Será que ele é de alguma comunidade Tailandesa no Brasil?". Bem... não eu não tenho nenhum amigo tailandês - ainda - nem nunca viajei para lá, assim como você (quem sabe um dia). Mas, pessoalmente, eu considero essa uma indagação justa. Concordo que as coisas que acontecem em nossa vizinhança tem mais relação com a nossa vida que a que ocorre em outras. Nossa "aldeia" já é cheia de problemas. Nossa própria cultura já é complexa o suficiente para nos ocupar o pensamento e as paixões. Mas eu diria que a questão vai além e é muito mais sutil que isso. Estranhamos uma notícia sobre a Tailândia exatamente porque nunca recebemos nenhuma notícia sobre a Tailândia. Como uma cobra que morde o rabo, a falta de notícias é justificado em nosso inconsciente pela própria falta de notícias. Mas isso faz sentido?

Quero lembrar um exemplo interessante. Observem que por mais de uma década, durante os anos 60 e 70, nos convenceram que um país vizinho à Tailândia, chamado Vietnã, era sim muito importante. E os acontecimentos nesse país dominaram as manchetes e preocupações do planeta. Também não conhecíamos nenhum Vietnamita, amigo ou não, mesmo assim conseguiram monopolizar nossa atenção com esse país por anos (tanto que acabamos vendo fotos que eles nem queria que víssemos, como essas duas). O mesmo já ocorreu com um minúsculo principado chamado Kuait no início dos anos 90. Também o Panamá em 89. Também a Nicarágua no início dos anos 80. A Líbia no final dos anos 80. Mais recentemente tivemos o Tibete, o Afeganistão, o Iraque, o Irã. Todos esses ja mobilizaram incontáveis litros de tinta em nossos jornais. Por que esses lugares merecem tanta atenção então? Sim, a cobra comeu o rabo novamente e as notícias se justificavam uma às outras, mas então por que começaram a noticiar sobre estes lugares?

Aqui devemos imediatamente rejeitar a resposta simplista "porque é ali que as coisas mais interessantes aconteceram". Abandonemos a ingenuidade. Coisas interessantes acontecem em todo lugar. Massacres e matanças. Incêndios, morte, salvamento e heroísmo. Conflitos e disputas. Injustiças e reviravoltas. Se há algo que não falta no mundo é assunto. Jornalistas não encontram a notícia, eles a escolhem. Jamais um jornal ou um noticiário da TV ficaria mais curto por falta de notícias, pois há uma abundância absurda de fatos. Os jornais filtram (a palavra é exatamente essa) o que deve ou não ser noticiado. A chave está em entender como funciona esse filtro. Ele é comprometido com o que? Com as vendagens do jornal ou com os interesses dos grupos políticos que os dominam? Ou ambos?

Esta é uma pergunta sobre o qual devemos pensar muito. Não é uma pergunta trivial, mas é crucial para entendermos a nossa visão de mundo. Ou nossa falta de visão dele. Para ajudar a responder essa questão, muito ja se escreveu indo diretamente ao assunto, mas respostas deste tipo tendem a focar nos casos específicos. Queremos uma respostas geral, e para isso uma possibilidade interessante é estudarmos o lado vazio do copo. O oposto dualista desta categoria. Para entendermos por que alguns países são tão falados, uma das melhores formas é investigar por que alguns outros países são tão ignorados, pois, como no Ying-Yang, o formato de um é a fôrma do outro.

É aqui que entra a Tailândia.

A Tailândia poderia SIM estar nos nossos notíciários. Poderia ser o assunto de milhares de comentarista, de jornalistas ou blogueiros, ou de simples conversas de mesa de bar (assim como a importante disputa existente ao redor da base americana de Okinawa, no Japão, ou a histórica queda da monarquia de dois séculos no Nepal, ou a recente guerra civil da Argélia ou mesmo a do Sri Lanka, entre outras tantas não-notícias que não são veiculadas porque não são veiculadas). Bastava algumas declarações de alguns presidentes e primeiros-ministros, ou uma decisão de estado tomada dentro do pentágono. Bastava a dramatização pública de algum personagem da vida real (como ocorreu no Irã com uma tal Sakineh), ou talvez a descoberta de uma reserva gigante de petróleo perto de Bankok. (Irã, Libia, Egito e Venezuela) Não está nos noticiários por que o desinteresse por esse país é interessante aos que sabem fabricar interesse.

E se fabricar interesse é uma arte, fabricar desinteresse é uma arma.

Não esqueçam a Tailândia.



A Tailândia é um dos países mais bonitos do mundo. Tem uma cultura preciosíssima e milenar. E é um lugar cheio de seres humano como nós, que passam pela mesma busca pela felicidade que nós. Que choram e riem, cantam e dançam. Abraçam e brigam. O momento político que esse país vive hoje é extremamente semelhante ao vivido em muitos outros países como o nosso. A disputa entre camisas vermelhas e camisas amarelas tem profundas semelhanças com conflitos que vemos na nossa américa latina, e o levante popular vivido ali está em perfeita sincronia com o que ocorre muitas outras partes do mundo.

A Tailândia está sendo esquecida, porque a elite política do ocidente quer se desvencilhar da elite política dos tailandeses. Eles temem que a repressão praticada lá seja conhecida fora de suas fronteiras, e também temem que a eventual vitória vermelha lá seja conhecida e repercutida em outros paises. Eles querem é posar de bonzinhos. De defensores da liberdade. Querem se concentrar nos países com grandes reservas de petróleo, enquanto fabricam uma realidade conveniente na mente das pessoas.

Eles querem é garantir que a revolução não seja televisionada.

Pensando bem, as vezes eu tenho a impressão que o mundo inteiro é apenas um programa de televisão. Que não somos mais que personagens na mãos de um roteirista muito ruim. Que nossa vida real é uma bolha de realidade imerso em um universo de ilusões. E é aí então que me lembro do que diriam os budistas: o mundo é apenas uma ilusão.

O poder, os países, o dinheiro, a morte. Tudo não passa de ilusão. A opressão é uma ilusão. A mentira é uma ilusão. Até mesmo a Tailândia é uma ilusão. Sinto em mim que os budistas não poderiam estar mais certos. O único problema é que a própria ilusão é também uma ilusão, e é invariavelmente nessa ilusória existência em que viveremos a nossa vida. De uma forma ou de outra vamos ter que lidar com ela.

Um abraço a todos os ilusórios povos esquecidos do mundo.

Paz
Alexei









POSTUM SCRIPTUM

(19 de março de 2011)

Desde que publiquei o artigo acima, muito já aconteceu na Tailândia sem que nada fosse noticiado aqui no ocidente. O uso político da guerra com o Camboja, aparentemente, não prosperou e, sob forte pressão, a ditadura foi obrigada a começar a libertar os prisioneiros políticos. Recentemente aconteceu um momento altamente decisivo: uma moção de não-confiança foi levada ao congresso tailandês, o que poderia derrubar finalmente a ditadura. O golpista (ou líder moderado, dependendo da fonte que você consultar) sobreviveu, mas dessa vez, apesar da inegável maioria governista no congresso conseguido via golpe-de-estado, a coalizão camisa-amarela conseguiu vencer apenas por escassos 4% num apertado 52 x 48, o que "surpreendeu" os analistas. A distinta imprensa brasileira segue ignorando os acontecimentos totalmente. A única notícia que eu encontrei sobre o evento foi essa notícia da Al-jazeera.

http://english.aljazeera.net/news/asia-pacific/2011/03/20113194843541330.html

Thailand PM survives no-confidence vote

Last Modified: 19 Mar 2011 05:23
The latest no-confidence vote is the third that Abhisit has defeated since 2009 [Reuters]

Thailand's prime minister has survived a no-confidence vote brought against him by opposition politicians, ensuring his government remains in office in the run-up to what is likely to be a close election in July.

Abhisit Vejjajiva was backed by 249 politicians, or 52 per cent of the eligible house voters, in a censure motion after four days of debate marked by allegations of corruption, mismanagement and conflicts of interest levelled at him and nine of his ministers.

"The parliament has voted to give confidence to the Prime Minister and another nine ministers to stay in power," Chai Chidchob, the house speaker, said on Saturday.

It is the third censure motion that Abhisit has defeated since 2009.

The opposition, however, was seen as having little chance of winning the no-confidence vote because they lack a majority in the lower house.

During the debate, they accused Abhisit of abusing his power during deadly military operations in April and May 2010 aimed at clearing anti-government "red shirt" protesters from the streets of the capital, Bangkok.

They also blamed him for allowing a huge fire at Bangkok's CentralWorld mall - one of dozens of buildings set ablaze after the army crackdown.

The government denies this and blames protesters for the arson attacks.

Thailand remains deeply divided after more than 90 people died in those clashes between the army and demonstrators - the country's worst political violence in decades.

The red shirts plan to hold on Saturday the latest in a string of street rallies in Bangkok, which are expected to draw tens of thousands of people.

The mainly rural, working-class red shirts are broadly loyal to Thaksin Shinawatra, who was ousted as prime minister in a military coup in 2006 and lives overseas to avoid a jail sentence for corruption imposed in absentia.

They view the government as undemocratic because it came to power in 2008 in a parliamentary vote after a court ruling threw out the previous administration - an accusation Abhisit's administration strongly denies

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